Na CPI, Ernesto Araújo cita dados falsos sobre China, consórcio de vacina e OMS; veja checagem

Ex-ministro das Relações Exteriores foi chamado de mentiroso durante depoimento

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Carol Macário Marcela Duarte Maurício Moraes
Agência Lupa

Ministro das Relações Exteriores do Brasil entre janeiro de 2019 e março de 2021, Ernesto Araújo presta depoimento na CPI da Covid, no Senado, nesta terça-feira (18), em uma sessão conturbada.

Questionado por senadores, ele negou ter atacado a China e foi confrontado pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que rebateu dizendo que estava “faltando com a verdade”.

Também prestaram depoimento à CPI da Covid, no Senado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, Nelson Teich, que foi ministro da Saúde entre 17 de abril e 15 de maio de 2020, e Luiz Henrique Mandetta, que ocupou o cargo de 1º de janeiro de 2019 a 16 de abril de 2020. O general Eduardo Pazuello, ministro entre a saída de Teich e o início da gestão de Queiroga, irá depor nesta quarta-feira (19).

A Lupa verificou algumas das declarações de Ernesto. A reportagem contatou o Itamaraty a respeito das verificações, e irá atualizar essa reportagem assim que tiver respostas.

Confira a seguir a checagem.

O ex-ministro Ernesto Araújo durante depoimento à CPI, nesta terça-feira (18)
O ex-ministro Ernesto Araújo durante depoimento à CPI, nesta terça-feira (18) - Adriano Machado/Reuters

Jamais promovi nenhum atrito com a China, seja antes, seja durante a pandemia

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

FALSO

Ainda antes da pandemia, Ernesto Araújo foi criticado por declarações sobre o comércio do Brasil com a China. Em março de 2019, ele afirmou, durante um discurso para os alunos do Instituto Rio Branco, que o Brasil não iria “vender sua alma” para exportar minério de ferro e soja —a China é a maior compradora de soja e minério de ferro do Brasil. Na época, representantes do agronegócio manifestaram preocupação com o então ministro em razão de o país asiático ser o principal cliente do Brasil.

“A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) gostaria de externar a sua preocupação em relação às supostas declarações reproduzidas pelo noticiário nacional, nas quais teriam sido feitas afirmações no sentido de diminuir a importância das relações comerciais entre Brasil e China”, dizia a carta dos ruralistas.

Durante a pandemia, o primeiro atrito protagonizado pelo ex-ministro foi quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou em seu perfil no Twitter que a culpa pela pandemia seria do Partido Comunista Chinês. "A culpa é da China e liberdade seria a solução", escreveu o parlamentar em 18 de março. O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, respondeu e disse que a “parte chinesa repudia veementemente as suas palavras, e exige que as retire imediatamente e peça uma desculpa ao povo chinês”.

Para defender o filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Ernesto entrou no debate pela rede social e disse que o embaixador Yang Wanming "feria a boa prática diplomática" ao rebater de forma desproporcional o parlamentar. Na época, o próprio corpo diplomático do Itamaraty avaliou com perplexidade e preocupação a condução do ex-ministro diante do incidente diplomático.

Um mês depois, em 22 de abril de 2020, Ernesto publicou em seu blog Metapolítica Brasil um artigo intitulado “Chegou o Comunavírus”. Embora não ataque diretamente a China, o ex-chanceler expressa críticas ao Partido Comunista Chinês e menciona um “vírus ideológico” que se sobrepõe ao coronavírus e que teria feito o mundo “despertar para o pesadelo comunista”. Ao longo do texto,comenta uma obra do filósofo esloveno Slavoj Zizek que, segundo ele, “entrega sem disfarce o jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado, escravizar o ser humano e transformá-lo em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controlável”. O filósofo declarou que Ernesto “não entendeu a questão”.

Em novembro do ano passado, uma outra polêmica envolvendo Eduardo Bolsonaro gerou atritos com a China. Pelas redes sociais, o congressista havia vinculado o governo chinês a espionagem por meio da tecnologia 5G. A declaração provocou protestos da representação diplomática chinesa. Na época, o Ministério das Relações Exteriores censurou a reação da embaixada chinesa ​diante das declarações do filho de Bolsonaro.

A OMS, em certo momento, disse que o vírus não era transmissível entre humanos. Isso está documentado, se me permite citar algumas datas. Em 23 de janeiro, depois, em 4 de fevereiro, a OMS disse, sim, é transmissível entre humanos

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

FALSO

Em nenhum momento a OMS descartou a possibilidade de que o novo coronavírus fosse transmissível entre humanos. Em declaração no dia 23 de janeiro de 2020, o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que ainda não havia evidências de contágios ocorridos fora da China, mas ressaltou que a transmissão entre humanos já era comprovada em território chinês.

