Descrição de chapéu Eleições 2022

Cruzada de Bolsonaro contra urna eletrônica reacendeu após derrota de Trump

Presidente apoia voto impresso desde 2015, mas insistência começou dois dias após eleição nos EUA

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Brasília

O caminho até as eleições de 2022 foi marcado pelo esforço do presidente Jair Bolsonaro (PL), 67, e de aliados em desacreditar as urnas eletrônicas e lançar desconfiança sobre o resultado eleitoral.

A ofensiva, no entanto, encontrou resistência de autoridades do Legislativo e do Judiciário, além da comunidade internacional e lideranças políticas.

As primeiras investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas ocorreram antes de ele chegar à Presidência. Em 2015, por exemplo, então deputado federal, ele conseguiu aprovar no Congresso Nacional uma emenda sobre o tema na minirreforma política.

Bolsonaro apresentou uma proposta que previa a emissão de recibos impressos dos votos nas urnas eletrônicas. O objetivo, segundo o texto, era permitir a recontagem a pedido de qualquer partido que questionasse o resultado das eleições.

Jair Bolsonaro de terno escuro, camisa branca e gravata listrada
O presidente Jair Bolsonaro, que reforçou ataques às urnas com a derrota de Donald Trump - Gabriela Biló/Folhapress

Em junho de 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a emenda do voto impresso por oito votos a dois. O primeiro a votar foi o ministro Alexandre de Moraes, que deu razão à PGR (Procuradoria-Geral da República) e apontou risco de quebra do sigilo de voto.

A decisão do Supremo foi usada por Bolsonaro para criar uma percepção de insegurança na votação quatro meses depois, no primeiro turno da eleição.

Espalhando vídeos falsos que diziam que votos eram completados automaticamente para favorecer Fernando Haddad (PT), o então candidato do PSL fez ataques às urnas e defendeu um discurso mentiroso de que teria vencido a eleição no primeiro turno.

No governo, as ameaças golpistas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas oscilaram ao longo do tempo.

Sem alarde, a deputada bolsonarista Bia Kicis (PL-DF) apresentou em 2019 uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que determinava a impressão de um comprovante do voto registrado na urna.

Bolsonaro, no entanto, só começou a defender essa PEC em 5 de novembro de 2020. O movimento coincide com o fim da eleição presidencial dos Estados Unidos —dois dias após a fala de Bolsonaro, Joe Biden seria anunciado vencedor do pleito, derrotando Donald Trump.

"A gente espera, no ano que vem, mergulhar na Câmara e no Senado, para que a gente possa realmente ter um sistema eleitoral confiável em 2022", disse Bolsonaro em sua live semanal.

Nas semanas seguintes, ele endureceu o discurso e fez as primeiras insinuações golpistas sobre as atuais eleições.

"Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos", disse, em 7 de janeiro de 2021, em referência à invasão do Capitólio, que havia ocorrido no dia anterior nos Estados Unidos.

A cruzada contra o sistema eleitoral ganhou corpo quando a base de apoio ao governo na Câmara se articulou com o Palácio do Planalto para votar a proposta.

O deputado Filipe Barros (PL-PR) apresentou em junho de 2021 um relatório favorável à aprovação do voto impresso. Em agosto, a proposta foi rejeitada por 23 votos a 11 na comissão especial que analisava a PEC.

Mesmo com o revés, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fechou um acordo com Bolsonaro e levou a PEC para votação em plenário. A contrapartida, segundo relatos, era o presidente da República aceitar a votação da Casa e, se derrotado, não retomar o assunto.

No dia da votação, em 10 de agosto, Bolsonaro promoveu um desfile de veículos militares da Marinha, como blindados e caminhões, na Esplanada dos Ministérios. O ato foi interpretado como uma tentativa de demonstração de força do presidente no momento em que estava acuado, sem apoio para aprovar o voto impresso.

No mesmo dia, à noite, a Câmara rejeitou a proposta. Foram 229 votos a favor da matéria contra 218. Mas eram necessários ao menos 308 votos para a PEC avançar no Congresso.

A coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, afirma que a politização em torno do voto impresso impediu que o debate sobre o assunto tivesse a sobriedade necessária.

"A gente precisa buscar uma alternativa de fazer um debate racional [sobre o sistema eleitoral]. Se o Congresso quer debater o assunto, ele tem legitimidade, é um assunto público. Mas é preciso ter seriedade, não politizar, fazer disso uma bandeira política", afirmou Santano.

A escalada golpista contra o sistema eleitoral teve ao menos dois ápices. Em 18 de julho de 2021, Bolsonaro fez uma live nas redes sociais para apresentar o que chamava de provas de fraudes nas eleições de 2018.

No lugar da comprovação, divulgou uma profusão de mentiras e teorias que circulam há anos na internet.

O segundo ápice ocorreu quando Bolsonaro reuniu dezenas de embaixadores no Palácio da Alvorada um ano depois para repetir as teorias e desacreditar o sistema eleitoral.

A reação dos embaixadores foi diferente da esperada por Bolsonaro. A Embaixada dos EUA, por exemplo, divulgou nota reafirmando que as eleições brasileiras são um modelo para o mundo e que os americanos confiam na força das instituições do Brasil.

Para tentar evitar novos embates, Barroso incluiu as Forças Armadas na CTE (Comissão de Transparência Eleitoral) e na lista de entidades fiscalizadoras da eleição.

Mesmo com sugestões dos militares sendo acatadas pelo TSE, Bolsonaro seguiu colocando sob suspeita o processo eleitoral brasileiro.

Para o professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo) e articulista da Folha Conrado Hübner Mendes, o debate sobre as urnas eletrônicas foi tomado por uma "avalanche populista-autoritária" com o objetivo de tirar a legitimidade do sistema de votação.

Para ele, é preciso encontrar "remédios de contenção" contra práticas populistas, que colocam em dúvida os processos de escolha das lideranças.

"A urna é um alvo, um dos principais, mas não é só isso. O Brasil precisa construir uma nova esfera pública, desradicalizar um público que está preso numa onda de populismo. E isso não acontece da noite para o dia", completou.

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