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Plano de Tarcísio de mudar sede do Governo de SP é simbólico, mas pode reforçar conflitos

Especialistas avaliam que ideia tem potencial de ajudar centro, mas seria ineficaz no caso de conceito policialesco

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São Paulo

Mudar a sede do Governo de São Paulo para o centro da capital paulista pode ter efeito simbólico na reorganização da região, mas poderia até agravar os conflitos naquela área se o plano não for acompanhado de políticas públicas em diferentes frentes e de uma mentalidade menos policialesca.

Essa é a avaliação de especialistas consultados pela Folha sobre a proposta cogitada pelo pré-candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos) de trazer a base do Executivo paulista para perto da cracolândia.

A atual sede do governo, o Palácio dos Bandeirantes, fica no bairro do Morumbi, na zona oeste da cidade, a cerca de 15 km do centro da cidade de São Paulo.

A ideia do candidato do presidente Jair Bolsonaro (PL) foi criticada por seus principais rivais na disputa —Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB) e Rodrigo Garcia (PSDB).

O ex-ministro da Infraestrutura anunciou recentemente que, se eleito, avalia tirar a sede do governo do Palácio dos Bandeirantes.

"É uma possibilidade concreta, porque beneficia o centro todo se o centro do poder estiver lá", disse ele na semana passada. "A cracolândia só vai acabar no dia em que as pessoas estiverem circulando no centro", completou.

De acordo com a equipe do pré-candidato bolsonarista, porém, o projeto ainda é incipiente e está sendo desenhado pela coordenação do projeto de governo, encabeçada pelo economista Guilherme Afif Domingos.

O Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo de SP
O Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo de SP - Divulgação

Ainda não há detalhes de um local onde a nova sede poderia ficar. Naquele mesmo evento, Tarcísio chegou a citar a praça Princesa Isabel, na qual "caberia perfeitamente um centro administrativo de São Paulo".

Para adversários dele nas eleições deste ano, a ideia é ineficaz e mostra desconhecimento de Tarcísio, nascido no Rio de Janeiro, sobre questões paulistas.

"O centro precisa de uma ação sistêmica", avalia o professor Valter Caldana, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie.

"Começa tendo que derrubar o Minhocão, tirar os terminais de ônibus [de terrenos grandes, para darem lugar a outros equipamentos públicos], passa por ter que fazer muita habitação com diversidade socioeconômica de gênero, de cor, de raça e faixa etária. Recuperar a pedestrianização [priorizar pedestres]", segue.

"E pode passar, sim, pela transferência da sede do poder estadual para o centro. Por que não? Principalmente essa sede simbólica que é a residência do governador."

Para Caldana, "a ideia é boa, só que obviamente, sozinha, não é solução".

O pesquisador Renato Cymbalista, professor associado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, segue raciocínio semelhante.

"Dependendo da maneira como é feito, pode até revitalizar o centro. Mas acho que é importante para revitalizar o governo, estando o poder público acessível", avalia.

"É, sim, um elemento de aproximação com a cidade. Tem uma coisa simbólica de o poder estar no centro e não em um bairro de elite, num jardim enorme, cercado por grades", afirma.

"Há uns 20 anos o governo tem feito esse movimento de trazer esses escritórios pro centro. Considero bem sucedido", diz Cymbalista, referindo-se ao fato de a região central paulistana já abrigar sedes de diversas secretarias municipais e estaduais, além da própria sede da Prefeitura de São Paulo.

"Eu gosto de pensar, atravessando o viaduto do Chá, que ele [prefeito] governa de lá, e não de algum lugar mais de elite." Mas ele pondera que só a mudança para o centro "não garante a democratização" do acesso ao espaço público.

"Pelo contrário. Se ele [centro do governo paulista] for instalado lá como uma medida de saneamento, de segurança, para aumentar o controle daquelas pessoas que já são controladas de alguma forma, isso é ruim", diz.

"[O projeto] não pode ser pensado como uma alternativa de tirar a cracolândia. Se ele [pré-candidato] pensa assim, pensa com perversidade."

