Pós-eleição com atos antidemocráticos tensiona acordos entre redes sociais e Justiça Eleitoral

Movimentos promovidos na internet mostram que big techs precisam refletir sobre moderação de conteúdos

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São Paulo

O período pós-eleição exigiu da Justiça e das redes sociais uma atuação tão intensa quanto a que tiveram durante a própria disputa. A enxurrada de conteúdos antidemocráticos fez o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) derrubar diversos grupos de conversa e bloquear perfis de políticos e influenciadores.

O balanço entre especialistas é que a operação do tribunal tem servido para corrigir omissões nos acordos de cooperação com as empresas, insuficientes para lidar com a onda de manifestações a favor de um golpe de Estado no Brasil. A expectativa é a de que a atuação da corte permaneça firme até 31 de dezembro.

O volume de mensagens de caráter golpista começou a crescer na internet assim que a derrota de Jair Bolsonaro (PL) se desenhou na apuração de votos. Nos dias seguintes, quando estradas foram bloqueadas, o TSE derrubou 70 grupos do WhatsApp que pediam intervenção militar.

Protesto de bolsonaristas pede intervenção na frente do Quartel do Comando Militar do Sudeste, no Ibirapuera
Protesto de bolsonaristas pede intervenção em frente ao Quartel do Comando Militar do Sudeste, no Ibirapuera - Mathilde Missioneiro/Folhapress

O WhatsApp passou a identificar grupos semelhantes e a avaliar o banimento de forma proativa. No Telegram, a corte eleitoral determinou a retirada de dezenas de grupos, que se somaram a cinco já excluídos antes da eleição, que reuniam quase 600 mil pessoas. Sozinha, a empresa não moderou conteúdo.

Parte das comunidades se recriou sob novos nomes, vocabulário e imagens de perfis, mas a avaliação do TSE é que as medidas estão conseguindo gerar o efeito de dispersão, válido para momentos de crise.

Um relatório da Palver, empresa de tecnologia que prestou o serviço de monitoramento ao tribunal, indica que houve redução na quantidade de mensagens relacionadas à intervenção militar no WhatsApp após a atuação do TSE.

"O TSE preencheu as lacunas das próprias políticas das empresas, que ficam no limbo quando o assunto é desinformação eleitoral. Conteúdo golpista, pedido de intervenção militar e do uso do artigo 142 são difíceis de ser enquadrados como violações das diretrizes", afirma Tatiana Dourado, pesquisadora associada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Diante do caos, o Facebook e o Instagram fizeram nova interpretação de suas políticas e passaram a remover postagens com pedidos de intervenção militar no Brasil. Segundo técnicos do tribunal, a medida reduziu consideravelmente a incidência de publicações dessa natureza.

O YouTube, cuja política é explícita contra conteúdos que aleguem fraude, tem derrubado lives com informações falsas do dossiê sobre suposta fraude na eleição brasileira, apresentado primeiro pelo argentino Fernando Cerimedo, um consultor que tem apoiado as manifestações.

Permanecem no ar, entretanto, vídeos com centenas de milhares de acessos transmitindo protestos que pedem intervenção militar. Alguns solicitam transferência via Pix para financiar os atos.

Para Dourado, conteúdos antidemocráticos que não são explicitamente violentos (o que levaria as empresas a derrubá-los) seguem disponíveis porque geram alto engajamento nas plataformas e porque não há consenso ou jurisprudência das redes sobre atuação com pedidos de intervenção militar.

"A depender da forma em que a intervenção militar aparece, ela não viola políticas das empresas, que prezam, sobretudo, pela liberdade de expressão", diz.

João Brant, coordenador do projeto Desinformante, do Instituto Cultura e Democracia, afirma que se mostrou necessário diferenciar uma crítica legítima ao sistema eleitoral de uma instrumentalização do debate para fins antidemocráticos. Na sua avaliação, o TSE "atuou de forma a proteger a vontade do eleitor".

"Os acordos com as plataformas se mostraram insuficientes para dar conta do problema, e as empresas se beneficiaram nesse último período porque o TSE trouxe para si o problema", diz. Ele considera que o MPE (Ministério Público Eleitoral), as redes sociais e o Congresso, que não atualizou a tempo as regras eleitorais, foram pouco incisivos no combate à desinformação.

Durante o segundo turno, o TSE criou uma resolução para impor multa de R$ 100 mil por hora para as redes sociais que não removessem conteúdos em até duas horas e passou a agir de ofício (por iniciativa própria) para ordenar banimentos, ampliando demandas às plataformas digitais.

A norma pegou empresas de surpresa e foi encarada por algumas pessoas como excesso de responsabilidade sobre conteúdo político ao setor privado. Brant discorda: "Não podemos esquecer que o que faz uma desinformação engajar positivamente são as regras das plataformas".

Além de suspender grupos, vários perfis de políticos e influenciadores foram banidos, parte no dia anterior ao segundo turno e parte na última semana, entre eles os de Carla Zambelli (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO). A medida insuflou o discurso contra suposta censura por parte do tribunal.

"Se a gente for adotar no futuro esse tipo de medida no médio e longo prazo, os padrões de transparência precisam ser revistos, é preciso outra base para a Justiça atuar nesse sentido", diz Natália Leal, diretora-executiva da agência de checagem Lupa.

A sua leitura é que o cenário extremo, como o bloqueio de estradas baseado em uma suposta fraude eleitoral, justificou medidas extremas, mas que é necessário reavaliar ações de desinformação, incluindo os acordos de cooperação daqui para a frente.

"Bloquear um perfil de Twitter pode impactar em 1%, 0,1% na circulação de uma informação, e bloquear para sempre fere o direito de liberdade de expressão. Precisamos rediscutir a moderação nesses universos, ainda mais com uma tendência de diminuição daqui para a frente", diz Leal, referindo-se à gestão de Elon Musk no Twitter e ao momento financeiro da Meta.

Um dos caminhos, ela indica, pode ser a revisão de políticas sobre conteúdos verificados como falsos e que, mesmo assim, permanecem nas plataformas. Durante a campanha, uma série de posts inverídicos, analisados pelas agências de checagem parceiras, permaneceram online por decisão empresarial.

"O que acontece é que o conteúdo falso gera engajamento, e todo o modelo econômico gira em torno de engajamento. Políticas são elaboradas visando o lucro", afirma.

O TSE não divulga quantas ordens de retirada emitiu às redes sociais, e as empresas não possuem relatórios de transparência específicos sobre a eleição, então não é possível quantificar, por ora, a efetividade da ação contra a desinformação.

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