Descrição de chapéu
Eleições 2022

Debate mostra que agenda feminina ainda é vista como política de papo furado

Candidatos à esquerda e à direita desconhecem conceitos básicos do debate de gênero

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Candidatos à direita e à esquerda demonstraram no debate deste domingo (28) a imaturidade sobre a agenda feminina na política brasileira.

Apesar da busca pelo voto de mulheres, os candidatos à Presidência mostraram desconhecer conceitos básicos como misoginia e política de paridade de gênero e trataram as 109 milhões de brasileiras como um nicho a ser conquistado, não como o maior grupo populacional do Brasil.

Candidatos à Presidência que participaram do debate neste domingo - Bruno Santos/Folhapress

A questão feminina ganhou centralidade graças ao ataque misógino do presidente Jair Bolsonaro (PL) à jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura. Misógino porque ofende com elementos de gênero: "Acho que você dorme pensando em mim" e "tem uma paixão por mim" são ofensas que dialogam com o fato de a jornalista ser mulher.

É esse caráter sexualizador que diferencia essas ofensas de outros ataques de Bolsonaro, como nos momentos em que chamou Lula de "ex-presidiário", o que, concorde-se ou não, pode ser considerado do jogo político.

Os outros dois principais candidatos homens, Ciro Gomes (PDT) e Lula (PT), não registraram o caráter misógino da ofensa de Bolsonaro. O primeiro usou o destempero do presidente como exemplo de polarização, sem se solidarizar com a jornalista, e o segundo ignorou completamente o que tinha acabado de acontecer.

Foram as duas mulheres, Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (UB), que condenaram imediatamente Bolsonaro. Os homens, certamente orientados pelas campanhas, passaram a fazê-lo nos blocos seguintes.

Bolsonaro, que tem nas mulheres o principal gargalo de rejeição, dirigiu a Ciro uma pergunta sobre a agenda feminina. A ideia era usá-la como escada para listar o que seriam as conquistas do seu governo. As redes sociais chiaram, mas pelo motivo errado. A principal reclamação era o fato de o presidente ter dirigido a pergunta a outro candidato homem.

Na política tudo é intenção, e a de Bolsonaro não era ampliar o debate feminista, mas evitar mais um confronto direto com as candidatas.

No entanto, ter dois homens discutindo políticas de gênero em um debate de rede nacional é exatamente o que devemos almejar. As políticas públicas de interesse feminino não podem ser debatidas apenas entre mulheres, como se fosse problema só delas.

O erro na pergunta está no que Bolsonaro afirma. Nenhum dos projetos sancionados durante o governo é de autoria do Executivo.

Segundo checagem do UOL, o presidente também vetou seis propostas que se referiam especificamente a esse grupo demográfico, incluindo a distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade. O governo Bolsonaro também é responsável por sucessivos cortes de orçamento em programas de combate à violência contra a mulher.

Ciro, que, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, chamou políticas para mulheres, negros e índios de "política do papo furado", disse que falta a Bolsonaro "delicadeza" para tratar de questões femininas. E não listou nem uma proposta sequer de seu plano de governo que seja direcionada especificamente às mulheres.

O ex-presidente Lula, ao ser questionado sobre a composição de seu eventual ministério, saiu-se com uma falácia bastante comum. A de que não olha para gênero e de que escolheria pessoas por sua competência. Um argumento muito utilizado por… Bolsonaro.

Acontece que as dinâmicas de gênero não acontecem isoladas da sociedade. Estudos mostram que o que falta às mulheres não é capacidade, mas poder.

O discurso da igualdade de gênero na política como mérito individual não existe num país de 83 milhões de eleitoras em que há 15% de deputadas e 19% de senadoras e onde nunca uma mulher foi presidente das Casas Legislativas do país.

Lula citou exemplos como o do México, reconhecido pela paridade de gênero na política, e disse que é "perfeitamente possível ter maioria" de mulheres. Mas a igualdade mexicana não caiu do céu. Ela é fruto de anos de articulação dentro do Congresso, unindo a bancada feminina a aliados homens, o que permitiu a aprovação de leis que estabelecem essa paridade.

Tebet, cuja campanha tem como mote central a chapa 100% feminina, trouxe no discurso elementos que desagradaram parte das mulheres.

A menção ao "coração de mãe" leva uma noção antiquada e sexista do posicionamento da mulher na sociedade. Infelizmente, parte do eleitorado ainda é atraída para candidaturas femininas justamente por esse "sexismo benevolente", o que faz com que seja difícil para as políticas abandonarem esse tipo de discurso.

Para fechar com chave de ouro o desconhecimento total sobre a agenda feminina, o candidato do Novo, Luiz Felipe d'Avila, chamou a lei Maria da Penha, uma das melhores do mundo no combate à violência doméstica, de "Lei Maria da Paz".

O saldo do debate mostra que, no Brasil, as mulheres interessam enquanto fatia do eleitorado —depois de eleitos os representantes, ainda são parte do "papo furado".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.