Governistas da CPI dizem que Bolsonaro repassou a Pazuello suspeitas sobre Covaxin

Suspeitas atingem Planalto após citação a presidente, e compra da Covaxin vira principal alvo de CPI

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Brasília

Senadores governistas da CPI da Covid afirmaram na manhã desta quinta-feira (24) que o presidente Jair Bolsonaro pediu que o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, assim que teve contato com os indícios.

Os senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO) participaram de uma reunião no Palácio do Planalto com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, para tratar das denúncias recentes apresentadas pelo servidor da Saúde Luís Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF).

O caso em torno das suspeita da compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro foi revelado na Folha na sexta-feira passada (18), com a divulgação do teor do depoimento do servidor Luís Ricardo Miranda. Ele disse em oitiva no Ministério Público Federal que recebeu uma pressão “atípica” para agilizar a liberação da vacina indiana, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.​

A CPI desconfia de favorecimento para a Precisa Medicamentos, que intermediou o contrato de R$ 1,6 bilhão. A vacina Covaxin é a mais cara, com valor de R$ 80 por dose, além de que seu contrato foi fechado em apenas três meses, muito mais rápido que as negociações com a Pfizer e o Instituto Butantan.

Em entrevista à Folha nesta quarta-feira, o deputado federal Luís Miranda afirmou que alertou pessoalmente o presidente Bolsonaro sobre os indícios de irregularidades na negociação e a pressão para a sua rápida liberação.

"No dia 20 de março, fui pessoalmente, com o servidor da Saúde, que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele", disse o parlamentar.

Após o encontro no Planalto nesta manhã, os senadores concederam entrevista coletiva, na qual afirmaram que o presidente deu prosseguimento às denúncias recebidas, mas que elas não se sustentaram.​

"O presidente da República determinou, quando soube, entre diversos assuntos que esse deputado [Luís Miranda] foi tratar, o presidente falou com o ministro Pazuello para verificar. Como não tinha nada de errado, a coisa c ontinuou", afirmou Jorginho Mello.

O parlamentar completou que o governo está reunindo documentação para provar que as denúncias são falsas.

"Todos os procedimentos serão encaminhados conforme ele [Onyx Lorenzoni] anunciou ontem: perícia, documentos que não são verdadeiros apresentados por esse deputado, pelo irmão dele que é servidor público, que deveria zelar pelo serviço público, informações, enfim. Então todas as perícias e encaminhamentos o próprio governo já encaminhou para todas as esferas de poder", completou.

Marcos Rogério afirmou que as denúncias apresentadas são "fake news" que prejudicam o interesse público. "Esse tipo de ataque ao Ministério da Saúde, sem a devida cautela , representa uma ameaça ao devido processo administrativo e ao trabalho dos técnicos", afirmou.

Os dois parlamentares também atacaram a reputação do deputado Luís Miranda. Mello afirmou que ele é um "conhecido lobista" e um "falastrão".

Marcos Rogério também acrescentou que é uma decisão exclusiva do governo manter o contrato para a aquisição da Covaxin, embora ressalte que nenhum pagamento foi feito para a Precisa Medicamentos. Também afirmou que o governo buscou diversas vacinas que os laboratórios apresentassem garantia de entrega rápida das imunizações.

Na abertura da sessão da CPI da Covid, o presidente Omar Aziz (PSD-AM) disse que solicitou para a Polícia Federal informações sobre eventual investigação relacionada à contratação da Covaxin. Disse que aguarda uma resposta ainda nesta quarta-feira.

"Esta presidência oficiou ontem a Polícia Federal com vistas à expedição de certidão a respeito dos inquéritos envolvendo a Covaxin e a empresa Bharat Biotech. A Comissão aguarda para o dia de hoje a resposta da Polícia Federal", disse.

"Além disso, a Polícia Federal foi oficiada para providenciar segurança aos depoentes da reunião a ser realizada amanhã e a seus familiares. Diante das ameaças relatadas a esta Comissão Parlamentar de Inquérito, reitero à Polícia Federal a necessidade de cumprimento desse pleito que não só garante a integridade física dos depoentes mas assegura o bom andamento das investigações conduzidas por este colegiado", completou.

Omar Aziz também entrou em discussão com senadores governistas, quando foi sugerido que o deputado Luís Miranda "andava pelo Senado", insinuando que as denúncias foram articuladas. O presidente da comissão rebateu que Miranda frequenta "a casa do presidente [Bolsonaro] e não a dele". "Ele anda de moto com o presidente e não comigo", afirmou.

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) também criticou Onyx Lorenzoni, afirmando que ele tentou coagir uma testemunha. Renan também repetiu que vai convocar o ministro da Secretaria-geral da Presidência e que pode pedir sua prisão.

"Queria expressar a minha mais completa repugnância pela bravata do secretario geral da Presidência da República", disse Renan. Para o senador, Onyx fez uma "despudorada coação de duas testemunhas e consequentemente dessa Comissão Parlamentar de Inquérito", disse.

