"Essa será a mais digital das eleições" é uma profecia que se repete e se concretiza a cada dois anos no Brasil. A digitalização das eleições vai muito além do uso de urnas eletrônicas. Diz respeito à forma pela qual campanhas são feitas, como os candidatos se apresentam nas redes e as maneiras pelas quais o eleitor recebe informações e forma sua convicção.
Cada pleito conta uma história diferente sobre o avanço da digitalização. Em 2016, nos EUA, dados pessoais foram usados para customizar o que o eleitor enxerga nas redes, reforçando visões de mundo e criando bolhas informacionais. No Brasil, em 2018, aplicativos de mensagem instantânea aceleraram a velocidade com que a desinformação chegou ao eleitor.
Em 2022, o combate à desinformação mostrou que veio para ficar. A campanha de Bolsonaro conseguiu, ao longo dos anos, transformar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em um espantalho na visão de seus apoiadores. Assim, os esforços para reduzir a desinformação e garantir a integridade das eleições foram constantemente interpretados como censura e manobras mil.
Depois de um primeiro turno relativamente calmo nas redes, o segundo turno foi outra história. Acusações de satanismo, canibalismo, pedofilia e associação com o tráfico deram o tom das publicações. O TSE agiu por meio de uma resolução que determinou a remoção de conteúdos em um par de horas.
Ainda é cedo para medir o impacto da medida. Ninguém acredita que ela vá acabar com a desinformação, mas procurar conter mais rapidamente as narrativas prevalecentes e os principais ataques. Mas o tempo da sua edição, já na reta final das eleições, deu combustível para os críticos do tribunal.
Um teste final sobre a resolução está engatilhado para a noite deste domingo (30). Tudo indica que o resultado da eleição presidencial será apertado, criando o cenário propício para a contestação e a mobilização de apoiadores a partir das redes. Caso publicações online criem um ambiente para atos de violência, será preciso que o TSE e as redes sociais atuem rapidamente.
Como se os desafios já não fossem suficientes, a dois dias do segundo turno foi anunciada a conclusão da compra do Twitter pelo bilionário Elon Musk, que já defendeu que a rede social permitisse até publicações ultrajantes, demitiu importantes lideranças da empresa, incluindo a responsável pela decisão de banir o ex-presidente Donald Trump da plataforma.
O ecossistema da desinformação está em constante mudança. As eleições de 2022 foram marcadas pela ascensão de redes sociais de vídeos curtos, nas quais surgiram alguns dos conteúdos mais virais e que rapidamente migraram para os aplicativos de mensagem.
No começo do ano, foi necessária uma ameaça de bloqueio para que o Telegram começasse a responder às comunicações das autoridades brasileiras. O aplicativo se tornou um ponto focal de mobilização para apoiadores do presidente dado o histórico da empresa de não cumprir ordens das autoridades nacionais e adotar moderação mínima de conteúdo.
O combate à desinformação não se faz apenas com medidas jurídicas e ferramentas tecnológicas. É preciso compreender que existem razões econômicas (desinformação é um negócio) e sociais que impulsionam o fenômeno. Uma parte cada vez maior do eleitorado se informa pelas redes e pelos apps de mensagem. Para muitas pessoas, o WhatsApp faz as vezes de jornal.
É nesse contexto que a digitalização vem transformando as eleições. A direita (e em especial a extrema direita) soube pular nesse barco desde a largada. Neste ano, a esquerda começou a entrar na dança, produzindo montagens, memes e narrativas que mobilizaram as redes.
Não deixa de ser simbólico que o corregedor-geral da Justiça Eleitoral tenha determinado o monitoramento diário das contas de Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e André Janones (Avante-MG) por "publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral".
Quanto mais digital são as eleições, mais necessário será compreender que as transformações da tecnologia mudam a forma pela qual partidos, candidatos e eleitores se manifestam nas redes.
Não se pode combater a desinformação com as ferramentas do passado. Toda eleição será a mais digital das eleições, mas sempre de uma maneira diferente.
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