Plano de governo de Lula não libera aborto e drogas, diferentemente do divulgado em redes sociais

Posts mentem ao mostrar imagem de panfleto que lista supostas propostas do petista

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São Paulo

É falso o conteúdo que circula em vídeo e fotos com uma suposta lista de propostas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para o país. O panfleto apresenta uma relação do que seriam projetos da chapa do petista e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), com a marca que identifica a campanha do eleito.

A peça de desinformação já foi desmentida pelo Boatos.org e o portal Metrópoles mostrou que um deputado do Distrito Federal, do mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro (PL), compartilhou o conteúdo falso.

A lista traz temas sensíveis que foram bastante explorados na campanha presidencial, como liberação do aborto e das drogas e perseguição a religiões cristãs, e que já foram refutados em outras verificações do Comprova e reportagens na imprensa.

Fotografia colorida mostra o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é um homem branco, com cabelo e barba brancos veste uma camisa azul escura. Discursa segurando um microfone com a mão esquerda.
Lula, presidente eleito, não propôs liberar aborto e drogas em plano de governo - Carla Carniel - 30.out.2022/Reuters

Como verificado pelo Projeto Comprova, no início do mês, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), inclusive, determinou a retirada de posts da internet que afirmavam que Lula persegue igrejas e religiosos. O órgão também determinou, no último dia 20, a suspensão de propaganda nas plataformas digitais, de apoiadores de Bolsonaro, que associavam Lula a drogas, assassinato e aborto.

O plano oficial da chapa Lula-Alckmin está registrado na Justiça Eleitoral e pode ser consultado por qualquer cidadão no site que divulga as candidaturas. Alguns dos temas mencionados no panfleto falso, como o aborto, nem aparecem no programa de eventual governo do petista.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 29 de outubro, o conteúdo Instagram possuía 7.750 curtidas e 519 comentários. No Kwai teve 596 visualizações, 20 curtidas e 10 compartilhamentos. Não é possível medir a viralização no WhatsApp.

O que diz o responsável pela publicação

O Comprova entrou em contato com o autor do post por meio do número da assessoria disponibilizado no perfil do Instagram e pela caixa de mensagem da rede social, porém não obteve resposta.

Como verificamos

A reportagem fez pesquisas no Google com palavras-chave, associando o nome Lula a cada um dos temas relacionados no panfleto. A consulta retornou reportagens e verificações sobre a mesma peça aqui investigada e outros conteúdos com assuntos iguais.

A equipe consultou, ainda, o plano de governo da chapa Lula-Alckmin, registrado no site do TSE. Além disso, fez contato com a assessoria do PT para se manifestar sobre o caso e procurou o autor das publicações falsas.

Panfletos

O panfleto que teria sido encontrado em Castanhal, no Pará, é uma nova versão de material que foi divulgado ainda no primeiro turno e também classificado como falso. No início desta semana, o UOL Confere desmentiu conteúdo semelhante.

Ainda nesta semana, material de campanha irregular foi apreendido em um comitê de Bolsonaro em Minas Gerais e também continha acusações falsas contra Lula.

Na publicação agora investigada, o Boatos.org e o Metrópoles desmentiram a lista apresentada como projeto de governo de Lula. No folheto é possível conferir uma foto não utilizada na campanha do candidato e a estrela de materiais antigos do partido. Também não há registro de gráfica, CNPJ da federação ou tiragem no papel, conforme mostrou o portal Metrópoles.

Aborto

As propostas de governo de Lula podem ser consultadas no site da Justiça Eleitoral, e também já foram descritas em algumas reportagens, como estas do G1 (1 e 2).

Ao consultar o plano, não há qualquer menção ao tema aborto. Contudo, questionado sobre o assunto e em debates durante a campanha, Lula se posicionou contra a prática.

O programa também não menciona educação inclusiva LGBTQIA+, como sugerido na peça falsa. O narrador do conteúdo investigado alega que a inclusão ensinaria as crianças, na escola, a serem homossexuais, o que é mentira. A proposta prevê, no item 41 do tópico "Desenvolvimento social e garantia de direitos", ações para prevenção à violência contra essa parcela da população e, ainda, garantias de direitos à saúde e à educação.

Não há também, no projeto do petista, qualquer referência à liberação sexual. Na campanha eleitoral de 2018, houve outras versões sobre a temática, como as mamadeiras eróticas e o kit gay, desmentidas em verificações do Comprova.

Nova política sobre drogas

A proposta de Lula na área de drogas é a instituição de uma nova política para tratar do tema. No documento registrado no TSE, consta que o plano é implementar uma estratégia intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário, além de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas. O Comprova já explicou o que é a política de redução de danos, que havia sido atacada pela ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos).

