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Congresso diz ao STF que não consegue cumprir decisão das emendas de relator

Ato e resolução mantêm poder de distribuição nas mãos da cúpula do Congresso

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Brasília

O Congresso Nacional enviou nesta quinta-feira (25) uma petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) em que afirma que não tem como cumprir a ordem da corte de dar publicidade à destinação das emendas de relator de 2020 e 2021.

A iniciativa acontece no mesmo dia da edição de um ato da Câmara e do Senado, reforçando o descumprimento da decisão judicial e, por causa da repercussão, do cancelamento de uma sessão para votar um projeto de resolução sobre o tema.

O Legislativo se comprometeu na petição, no entanto, a dar ampla transparência à execução dessas verbas daqui em diante.

Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante sessão deliberativa extraordinária no plenário - Antônio Augusto / Câmara dos Deputados

Mais cedo, para destravar essas emendas, o Congresso publicou um ato conjunto da Câmara e do Senado e aprovar um projeto de resolução com regras para dar mais transparência às verbas bilionárias, mas que continuam ocultando os parlamentares beneficiados pelos recursos em 2020 e 2021.

O ato, assinado pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), busca responder à decisão do STF, que, no início do mês, decidiu suspender "integral e imediatamente" o pagamento das verbas a deputados e senadores.

Pacheco foi pessoalmente levar o ato para a ministra Rosa Weber, para tentar explicar que o Congresso não teria como cumprir toda a decisão judicial.

O senador também havia convocado uma sessão extraordinária do Congresso para esta sexta-feira (25) para a apreciação de um projeto de resolução com novas regras relativas a emendas, visando dar mais transparência.

Com a reação dos eventos desta quinta, nas quais senadores pediram em plenário que a matéria não fosse atropelada, Pacheco recuou e adiou a sessão, que agora será na segunda-feira (29).

O teor do ato é similar a projeto de resolução, revelado pela Folha um dia após a decisão do Supremo, que havia sido capitaneado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O projeto deve ser votado nesta sexta-feira (26), em sessão conjunta do Congresso.

Em linhas gerais, os dois textos estabelecem regras de transparência na execução orçamentária dessas emendas daqui em diante. Para trás, há a determinação de publicidade apenas dos nomes das prefeituras e governos beneficiados pelas emendas, não dos parlamentares.

O Legislativo pede para a ministra Rosa Weber, relatora do processo no Supremo, dar uma decisão para liberar a execução das emendas de relator que ainda estão pendentes de execução neste ano. O Parlamento, porém, afirma que não consegue cumprir integralmente a ordem da corte.

"Entretanto, não há como cumprir o disposto na alínea 'a' da decisão cautelar quanto às solicitações que foram endereçadas ao relator-geral, pelos mais diversos meios (inclusive informais)", diz a peça.

A magistrada não tem um prazo para responder ao pedido do Congresso. Nos bastidores, porém, a cúpula do Legislativo tem pressionado a corte a liberar a execução das emendas sob o argumento de que a suspensão tem afetado obras em andamento Brasil afora que dependem dos recursos.

Para justificar a falta de transparência das emendas de relator até aqui, o Congresso justifica que as leis orçamentárias de 2020 e 2021 "não preveem a formalização das solicitações encaminhadas ao relator-geral para fins de sugestão de alocação de recursos das emendas".

O Legislativo pede o "reconhecimento da impossibilidade fática e jurídica de cumprimento dos itens" da decisão que dizem respeito à retroatividade da transparência a ser dada para a destinação das emendas.

A peça é assinada pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Eles afirmam que "estão adotando todas as medidas fáticas e juridicamente possíveis para o cumprimento" da decisão, "no sentido de melhor esclarecer a corte e a sociedade civil sobre os instrumentos já existentes para a publicidade, fiscalização e o controle da execução orçamentária das emendas do relator-geral".

Totalizando R$ 16,8 bilhões só em 2021, as emendas de relator são usadas pelo governo e a cúpula da Câmara e do Senado para fidelizar sua base no Congresso e obter apoio para votações importantes. Sua distribuição a parlamentares é feita com base em critérios exclusivamente políticos.

