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Regras confusas e inacabadas deram gás a uso político das PMs por Bolsonaro

Pânico com possibilidade de adesão de policiais a atos bolsonaristas não se confirma, mas politização acende alerta

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São Paulo

O pânico que rondou a possibilidade de adesão de policiais militares aos atos bolsonaristas do 7 de Setembro não se confirmou nas ruas das cidades brasileiras, que se encheram de apoiadores do presidente e de aplausos a seu discurso golpista.

A ameaça de uso político das forças de segurança por uma liderança populista e autoritária como Jair Bolsonaro se ampara em afinidades eletivas, mas também em lacunas e confusões regulatórias fruto da omissão de legisladores e governantes.

No campo das afinidades, trata-se de um presidente que se favorece da tendência conservadora comum entre policiais e que se apresenta como defensor dessas forças, ainda que quase nada tenha entregado a elas além de palavras e adulações.

Ser objeto de discursos e da atenção de quem ocupa o posto mais alto da República, no entanto, não é pouca coisa para uma categoria maltratada e carente de reconhecimento como a das polícias militares brasileiras.

Mas o que deu gás a essa potencial mobilização das polícias foi o regramento confuso e incompleto que rege as forças de segurança pública brasileiras desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.

O artigo 144 da Carta, que trata da segurança pública, estabelece uma mera continuidade daquilo que havia durante a ditadura, importando dos tempos da repressão política a arquitetura operacional e regulatória das polícias.

A Constituição cidadã, portanto, negligenciou a democratização de um campo fundamental do cotidiano, que é o da segurança, sem a qual não se vive. Consequentemente, empurrou para a frente a promoção de uma cultura democrática entre as corporações, impregnadas que estavam por um regime que transformou métodos brutais e autoritários em política de Estado.

Passados mais de 30 anos da promulgação da Constituição, os legisladores ainda não se dedicaram a regulamentar o que é ser policial e garantir a segurança pública no Brasil redemocratizado.

Com isso, até hoje o país sofre com a ausência de um mandato democrático para as forças de segurança, que muitas vezes estão submetidas a regimentos internos arcaicos e violentos, e de normas rígidas para a participação dos agentes armados do Estado na política institucional.

Não há, por exemplo, protocolos públicos de uso da força pelas polícias. O cidadão, portanto, não sabe que tipo de atuação é legal e prevista e o que pode ser considerado abusivo, para além dos episódios em que isso se torna evidente e gritante. É a senha para uma relação de desconfiança e de temor.

Na política institucional, ao contrário de outros servidores públicos, como juízes e promotores, os policiais podem se candidatar a cargos públicos e depois retornar às corporações, numa porta giratória que gera contágio político eleitoral numa categoria voltada para a política de Estado.

Esse paradoxo entre o contexto democrático e a legislação ligada à segurança pública é um dos temas centrais do recém-lançado “Segurança Pública após 1988: História de uma Construção Inacabada”, dos sociólogos Marco Aurélio Ruediger, diretor de análise de políticas públicas da FGV, e Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV.

No livro, a dupla trata dos problemas de governança que circundam as polícias. Aponta que todos os presidentes da República, desde 1989, procuraram não se envolver diretamente com a área, empurrando a regulamentação da atividade policial para as unidades federativas, onde estão sob o comando de governadores que em geral optam pela figuração e por acomodações políticas aos conflitos inerentes ao controle civil da atividade policial.

O resultado é uma autonomia extrema, evidenciada nos episódios de insubordinação ocorridos de maneira mais intensa desde o motim ocorrido no Ceará em fevereiro de 2020, e que culminaram com o caso do coronel paulista Aleksander Lacerda, convocando seus pares para os atos golpistas deste 7 de Setembro.

Autonomia essa que gera também confusão, como na ausência de consenso sobre a possibilidade de policiais de folga, sem farda e desarmados, participarem das manifestações deste Dia da Independência.

“O grande desafio é fazer uma reforma das polícias para que elas sejam menos autônomas e insuladas, para que estejam sob o controle civil e ao mesmo tempo sejam valorizadas”, afirma Lima, um dos autores do livro.

Ao assombrar o país nas últimas semanas, a politização das PMs acendeu uma série de alertas sobre a necessidade de controle e supervisão da sociedade civil sobre a atividade policial e seu regramento.

Diante da ameaça, o Ministério Público de diversos Estados se mobilizou para esclarecer as regras do jogo e apontar para as consequências de sua quebra. Falta agora ao Congresso Nacional exercer sua responsabilidade de regulamentar a construção inacabada iniciada na Constituição de 1988 ou se tornar parceiro dessa crise.

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