O UOL Confere demonstrou que é falso que o programa de Lula trate sobre liberação das drogas, enquanto o Aos Fatos apontou que vídeo engana ao afirmar que resoluções relacionadas ao tema, retiradas de encontro do PT em 2021, estão no plano de governo. Reportagem da BBC mostra ainda que a lei sancionada por Lula, quando era presidente, fez aumentar o número de prisões por tráfico de drogas no Brasil.

Lula também já anunciou a sua intenção de criar o Ministério da Segurança que, entre outras atribuições, deverá conter o tráfico de armas e drogas nas fronteiras, segundo consta na página oficial do candidato.

Pequenos delitos

O candidato Lula já criticou a política armamentista do seu adversário, Jair Bolsonaro, entretanto, não há menção sobre "armas" e "desarmamento" em seu plano de governo. Durante o debate da Rede Globo, em 28 de outubro, o ex-presidente se posicionou contra a "facilitação de armas" e disse que seu governo vai "distribuir livros" em vez de "coisas que matam".

O candidato prometeu criar o Ministério da Segurança Pública para trabalhar em conjunto com os governos estaduais. Durante uma reunião com membros da sociedade civil intitulada de "Brasil do Futuro", Lula declarou que "apologia da arma não leva ninguém a lugar algum". Vigente desde 2003, o ex-presidente já disse que quer retomar o Estatuto do Desarmamento no Brasil, flexibilizado pelo governo de Bolsonaro.

Também não há nenhuma menção sobre a "descriminalização de pequenos delitos" no plano de governo Lula-Alckmin. Veículos de checagem já desmentiram informações sobre Lula ter defendido a liberação de pequenos furtos ou apoiar roubo de celular para "sobrevivência". No documento registrado no TSE, a chapa prevê a "construção de política que combatam e revertam a política de genocídio à juventude negra, com o superencaceramento".

Regulamentação da mídia

No documento registrado na Justiça Eleitoral, a proposta da gestão Lula-Alckmin é dar instrumentos para a Justiça atuar em parceria com plataformas digitais, a fim de garantir "a neutralidade da rede, pluralidade, proteção de dados e coibir a propagação de mentiras e mensagens antidemocráticas ou de ódio nas redes sociais".

Lula, por sua vez, já transitou entre declarações sobre a necessidade de um "novo marco regulatório", contra o que chamou de "espoliação de meia dúzia de famílias que mandam na comunicação brasileira", à "garantia do melhor direito de resposta" nas redes.

Em entrevista ao Ratinho, Lula defendeu que a regulação da mídia eletrônica e na internet cabe ao Congresso e à sociedade, "não ao presidente da República". O site do candidato argumenta que a regulamentação da mídia tem a intenção de democratizar a comunicação social no país.

Liberdade religiosa

No plano de governo Lula-Alckmin, o item 99 sinaliza que a proposta da gestão é "defender os direitos civis, garantias e liberdades individuais, entre os quais o respeito à liberdade religiosa e de culto e o combate à intolerância religiosa".

Em uma carta divulgada aos cristãos evangélicos, Lula reafirma que nunca fechou e nem fechará igrejas, defende o livre exercício da religião sem interferência do Estado e diz que o seu governo jamais vai usar a religião para fins partidários. Em agosto, a colunista Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, já havia mencionado que o presidenciável iria divulgar um panfleto para assegurar que vai "cuidar da criação de Deus".

Ainda em outubro, o TSE concedeu uma liminar para a remoção, em 24 horas, de publicações feitas por apoiadores de Bolsonaro com informações falsas sobre perseguição de cristãos e fechamento de igrejas, caso Lula seja eleito.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre eleições presidenciais, políticas públicas do governo federal e pandemia. A equipe tem como foco as publicações virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e podem confundir a população. No contexto das eleições no Brasil, muitos conteúdos de desinformação envolvendo o presidente Bolsonaro e o presidente eleito Lula estão circulando, prejudicando a escolha do eleitor, que deve ser feita com base em informações verdadeiras. Dessa forma, o eleitor deve ter a atenção redobrada em relação a conteúdos suspeitos que possam influenciar na hora de seu voto. O Comprova trabalha nesse sentido, para trazer informação de qualidade acerca de conteúdos caluniosos sobre os candidatos.

A apuração desse conteúdo foi feita por A Gazeta e Estadão e publicada em 29 de outubro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Plural Curitiba, Correio Braziliense, imirante.com, piauí, Jornal do Commercio, O Popular, CBN Cuiabá, Correio e Metrópoles.

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