Segundo o ato e o projeto elaborados pelo Congresso, o detalhamento da execução orçamentária conterá informações como emenda, órgão orçamentário, dotação atualizada, empenhada, liquidada e paga.

A CMO (Comissão Mista de Orçamento) acompanhará a execução das despesas de RP9 e deverá divulgar relatórios com identificação de beneficiários, valores empenhados, estados e municípios.

De acordo com o ato, os pedidos que fundamentam as indicações a serem feitas pelo relator-geral a partir da vigência do documento serão publicados em sites pela CMO e encaminhados ao Executivo.

Por outro lado, o ato não trata de nenhuma mudança em relação ao poder de distribuição das emendas pela cúpula do Congresso.

Na noite desta quinta, Pacheco encontrou-se com a ministra Rosa Weber para apresentar e discutir o ato conjunto, que ele afirma ter o objetivo de cumprir a decisão judicial sobre esse assunto.

O presidente do Senado afirmou que não há ocultação dos parlamentares beneficiados pelas emendas. Disse também que o Congresso vai cumprir a decisão do Supremo, mas "dentro da proposta de exequibilidade".

Pacheco também rebateu que o modelo permita a "ocultação" dos parlamentares beneficiados por essas emendas.

"Não há ocultação, o que há é uma obrigação legal no que diz respeito às emendas do relator, e essas emendas portanto têm uma natureza, como têm as emendas individuais, as emendas de comissão, as emendas de bancada. Havia uma previsão legal que foi cumprida", afirmou.

"A transparência que se busca apresentar ao Supremo é a destinação de cada um desses recursos, de cada centavo do Orçamento, até para se aferir o bom emprego desses recursos públicos", completou o senador mineiro.

Estava prevista para esta sexta também uma sessão do Congresso para votar um projeto de resolução com novas regras relativas a Orçamento, para tentar dar mais transparência.

O relator do projeto de resolução, Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que pretende, no texto que será apresentado, colocar travas ao poder do relator-geral, que atua como uma espécie de preposto do comando da Câmara e do Senado na distribuição das verbas. Também quer limitar o valor das emendas.

Castro, no entanto, condicionou continuar como relator à aceitação de sua proposta de limitar as emendas. Outros senadores o apoiaram, acrescentando que seria necessário mais tempo para que uma análise do assunto fosse bem executada.

No fim da noite, a presidência do Senado divulgou nota informando o adiamento da sessão do Congresso.

A decisão do STF atingiu em cheio o mundo político, abalando um esquema de negociação de verbas públicas que tomou corpo em 2020 e 2021.

Todos os anos, deputados e senadores têm o direito de direcionar verbas do Orçamento federal para obras e investimentos em seus redutos eleitorais.

Para isso, contam com as chamadas emendas parlamentares individuais (definidas por cada um dos 594 congressistas) e coletivas (de bancadas estaduais, por exemplo). Elas são divididas de forma equânime entre os parlamentares e a execução pelo governo é obrigatória.

A partir do Orçamento de 2020, porém, a cúpula do Congresso começou a colocar em prática uma manobra com o objetivo de manter o seu poder de moeda de troca —se aproveitando da fragilidade política do governo Bolsonaro, que foi obrigado a abrir mão de parte da execução dessa verba.

Essa manobra se materializou por meio do relator-geral do Orçamento: um deputado ou senador que na maior parte dos casos apenas empresta o nome para a divisão da verba, que é decidida, na prática, pela cúpula da Câmara e do Senado.

Na Câmara, essa tarefa tem ficado nas mãos de Arthur Lira, aliado de Jair Bolsonaro, que usa os recursos para garantir fidelidade ao seu redor e a projetos do Palácio do Planalto. Isso ocorreu, por exemplo, na aprovação da PEC dos Precatórios, nesta semana.

Não há uma base de dados pública com a lista de deputados e senadores beneficiados por essa negociação política, tampouco há informações abertas sobre o destino do dinheiro público.

A transparência na decisão de divisão e na execução dessas emendas é baixíssima e sem padrão. Em alguns casos, é possível saber detalhes por meio de complicadas ferramentas de transparência de ministérios.

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