Bolsonaristas radicalizam discurso sobre fraude e pedem ação de militares

Em grupos, apoiadores sugerem que resultado com Bolsonaro atrás de Lula só pode ser fruto de irregularidade

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São Paulo

Durante a apuração de votos do primeiro turno da eleição presidencial no domingo (2), bolsonaristas radicalizaram o discurso de que houve fraude no pleito e que as Forças Armadas precisam agir.

Em grupos de WhatsApp e Telegram, o fato de Jair Bolsonaro (PL) ter recebido mais votos do que apontavam pesquisas de intenção em dias anteriores não despertou surpresa, como em outros círculos.

Para os integrantes, o fato de o presidente ter ficado cinco pontos atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seria uma comprovação de irregularidades na contagem, pois eles tinham certeza de que o chefe do Executivo estaria na liderança.

O cenário foi detectado pelo Observador Folha/Quaest, que monitora 465 grupos de Telegram e 1.346 de WhatsApp.

Cartaz no chão que pede que Bolsonaro acione as Forças Armadas
Cartaz de teor golpista em ato bolsonarista no feriado 7 de Setembro na Avenida Paulista - Karime Xavier - 7.set.22/Folhapress

Das 17h do domingo até 13h desta segunda-feira (3), palavras como "fraude" e "fraudadas" apareceram 9.321 vezes em grupos bolsonaristas no Telegram e 6.232 no WhatsApp. O horário de maior destaque no Telegram foi entre 20h e 22h, período que respondeu por quase um terço das menções. O assunto segue quente nesta segunda.

Já os termos "militares", "FFAA", "Forças Armadas" e "Exército" tiveram juntos 4.428 menções no Telegram e 2.350 no WhatsApp.

Como a Folha mostrou no domingo, os bolsonaristas dizem, sem qualquer evidência, que as pausas de apuração no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foram usadas para recalibrar, de forma fraudulenta, os votos para Lula.

"A cada 12% de apuração, se Lula sobe 1%, JB desce 0,5%", diz a mensagem mais viral em grupos de Telegram, que continua: "isto acontecendo, e se confirmando, é sinal de algoritmo e fraude eleitoral. As Forças Armadas deverão estar de olho neste acontecimento".

Essa mensagem específica apareceu no mínimo 200 vezes em grupos de Telegram e foi amplamente difundida no WhatsApp, das 22h de domingo até 13h desta segunda-feira (3).

"Comparem com o resultado oficial. Estamos diante da maior manipulação da história", "Urgente: Bolsonaro elege quase todo mundo menos ele? [...] ele, que elegeu tanta gente, não conseguiu se eleger no primeiro turno?" e "A prova de que há fraude é que não se vê, praticamente, nenhuma comemoração, exceto de alguns gatos pingados" são exemplos de mensagens virais no levantamento do Observador Folha/Quaest.

Em um dos grupos monitorados, cerca de cem participantes se reuniram em um chat de áudio no domingo à noite para conversar sobre o pleito. O apelo às Forças Armadas deu o tom central do debate. Uma das presentes disse que eleitores do Nordeste precisariam contestar o resultado oficial para que os votos que deram a Bolsonaro fossem validados, já que a tese é de que não teriam sido computados.

Outro defendeu que era preciso ter união e patriotismo porque as próximas semanas poderiam até gerar uma crise financeira, já que era preciso parar o país a partir de uma missão de Garantia da Lei e da Ordem expressa por Bolsonaro.

Segundo monitoramento da Palver, empresa que monitora mais de 15 mil grupos, das 10 mensagens políticas que mais viralizaram, 9 eram referentes a supostas fraudes eleitorais.

A maioria se referia diretamente, com imagens, à votação de domingo à noite. O levantamento indica que bolsonaristas vão manter, ou intensificar, a narrativa falsa sobre fraude eleitoral.

Entre os conteúdos mais compartilhados, estão vídeos em que eleitores mostram urnas que supostamente estavam "roubando", já que o nome de Bolsonaro não teria aparecido nas opções. Em outras duas, alguém teria votado ilegalmente no lugar do eleitor. Além disso, há vídeo de supostas urnas chegando de táxi em uma escola, onde já havia pessoas que iriam manipular o aparelho.

