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Moro e procuradores da Lava Jato foram parciais contra Lula, afirma comitê da ONU

Investigação e processo penal contra ex-presidente violaram seu direito a ser julgado por um tribunal imparcial, diz órgão

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São Paulo

O Comitê de Direitos Humanos da ONU concluiu que os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro foram parciais em relação aos casos investigados contra o ex-presidente Lula (PT).

"A investigação e o processo penal contra o ex-presidente Lula da Silva violaram seu direito a ser julgado por um tribunal imparcial, seu direito à privacidade e seus direitos políticos", afirma nota do órgão.

O comitê se manifestou após ter sido provocado pela defesa de Lula, que permaneceu 580 dias presos em Curitiba pela condenação no caso referente ao tríplex de Guarujá.

A afirmação do comitê não tem nenhum efeito jurídico, mas tem peso político para fortalecer o discurso de Lula de perseguição política às vésperas da disputa eleitoral na qual lidera as pesquisas de intenção de voto.

"Embora os Estados tenham o dever de investigar e processar os atos de corrupção e manter a população informada, especialmente em relação a um ex-chefe de Estado, tais ações devem ser conduzidas de forma justa e respeitar as garantias do devido processo legal", disse em nota o membro do comitê Arif Bulkan.

O ex-procurador Deltan Dallagnon e o ex-juiz Sergio Moro
O ex-procurador Deltan Dallagnon e o ex-juiz Sergio Moro - Theo Marques/UOL

Os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins, que representam o petista, afirmaram que se trata de uma "decisão histórica". "É uma vitória não só do ex-presidente Lula, mas de todos aqueles que acreditam na democracia e no Estado de direito", disse Zanin à imprensa na manhã desta quinta-feira (28).

"Conseguimos o reconhecimento não apenas no Brasil, mas também em uma corte mundial, que a Operação Lava Jato, o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol atuaram de forma ilegal, arbitrária e afrontando um tratado internacional da ONU", seguiu o advogado.

Ainda segundo a nota, o comitê afirmou que as violações processuais "tornaram arbitrária a proibição a Lula de concorrer à Presidência e, portanto, em violação de seus direitos políticos".

O comitê também afirmou que instou o governo brasileiro a "assegurar que quaisquer outros procedimentos criminais contra Lula cumpram com as garantias do devido processo legal, e a prevenir violações semelhantes no futuro".

De acordo com Zanin, o governo brasileiro terá que comunicar a ONU, em um prazo de até 180 dias, quais medidas ele irá tomar para "reparar danos causados ao ex-presidente Lula" e para evitar que procedimentos identificados na Lava Jato possam ocorrer com outros brasileiros.

Zanin afirmou ainda que o governo federal deverá, por determinação da ONU, traduzir e dar ampla divulgação do texto com a decisão do comitê. Segundo o advogado, a expectativa é que o governo cumpra com as determinações impostas "o mais breve possível".

Segundo ele, a decisão é "obrigatória e vinculante", porque o Brasil subscreveu o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU e aderiu à jurisdição do Comitê de Direitos Humanos da ONU.

"O governo brasileiro tem o dever de cumprir [a decisão] não só para estar adimplente em relação a suas obrigações em matéria de direitos humanos, mas também para estar adimplente a suas obrigações perante os organismos internacionais", afirmou.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU é formado por 18 membros e tem o papel de monitorar a implementação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que é ratificado por 173 países, entre eles o Brasil.

Em nota, Moro afirma que as conclusões do relatório do comitê foram extraídas de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que ele considera "um grande erro judiciário".

Ele diz ainda que o comitê "não nega a corrupção na Petrobras ou afirma a inocência de Lula" e que a condenação do ex-presidente foi "referendada por três instâncias do Judiciário e passou pelo crivo de nove magistrados".

"Também é possível constatar, no relatório do Comitê da ONU, robustos votos vencidos que não deixam dúvidas de que a minha atuação foi legítima na aplicação da lei, no combate à corrupção e que não houve qualquer tipo de perseguição política", finaliza Moro.

​Juiz da Lava Jato, Moro abandonou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, com quem depois se desentendeu —isso motivou seu pedido de demissão em abril de 2020.

No ano passado, o STF considerou Moro parcial nos processos em que atuou como juiz federal contra Lula. Com isso, foram anuladas ações dos casos tríplex, sítio de Atibaia e Instituto Lula pela Lava Jato.

Diferentes pontos levantados pela defesa do petista levaram à declaração de parcialidade, como condução coercitiva sem prévia intimação para oitiva, interceptações telefônicas do ex-presidente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas e divulgação de grampos.

Ainda na nota, o comitê da ONU considerou que "o mandado de apreensão, emitido em violação ao direito interno, violou o direito de Lula a sua liberdade pessoal, e que as gravações e divulgação pública de suas conversas violou seu direito à privacidade".

O comitê afirmou também que as ações e declarações públicas de Moro e dos procuradores "violaram o direito de Lula à presunção de inocência".

A ida para uma cadeira no ministério de Bolsonaro também pesou contra Moro, assim como os diálogos entre integrantes da Lava Jato obtidos pelo site The Intercept Brasil e publicados por outros veículos de imprensa, como a Folha, que expuseram a proximidade entre o juiz e os procuradores da Lava Jato.

Em resumo, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

O ex-magistrado sempre repetiu que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, ainda que fossem verdadeiras, não contêm ilegalidades.

Lula foi solto no início de novembro de 2019, após 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba, beneficiado por um novo entendimento do STF segundo o qual a prisão de condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos.

Lula permaneceu preso de 7 abril de 2018 a 8 de novembro de 2019 em uma cela especial da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.

O local tinha 15 metros quadrados, com banheiro, e ficava isolado no último andar do prédio. Ele não teve contato com outros presos, que ficavam na carceragem, no primeiro andar.

Em 2021, o ministro Edson Fachin anulou as condenações do ex-presidente Lula (PT) na Lava Jato, devolvendo os direitos políticos ao petista e mudando completamente o xadrez da eleição presidencial de 2022.

Desde então, Lula acumulou vitórias nos tribunais, sendo a mais significativa a ocorrida logo depois, com o julgamento da corte que declarou que o ex-juiz Moro foi parcial ao conduzir procedimentos em Curitiba.

Outro marco simbólico para o petista ocorreu neste ano, quando o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a única ação penal ainda ativa contra o ex-presidente, que tramitava em Brasília, da Operação Zelotes.

Com o arquivamento de acusações e a declaração de prescrição de casos, hoje é improvável que Lula volte a ser condenado criminalmente na Lava Jato e operações relacionadas.

Pré-candidato ao Governo de SP pelo PT, Fernando Haddad afirmou que essa decisão da ONU é inédita e deve ser valorizada pelos democratas.

"Precisamos desarmar um pouco os espíritos em relação a partidarismos e colocar aquilo que é justo em primeiro lugar. O que é justo não pode ser objeto de disputa política partidária", afirmou o ex-prefeito após participar de conversa com estudantes e professores na USP nesta quinta (28).

Haddad ainda criticou o ex-juiz Sergio Moro e afirmou que essa decisão deve servir de exemplo. "É uma coisa muito importante que deveria servir de exemplo para nós profissionais do poder de estado usar a sua condição de plataforma política para os seus objetivos pessoais como foi o caso do Moro."

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