“Sabemos que há casos de transmissão entre humanos na China, mas, por enquanto, aparentemente limitados a grupos familiares e trabalhadores de saúde cuidando de pacientes infectados. Até o momento, não há evidência de transmissão entre humanos fora da China, mas isso não significa que isso não vai acontecer”, diz o texto. Ou seja, a OMS não disse que o vírus não era transmissível entre humanos. Pelo contrário, a entidade confirmou que isso não só era possível, como já tinha acontecido.

Já no dia 4 de fevereiro, diretores da OMS confirmaram a ocorrência de 27 casos de transmissão entre humanos fora da China, em entrevista coletiva.

No dia 3 de março, a OMS dizia que não era uma pandemia. No dia 11 de março, declarou pandemia

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

VERDADEIRO, MAS

A OMS declarou, oficialmente, que o mundo vivia uma pandemia no dia 11 de março de 2020. Até então, a entidade considerava que o novo coronavírus era uma “emergência de saúde global”. Antes dessa data, vários especialistas e autoridades —como o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, em 26 de fevereiro— defendiam que a entidade deveria se pronunciar nesse sentido. Outros, como o ministro da Saúde da Alemanha, Jens Spahn, em 4 de março, declaravam que a pandemia, na prática, já era uma realidade.

É importante frisar que o cenário piorou significativamente entre 3 e 11 de março de 2020. Segundo a OMS, no dia 3, o vírus havia sido detectado em 72 países além da China, causando 166 mortes. No dia 11, ele já estava em 113 territórios, e havia causado 1.130 óbitos.

No dia 13 de março, a OMS recomendava o isolamento social, sem fazer nenhuma referência a possíveis consequências de natureza socioeconômica. No dia 30 de março, o diretor-geral da OMS fez uma declaração dizendo que para países em desenvolvimento teria que se relativizar essa questão do isolamento social

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

FALSO

Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, nunca declarou que países em desenvolvimento deveriam “relativizar essa questão do isolamento social”. Essa informação falsa foi dita, inicialmente, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 31 de março de 2020. A própria OMS disse que a interpretação do presidente estava equivocada. Na época, a Lupa verificou essa afirmação.

Em 30 de março, o diretor-geral disse em entrevista coletiva que, em países pobres, medidas de isolamento tinham impacto socioeconômico —algo que em nenhum momento foi negado pela OMS— e que esse fator deveria ser considerado nas medidas de mitigação da pandemia. Em nenhum momento ele criticou medidas de isolamento social. Mesmo assim, algumas pessoas interpretaram sua fala dessa maneira.

Posteriormente, em sua conta no Twitter, ele explicou o que quis dizer. “Eu cresci pobre e entendo essa realidade. Chamo os países a desenvolver políticas que forneçam proteção econômica para pessoas que não podem ganhar ou trabalhar em meio à pandemia de #COVID19”, escreveu. Ou seja, ele não disse que os países deveriam relativizar medidas de isolamento social, e sim que deveriam fornecer meios para garantir um mínimo de qualidade de vida para a população mais pobre durante a crise.

Antes da fala de Tedros, na mesma entrevista coletiva, o diretor-executivo do Programa para Emergências em Saúde da OMS, o irlandês Michael Ryan, ressaltou que medidas severas de isolamento social podem ser necessárias em determinados contextos. Essa posição não contradiz declarações anteriores da entidade.

Na outra data citada por Ernesto, 13 de março de 2020, Tedros falou em entrevista coletiva sobre a mudança do epicentro da pandemia da China para a Europa. Ele, de fato, não disse literalmente que medidas de isolamento afetam a economia, mas disse que medidas do tipo deveriam ser temporárias —ou seja, indicou reconhecer a existência de algum impacto negativo. “Isolem os doentes e coloque seus contatos de quarentena. Além disso, medidas que aumentem o distanciamento social, como cancelar eventos esportivos, podem ajudar a reduzir a transmissão. Essas medidas, claro, devem ter como base contextos locais e avaliações de risco, e devem ser temporárias”, disse.

Manifestamos, desde junho de 2020, a intenção de aderir ao consórcio Covax da OMS, tão logo essa iniciativa foi definida e dela participamos ativamente desde então

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

FALSO

O consórcio Covax Facility, aliança mundial de vacinas contra a Covid-19, começou a ser discutido em abril de 2020 e foi lançado em junho. O governo brasileiro só manifestou interesse no programa em julho – =ou seja, um mês depois da data citada pelo ex-ministro na CPI.

