TSE proíbe Bolsonaro de fazer live eleitoral na residência oficial da Presidência

Decisão do corregedor-Geral da Justiça Eleitoral vale para o Palácio da Alvorada e também para o Palácio do Planalto

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Brasília

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, determinou que o presidente Jair Bolsonaro (PL) deixe de gravar e transmitir lives de cunho eleitoral no Palácio da Alvorada, sua residência oficial, e no Palácio do Planalto, sede do governo federal.

Isso vale, segundo a decisão, para discursos destinados a promover a sua candidatura ou de terceiros, utilizando-se de bens e serviços públicos "a que somente tem acesso em função de seu cargo de presidente da República".

Na prática, o TSE veta que Bolsonaro faça lives eleitorais de sua própria casa, o Alvorada.

O presidente Jair Bolsonaro neste sábado em Campinas (SP)
O presidente Jair Bolsonaro neste sábado em Campinas (SP) - Miguel Schincariol/AFP

Questionado pela Folha, o advogado que atua na campanha de Bolsonaro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto disse que a "liminar contraria letra expressa da lei eleitoral".

Ele citou um artigo que trata das condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais: "Ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União".

O texto é complementado por um parágrafo que afirma que tal vedação "não se aplica ao uso, em campanha, de transporte oficial pelo presidente da República", nem ao uso em campanha "de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público".

"Precisa dizer mais alguma coisa? A liminar contraria letra expressa da lei eleitoral", disse. "Querem o que? O Palácio da Alvorada é a casa do presidente. Querem que ele vá para uma lan house? Para o parque da cidade?", acrescentou Carvalho Neto, que é ex-ministro do TSE.

A medida do TSE também inclui serviços de tradução de libras custeados com recursos públicos, exemplificado pela decisão, sob pena de multa de R$ 20 mil por ato.

O ministro também intima Bolsonaro para que cesse, em 24 horas, a veiculação de matérias desse tipo que se encontrem em suas páginas de propaganda declaradas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sob pena de multa de R$ 10 mil por peça ou postagem mantida ou veiculada após o prazo.

As redes sociais Youtube, Instagram e Facebook também foram intimadas a remover postagens feitas nesta linha, "devendo diligenciar pela preservação do conteúdo até decisão final do processo", sob pena de multa de R$ 10 mil.

"As intimações acima referidas deverão ser efetivadas pelo meio mais célere, utilizando-se, no caso dos investigados, o número de WhatsApp e email cadastrados no registro de candidatura", ressalta o ministro.

A decisão foi tomada a partir de um pedido do PDT, partido do adversário de Bolsonaro Ciro Gomes, que ensejou a abertura de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra o presidente.

O partido citou uma live transmitida por Bolsonaro excepcionalmente na quarta-feira (geralmente ele fazia apenas às quintas-feiras), em que o presidente diz que, aproximando-se a "reta final" da disputa, e havendo "muita coisa em jogo", tentará realizar as transmissões todos os dias.

Também afirma que dedicará "pelo menos metade" do tempo para promover candidaturas de deputados federais e senadores, com o objetivo de repetir o sucesso de 2018 e formar uma grande bancada.

Para Gonçalves, não há dúvidas do teor eleitoral das mensagens, que foram divulgadas em redes sociais da campanha.

"Quanto ao local em que feita a gravação, há indícios, a partir das imagens captadas, que foram utilizadas as conhecidas dependências da biblioteca do Palácio da Alvorada. Também se constata que a intérprete de libras é a mesma que participou de diversas outras lives realizadas ao longo do mandato do atual presidente", disse.

O ministro também citou uma jurisprudência do TSE que orienta que, em prestígio à igualdade de condições entre as candidaturas, a captura de imagens de bens públicos para serem utilizadas na propaganda deve se ater aos espaços que sejam acessíveis a todas as pessoas.

Nesse sentido, a norma veda que os agentes públicos se beneficiem da prerrogativa de adentrar outros locais em razão do cargo e lá realizar gravações.

