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TSE restringe transparência sobre bens de candidatos

Medida usa como base a LGPD e também oculta dados das eleições passadas; associações falam em 'grave retrocesso'

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Brasília

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) restringiu a divulgação de informações sobre os bens dos candidatos, o que vai evitar que eleitores e a sociedade em geral saibam, por exemplo, o nome das empresas pertencentes a quem está disputando os cargos de presidente da República, governador, senador ou deputado.

A medida, que tem como base a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e também ocultou os dados relativos às eleições anteriores, é apontada por especialistas como um grave retrocesso na transparência eleitoral.

A divulgação dos bens dos candidatos tem, entre outros objetivos, o de permitir aos eleitores acompanhar e eventualmente identificar evoluções patrimoniais suspeitas ou conflitos de interesse.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Edson Fachin - Antonio Augusto/Divulgação TSE

Com a restrição, por exemplo, o eleitor será informado que um dos candidatos à Presidência da República, o coach motivacional Pablo Marçal (Pros), tem "outras participações societárias" no valor de R$ 13,7 milhões, mas não saberá qual empresa é essa, em qual ramo atua, nem em que cidade fica.

Pablo foi um dos primeiros presidenciáveis a registrar seu pedido de candidatura.

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (PL) também já registrou sua candidatura a deputado federal pelo Rio de Janeiro e declarou uma empresa no valor de R$ 297,5 mil. Mas só consta a rubrica "outras participações societárias". Não há nome, endereço ou qualquer outro detalhe —por exemplo, se a empresa tem relação com a área de saúde.

A Folha encaminhou perguntas ao TSE na tarde desta segunda-feira (1°), mas ainda não obteve resposta.

Os dados de pedido de registro de candidaturas são divulgados a qualquer cidadão no site Divulgacand, da Justiça Eleitoral. Os partidos têm até esta sexta-feira (5) para realizar convenções e oficializar seus candidatos. A campanha começa oficialmente no dia 16.

"Consideramos tratar-se de um grave retrocesso na transparência das candidaturas e do processo eleitoral —que, se já seria crítico em um contexto de normalidade, é inadmissível na conjuntura atual, quando pode servir de argumento a questionamentos da lisura das eleições no país", diz manifesto conjunto divulgado nesta terça (2) por associações, entre outras, de transparência e fiscalização partidária, como o Transparência Brasil e o Transparência Partidária.

As associações afirmam que participaram de audiência pública no TSE em junho, ocasião em que manifestaram a importância da divulgação completa dos dados de declarações de bens, para "possibilitar o controle social sobre a evolução patrimonial de candidatos(as) recorrentes e de pessoas que mantêm relações com a administração pública, ainda que não eleitas".

O texto é direcionado aos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, respectivamente presidente e vice do TSE.

"Solicitamos a Vossas Excelências a retomada imediata da divulgação completa das informações de declaração de bens dos(as) candidatos(as), em consonância com o direito constitucional de acesso a informações públicas e com a tradição do Tribunal Superior Eleitoral enquanto órgão aberto e transparente", afirma o texto.

Em 2018, a Folha mostrou que mesmo antes da LGPD o TSE já havia se movimentado no sentido de restringir as informações dos bens dos candidatos. Na época, porém, o tribunal afirmou que voltaria atrás e retomaria a divulgação das informações detalhadas.

A LGPD entrou em vigor em 2020, após ter sido aprovada em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB). Pela lei, regras passam a ser impostas aos setores público e privado na coleta, manejo e tratamento de dados dos cidadãos.

"Seria muito importante que os candidatos dessem transparência sobre seu patrimônio, ainda que mantivessem preservados certos dados relacionados à sua intimidade (endereço, placa de veículos, etc...), especialmente aqueles dados que revelem suas práticas de negócios", diz o advogado eleitoral Ricardo Penteado.

"Eu acho importante saber, por exemplo, que um determinado candidato que defende a saúde seja titular de ações de uma indústria de cigarros, por exemplo. Ou aquele que gere recursos públicos tenha ações de uma concessionária pública. O candidato, no meu sentir, não tem a mesma proteção que o cidadão comum, ressalvado, é claro, sua intimidade e a proteção à família."

O TSE chegou a discutir com partidos e pessoas interessadas as mudanças nas regras em decorrência da LGPD. Na resolução do tribunal que disciplina o registro de candidatura há a dispensa de "inclusão de endereços de imóveis, placas de veículos ou qualquer outro dado pormenorizado".

De acordo com as associações de transparência, porém, a ocultação do campo "descrição do bem" no Divulgacand não foi anunciada formalmente nessas discussões e se torna "um prejuízo ainda mais injustificado ao interesse público".

O manifesto endereçado ao presidente e vice do TSE é assinado por 27 entidades e pessoas. Entre elas, estão também a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e a ONG Artigo 19.

Até o final da tarde desta terça, apenas dois presidenciáveis haviam feito pedido de registro de suas candidaturas. Marçal, que declarou patrimônio de R$ 16,9 milhões, incluindo a empresa de R$ 13,7 milhões, e Sofia Manzano (PCB), com bens declarados no valor de R$ 498 mil.

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