"Se esse senhor continuar a reincidir, não temos outra coisa a fazer senão requisitar a prisão dele", completou o relator, pedindo urgência a Omar Aziz para colocar em votação a convocação do ministro.

Em videoconferência realizada pelo Portal Jota nesta quinta-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), abordou as declarações de Luis Miranda. Ele disse ter sido procurado pelo deputado na segunda-feira (21) para falar sobre o episódio envolvendo o irmão. "Eu perguntei: o rapaz é seu irmão? Ele fez sim, 'é meu irmão e eu sei tudo sobre o caso'. Aí eu disse: se você sabe e se tiver algo errado, detone."

Miranda, segundo Lira, teria dito então que queria conversar com o presidente da Câmara antes. "Eu disse: pra quê? Comigo? Pra quê? Eu não sou Ministério Público, eu não sou Polícia Federal, eu não sou ministro da Saúde, eu não sou Poder Executivo. Então conversar comigo pra quê? Se você tem base de fundamento e tem uma notícia séria dessa partindo do seu irmão, como participante ou não, denuncie, traga a público", afirmou Lira.

Lira disse não ter dúvida de que as declarações de Miranda causaram muito barulho e que a CPI vai querer ouvi-lo. "Ele vai também ter que se explicar para os órgãos de controle por que não fez [denúncia antes], se é uma notícia de março, nós estamos em junho...mas todo fato tem que ser elucidado."

​COVAXIN: CRONOLOGIA, RAIO-X DA VACINA E QUEM É QUEM NESSA HISTÓRIA

Cronologia

1ª reunião (20.11)
É feita a primeira reunião técnica no Ministério da Saúde sobre a aquisição da vacina indiana Covaxin, produzida pela Bharat Biotech.

Comitiva (06.01)
Embaixador brasileiro em Nova Déli, na Índia, recebe uma comitiva da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. Um dos representantes é Francisco Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos. A missão visita a Bharat Biotech.

Carta ao 1º ministro (08.01)
O presidente Jair Bolsonaro envia carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e afirma que, no programa brasileiro de imunização, estão as vacinas da Bharat Biotech.

Ofício (18.01)
Ministério envia ofício a presidente da Precisa informando querer dar início a tratativas comerciais para aquisição de lotes.

Contrato assinado (25.02)
Contrato é assinado entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos para a aquisição de 20 milhões de doses.

Nova viagem (05.03)
Maximiano faz nova viagem à Índia. É recebido outra vez na Embaixada do Brasil em Nova Déli. O empresário fala em 32 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde.

Pedido rejeitado (31.03)
Anvisa rejeita pedido de importação de doses formulado pelo ministério, por falta de documentos básicos por parte da empresa responsável.

No mesmo dia, um servidor de área estratégica do Ministério da Saúde presta depoimento ao MPF em que relata pressão atípica para importação das doses, inclusive com ingerência de superiores junto à Anvisa.

Fim do prazo (06.05)
Acaba o prazo estipulado em contrato para a entrega dos 20 milhões de doses. Nenhuma dose chegou ao Brasil.

Pedido aprovado (04.06)
Anvisa aprova pedido de importação de doses, mas com restrições, diante da necessidade de estudos extras de efetividade. Nenhuma dose chegou ao Brasil.

Indícios de crime (16.06)
MPF aponta indícios de crime no contrato e envia investigação para ofício que cuida de combate à corrupção.

Raio-x:

  • Valor do contrato: R$ 1,61 bilhão
  • Doses a serem entregues: 20 milhões
  • Valor individual da dose: US$ 15 (R$ 80,70)

Preço das doses de outras vacinas contratadas:

  • Sputnik V: R$ 69,36
  • Coronavac: R$ 58,20
  • Pfizer: US$ 10 (R$ 56,30)
  • Janssen: US$ 10 (R$ 56,30)
  • AstraZeneca/Oxford: US$ 3,16 (R$ 19,87)

Quem é quem:

Precisa Medicamentos: é a empresa que assina o contrato com o Ministério da Saúde. Representa no Brasil a farmacêutica indiana Bharat Biotech.

Francisco Emerson Maximiano: sócio-administrador da Precisa Medicamentos. É o empresário que foi à Índia para viabilizar a representação da vacina Covaxin no Brasil. Também se apresentou como representante de clínicas privadas de vacinação. Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde.

Global Gestão em Saúde: a empresa foi acionada na Justiça pelo MPF por pagamentos antecipados e indevidos feitos pelo Ministério da Saúde. O valor soma R$ 20 milhões. Segundo a ação de improbidade, a Global não forneceu medicamentos para doenças raras e, mesmo assim, recebeu pagamentos antecipados. Catorze pacientes morreram, segundo o MPF.

Tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho: do grupo próximo do general Eduardo Pazuello, e indicado por ele ao cargo, Marinho foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde. Parte da pressão para tentar a importação da Covaxin, apesar da falta de documentos junto à Anvisa, partiu do tenente-coronel, segundo depoimento de servidor ao MPF.

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