"Os indícios até aqui reunidos indicam que, no caso, tanto o imóvel destinado à residência oficial do presidente da República quanto os serviços de tradução para libras custeados com recursos públicos, foram destinados à produção de material de campanha. Trata-se, ademais, de recursos inacessíveis a qualquer dos demais competidores, e que foram explorados pelo primeiro investigado", afirma Gonçalves.

O ministro escreve que não descarta a possibilidade de que novos elementos, eventualmente apresentados por Bolsonaro, alterem sua decisão.

Por isso, ele diz ser importante que se franqueie à defesa do presidente a possibilidade de produção de prova de que os bens e serviços utilizados na gravação não eram públicos.

"Não se trata aqui de impor 'prova diabólica' de fato negativo, mas sim de permitir que o candidato, responsável pelo material de propaganda, demonstre a regularidade das circunstâncias em que foi produzido, afastando a percepção, ora verossímil, de que se tratava das dependências do Palácio da Alvorada e da intérprete que acompanha o presidente", disse.

O coordenador-geral Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Luiz Fernando Casagrande Pereira, avalia, no entanto, que a transmissão das lives do presidente tem evidente caráter de ato público.

"A lei diz expressamente: 'Desde que não tenham caráter de ato público'. Você não pode dizer que essa live não tem caráter de ato público. Ninguém está vedando o presidente de fazer encontros ou reuniões de campanha com aliados políticos. Nada é mais 'ato público' do que uma live transmitida para milhões de pessoas. Ele violou essa vedação final da lei."

"Ele anunciou que faria uma live por dia na próxima semana, dada a proximidade das eleições. Ou seja, ele deixou claro o caráter eleitoral. Não tem problema o caráter eleitoral em uma campanha, desde que não seja na residência oficial. E, além de tudo, tem a questão do tradutor de libras, pago com dinheiro público."

O advogado eleitoral Alberto Rollo também apontou que existe jurisprudência no TSE para permitir o uso da residência oficial pelo presidente da República para determinados atos de campanha durante as eleições e lembrou que ele tem o direito de concorrer à reeleição sem deixar o cargo —assim como governadores e prefeitos.

Por outro lado, Rollo explicou que o presidente não pode usar dinheiro público para fazer campanha. Por isso, é preciso esclarecer se há envolvimento de funcionários públicos na produção e transmissão das lives.

"A defesa pode apresentar o recibo das despesas eleitorais. [Informar se] tem uma equipe de produção de vídeo própria, identificar os equipamentos e explicar se o intérprete de libras presta serviços para a campanha."

Aliados do presidente criticaram a decisão do ministro Benedito Gonçalves.

O ex-chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) e hoje coordenador de comunicação da campanha do presidente, Fábio Wajngarten, afirmou pelas redes sociais que esse "é o maior absurdo jurídico" e ironizou a proibição.

"Proibir o presidente Jair Bolsonaro de fazer lives da sua própria casa é o maior absurdo jurídico que já testemunhei em toda a minha vida. Vou propor para fazermos as lives da calçada da rua. Venceremos mesmo assim", escreveu no Twitter.

"Ele mora no Alvorada. O presidente precisaria ser um sem teto para fazer uma live? Penso que talvez seja o caso de o TSE rever isso. [O Alvorada] é a residência dele, é onde ele mora. Isso tira a paridade de armas porque todos os outros candidatos podem fazer uma live em casa, nas suas residências", disse o vice-líder do governo na Câmara e candidato à reeleição José Medeiros (PL-MT).

Já o ex-secretário especial de cultura do governo Bolsonaro, Mário Frias, candidato a deputado federal, afirmou pelo Twitter que nunca viu "tamanho absurdo". "Benedito Gonçalves (o ministro que recebeu tapinhas na cara de Lula), atendeu pedido da campanha de Ciro e proibiu Bolsonaro de fazer transmissões ao vivo no Palácio da Alvorada."

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