Na avaliação do pesquisador, há dois problemas separados. "Juntar vai dar errado. Um movimento é levar o governo pro centro, que é legal, tem boas possibilidades. Outro movimento é resolver o problema da cracolândia. Juntar os dois como solução para o mesmo problema é péssimo", afirma.

O presidente do departamento paulista do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), Fernando Tulio, também tem receio do recrudescimento de ações policiais e de monitoramento na região caso o governador passe a morar e a despachar do centro paulistano.

"Um prédio poderia aprofundar os conflitos, porque, no fundo, ele levaria a um conjunto de políticas governamentais que vão na contramão da pacificação", diz.

"Pode ser mais lenha na fogueira do caos que São Paulo vive. Fazer uma discussão só da localização é uma discussão rasa, algo de quem não conhece o desafio central da cidade. A gente tem que discutir a política urbana, políticas socioeconômicas", afirma.

"A campanha do Tarcísio aponta na contramão dessas políticas integradas de cuidado, da reinserção das pessoas na sociedade. Vai na linha da coerção", aponta Tulio —Tarcísio é crítico do uso de câmeras por policiais e tem repetido em eventos que "quer monitorar bandido" e que está "preocupado com a letalidade do bandido, não do policial".

"Um estado presente lá no centro que reitera essa política do descuido vai tornar a cidade mais conflituosa. A presença de um governo do estado que vá na linha da promoção da violência e da ausência das politicas de inserção não vai cuidar do câncer e vai alastar ainda mais. O lugar da administração do governo do estado independe nesse caso", avalia.

"Levar a sede [do Governo de SP para o centro] só vai acabar com a cracolândia se encher de policiamento. A solução não é isso", diz o arquiteto Marcelo Mota, fundador da empresa de urbanismo IDTerritorial.

"O centro é muito pouco explorado. Isso aconteceu durante muito tempo, pelos muitos anos de abandono", aponta Mota. "O pensamento do empresário não consegue valorizar o centro da cidade. As grandes empresas não estão lá. Então com certeza tem alguma coisa errada."

A urbanista Camila Maleronka, pesquisadora do Lincoln Institute of Land Policy e consultora para o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), diz que a renovação urbana pelo uso de equipamentos institucionais é uma ideia antiga.

"O uso dos escritórios da administração pública como uma estratégia de ocupação do centro foi um movimento em São Paulo aproximadamente da década de 1990", diz. "Foi bom, não é uma furada", segue ela. "Mas a gente já virou um pouco essa página", afirma.

"O governo já está no centro", reforça Camila. "Então é uma proposta no mínimo desinformada. A gente pode discutir sobre a economicidade, a legitimidade de se manter o Palácio dos Bandeirantes no Morumbi. Tem discussão aí."

Para ela, a solução para o centro é a formulação de um projeto integrador que atualmente passa mais pelas políticas sociais do que pelo urbanismo. "Tem muita gente morando lá. Então o que falta? É política social."

O governo paulista já teve a sua sede no centro da capital paulista, quando ocupou o Palácio dos Campos Elíseos, em 1912, segundo o Condephaat (órgão de defesa do patrimônio histórico de SP).

O imóvel foi tombado em 1979 e deve abrigar ainda neste ano o Museu das Favelas, coordenado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo. De acordo com o próprio governo, porém, "o imóvel tem capacidade para abrigar apenas 10% da atual estrutura do Palácio dos Bandeirantes".

Segundo a Secretaria de Comunicação do Governo de SP, outros imóveis pertencentes ao estado no centro de São Paulo já estão ocupados.

"Ao redor do Palácio Campos Elíseos, há outros imóveis de pequeno porte, todos tombados e ocupados. Um deles por Batalhão de Polícia Militar e outros pela Secretaria de Desenvolvimento Social. Ainda no centro, o Governo de São Paulo conta com os prédios do Complexo Cidade, composto por três edifícios, todos ocupados por secretarias e empresas estaduais, além de imóveis que abrigam o Tribunal de Justiça e a sede Secretaria de Justiça e Cidadania."

Outros três prédios estão destinados à alienação: na praça da Sé, na rua Boa Vista e na praça Antônio Prado.

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