A imprensa noticiou que foram enviadas cartas à OMS pela embaixadora brasileira junto às Nações Unidas em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo. Além disso, o país só confirmou a intenção de aderir ao programa em 18 de setembro, quando mais de 170 nações já haviam aceitado participar da iniciativa.

O Ministério da Saúde confirmou a participação no programa em 24 de setembro. Na época, o governo federal optou pela cobertura mínima —poderia solicitar doses suficientes para vacinar de 10% a 50% da população.

O programa Covax Facility é coordenado pela OMS, Gavi Alliance e Cepi (Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias). O consórcio foi criado com o objetivo de acabar com a pandemia por meio do investimento em pesquisa científica e produção em larga escala de imunizantes. Um dos objetivos é que todos os países tenham acesso às vacinas contra o novo coronavírus. As primeiras doses dos imunizantes adquiridos por meio do consórcio, importados da fábrica da AstraZeneca na Coreia do Sul, chegaram ao Brasil em 21 de março.

Graças à qualidade das nossas relações com a Índia fomos o primeiro país do mundo a receber vacinas exportadas por aquele país

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

FALSO

Em janeiro deste ano, a Índia anunciou que começaria a exportar vacinas contra a Covid-19 enviando lotes para seis países próximos: Butão, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e Seychelles.

No dia 21 de janeiro, Nepal, Bangladesh, Butão e Maldivas já haviam recebido doses produzidas na Índia.

As vacinas produzidas na Índia só chegaram ao Brasil no dia 22 de janeiro, após sucessivos adiamentos na liberação da carga. Isso causou desgaste no Palácio do Planalto, que apostava nessa vacina para iniciar a campanha de imunização nacional.

Os números de 2020, mesmo com a pandemia, mostraram um aumento de 9% das nossas exportações destinadas à China

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

EXAGERADO

O valor das exportações brasileiras para a China cresceu 7% em 2020 em relação a 2019, alcançando US$ 67,8 bilhões, de acordo com dados do Comex Stat, portal de estatísticas do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Além disso, em 2019, antes mesmo da pandemia, as exportações brasileiras para o país asiático haviam apresentado ligeira queda. As vendas do Brasil para a China, que em 2018 foram de US$ 63,9 bilhões, caíram para US$ 63,3 bilhões em 2019.

(...) Se não me engano, [as exportações para a China] já atingem o posto de 33% do mercado total das nossas exportações

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

VERDADEIRO

As exportações brasileiras para a China foram de US$ 67,8 bilhões em 2020, o que representa 32,4% do total das vendas externas do Brasil, de US$ 209,2 bilhões no ano passado, de acordo com informações do Comex Stat.

Na balança comercial, atingimos, em 2019, o saldo de US$ 35 bilhões e, em 2020, o saldo (...) de US$ 50 bilhões

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

VERDADEIRO, MAS

Os valores mencionados pelo ex-ministro estão corretos. Em 2020, o saldo da balança comercial foi de US$ 50,4 bilhões, segundo o Comex Stat. O país exportou US$ 209,2 bilhões e importou US$ 158,8 bilhões. Já em 2019, o saldo foi de US$ 35,2 bilhões: o Brasil vendeu US$ 221,1 bilhões e comprou US$ 185,9 bilhões.

Contudo, esses números estão abaixo do patamar de 2018. No último ano antes do início do governo Bolsonaro, as vendas externas somavam US$ 231,9 bilhões, enquanto as importações chegaram a US$ 185,3 bilhões.

Em 2020, o saldo [da balança comercial foi] recorde

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

FALSO

O saldo da balança comercial de 2020, US$ 50,4 bilhões, não foi o recorde da série histórica. Segundo dados do Comex Stat, em 2017, o saldo da balança comercial foi de US$ 56 bilhões. Naquele ano, o Brasil exportou US$ 215 bilhões, e importou US$ 159 bilhões —ou seja, exportou e importou mais do que em 2020.

O Itamaraty executou a repatriação de mais de 38 mil brasileiros

Ernesto Araújo

Em depoimento à CPI

VERDADEIRO

Um levantamento feito pelo Sinditamaraty (Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores) mostrou que cerca de 40 mil brasileiros foram repatriados entre fevereiro e julho de 2020. Em março de 2020, no começo da pandemia, o Ministério das Relações Exteriores chegou a montar um gabinete de crise para negociar com companhias aéreas a repatriação de turistas brasileiros no exterior diante do fechamento de fronteiras em diversos países.

De acordo com o sindicato, nos primeiros seis meses do ano, voltaram ao Brasil pessoas vindas de 107 países diferentes. Entre março e abril do ano passado, por exemplo, foram 15 voos fretados ​pagos pelo ministério.

Edição Chico Marés

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