A narrativa de fraudes não é corroborada por observadores internacionais. O chefe da missão da Uniore (União Interamericana de Organismos Eleitorais), Lorenzo Córdova, por exemplo, classificou nesta segunda-feira (3) a urna eletrônica brasileira como uma "fortaleza da democracia".

Outra mensagem que viralizou se refere ao fato de muitos senadores e deputados bolsonaristas terem sido eleitos, fato apontado como contraditório com o segundo lugar de Bolsonaro.

Diferentes teorias conspiratórias têm sido mobilizadas desde domingo. Algumas reprisam narrativas da eleição de 2014, como a de que as variações nos percentuais de cada candidato ao longo da apuração são indicativo de fraude. A exemplo de 2018, circularam diversos vídeos de pessoas que relatam problema na hora de votar, com urnas supostamente autocompletáveis que dariam o número 13.

Há semanas, Bolsonaro faz declarações de que seria eleito no primeiro turno. Ele chegou a afirmar que só não teria 60% dos votos se ocorresse algo "anormal" no TSE. Em entrevista à imprensa após a definição do primeiro turno, no entanto, adotou um tom de aceitação, embora tenha dito que aguarda um parecer das Forças Armadas sobre a votação.

"Sempre tem a possibilidade de algo anormal acontecer num sistema totalmente informatizado", disse, sem mencionar fraude diretamente.

Enquanto o presidente mostra um tom menos beligerante em frente às câmeras, sua base de influenciadores mais ativa faz o contrário. Segunda deputada federal mais votada em São Paulo, com quase 1 milhão de votos, Carla Zambelli (PL) fez uma live no domingo endossando comentários de perfis que citavam fraude durante a transmissão ao vivo no YouTube. O vídeo teve 240 mil visualizações em 15 horas; no Facebook, teve 620 mil.

"É, muita gente falando em fraude né? Sabe o que que eu acho estranho? Que eu estava em primeiro e, de repente, os votos pararam de ser computados ali. Quando voltou, estávamos 80 mil votos atrás do Boulos. Não faz sentido nenhum isso. E aí o Bolsonaro nesse momento… o Bolsonaro também deu uma virada", disse.

Com expressão desapontamento, também afirmou: "É uma sensação estranha, uma sensação de que tem alguma coisa errada. E realmente dá essa sensação mesmo. Tá na cara".

Outra figura do campo bolsonarista que dá força para a teoria conspiratória é o comentarista da Jovem Pan Rodrigo Constantino. Ainda no domingo à noite ele postou um gráfico que apontaria a variação dos resultados parciais de Lula e Bolsonaro ao longo da apuração com a legenda "Nada suspeito…", junto com um emoji de palhaço.

Com mais de 6 mil compartilhamentos em pouco mais de 16 horas, o comentário não tinha qualquer rótulo relativo a ataque à integridade do sistema eleitoral por parte do Twitter. Muitos dos quase 400 retuítes com comentários ecoavam narrativa de fraude ou golpismo.

No início da tarde de segunda, ele subiu o tom: "Eu acho BEM possível ter tido fraude, e esse é O assunto para o longo prazo. Mas, nos próximos 28 dias, a ÚNICA META tem que ser conquistar tanto voto para Bolsonaro que nem algoritmo estranho dê conta!". O post também não teve qualquer marcação do Twitter.

Além de espalhar acusações de fraude, bolsonaristas também voltaram a artilharia às pesquisas de intenção de voto, que mostravam em dias anteriores ao pleito o presidente com um patamar de votos menor do que o registrado no domingo.

Em rede social, o deputado Eduardo Bolsonaro afirmou querer coletar assinaturas para uma possível CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o tema.

A história iniciou na noite de domingo, quando influenciadores passaram a levantar a hashtag #CPIDasPesquisas. Endossaram a ideia Rodrigo Constantino, Bárbara "Te Atualizei", militante com 1,7 milhão de seguidores no YouTube, Bernardo P Küster, Ana Paula Henkel, da Jovem Pan, Roberto Motta e Adrilles Jorge.

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