Lula chora, fala em Deus e exalta defesa de democracia ao ser diplomado

Presidente eleito recebe diploma do TSE, elogia firmeza do Judiciário e promete garantir a normalidade institucional

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Brasília

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi diplomado nesta segunda-feira (12) pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com um discurso de exaltação à democracia, elogios à firmeza do Judiciário na defesa do processo eleitoral e a promessa de garantir a normalidade institucional depois do fim do governo Jair Bolsonaro (PL).

Chorando, Lula dedicou ao povo brasileiro o diploma de presidente eleito. Citou Deus e disse que fará todos os esforços para cumprir o compromisso de "fazer o Brasil um país mais desenvolvido e mais justo".

"Quero pedir desculpas a vocês pela emoção, porque quem passou o que eu passei nos meus últimos anos, estar aqui agora é a certeza de que Deus existe. Sei o quanto custou, não apenas a mim, mas ao povo brasileiro essa espera para reconquistarmos a democracia nesse país", disse Lula, antes de começar o ler o discurso previamente preparado para a ocasião.

O petista chegou a ficar 580 dias preso antes de ter suas condenações da Lava Jato anuladas. Ele e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), receberam nesta segunda os diplomas —assinados pelo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes— confirmando que estão aptos a tomar posse em 1º de janeiro de 2023.

Em seu discurso, Lula repetiu a palavra "democracia" 22 vezes —sem contar outras referências semelhantes, como "instituições democráticas" e "Estado democrático".

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Lula chora em solenidade de diplomação de Lula no TSE - Pedro Ladeira/Folhapress

A cerimônia no TSE reforça a vitória eleitoral de Lula em meio a atos antidemocráticos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, derrotado na tentativa de reeleição.

Lula já anunciou os primeiros nomes de seu futuro ministério, como o de Fernando Haddad para comandar o Ministério da Fazenda, e vai terminar de definir a composição do primeiro escalão nos próximos dias.

Em seu discurso, Lula disse que "poucas vezes na história recente deste país a democracia esteve tão ameaçada". Afirmou ainda que a vontade popular foi colocada à prova e precisou vencer "obstáculos para ser ouvida".

O presidente diplomado disse que é preciso "tirar uma lição" dos últimos anos. "Para nunca mais esquecermos, para que nunca mais aconteça".

Ele afirmou que não abre mão da defesa da liberdade de expressão. "Mas defenderemos até o fim o livre acesso à informação de qualidade, sem mentiras e manipulações que levam ao ódio e à violência política."

Lula também disse que a eleição marcou a disputa de um projeto de reconstrução do país contra o de destruição, "ancorado no poder econômico e na indústria de mentiras e calúnias jamais vista ao longo de nossa história". "Os inimigos da democracia lançaram dúvidas sobre as urnas eletrônicas, cuja confiabilidade é reconhecida em todo o mundo."

Sem citar Bolsonaro, o petista declarou que seus adversários ameaçaram instituições e criaram obstáculos para impedir que eleitores chegassem aos locais de votação. "Tentaram comprar o voto dos eleitores, com falsas promessas e dinheiro farto, desviado do orçamento público."

Em outro trecho, disse que o debate político foi envenenado com mentiras produzidas no "submundo" das redes sociais. "Eles semearam a mentira e o ódio, e o país colheu uma violência política que só se viu nas páginas mais tristes da nossa história."

A diplomação do presidente tradicionalmente era um ato mais simbólico, mas em 2022 ganhou maior relevância após Bolsonaro e seu partido, o PL, promoverem contestações com argumentos frágeis contra o resultado eleitoral e insuflarem manifestações antidemocráticas em rodovias e em frente a quartéis.

Ao encerrar o discurso, Lula disse que tem o compromisso de garantir a normalidade institucional e lutar contra as injustiças.

"É com o compromisso de construir um verdadeiro Estado democrático, garantir a normalidade institucional e lutar contra todas as formas de injustiça, que recebo pela terceira vez este diploma de presidente eleito do Brasil, em nome da liberdade, da dignidade e da felicidade do povo brasileiro."

O presidente diplomado elogiou a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE nas eleições e citou "firmeza na defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral".

A cerimônia de diplomação foi acompanhada por autoridades dos Três Poderes, chefes de delegações estrangeiras e convidados de Lula e Alckmin.

No começo da cerimônia, parte do público recebeu o presidente com coro de "bom dia, presidente Lula". A mesma fala era feita no acampamento montado por apoiadores do petista durante a prisão dele em Curitiba.

Entre os ministros do STF, apenas Kassio Nunes e André Mendonça, ambos indicados à corte por Bolsonaro, e Luiz Fux não estiveram na diplomação.

Fux informou que estava no Rio no momento da diplomação e participou, mais tarde, de posse da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Mendonça alegou que estava trabalhando no gabinete, e Kassio não explicou a razão da ausência na cerimônia do TSE.

Cotada a ministra de Lula e tida como um apoio estratégico no segundo turno da eleição, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) não esteve na diplomação. O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB-MA), faltou ao evento por compromissos familiares.

Por segurança, os convidados passaram por três detectores de metais antes de entrar no plenário principal do TSE, o local da diplomação.

Eles receberam um QR Code com indicação de quais lugares poderiam ocupar dentro da sala. As cadeiras principais foram usadas por ex-presidentes, ministros do STF e do TSE, além de representantes das embaixadas estrangeiras.

A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), bastante aplaudida na cerimônia, e o ex-presidente José Sarney (MDB) ocuparam a primeira fileira.

Mesmo com o código, alguns convidados não conseguiram entrar no plenário e acompanharam a cerimônia em telões instalados em salas secundárias do TSE.

O presidente eleito foi criticado por bolsonaristas, nas redes sociais, por beber água e, consequentemente, deixar de cantar o Hino Nacional durante parte da cerimônia. Lula passou por uma cirurgia para retirada de uma lesão na garganta no mês passado.

Depois da diplomação, Lula foi a uma festa na casa do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, na qual também estiveram Moraes, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, e o corregedor-geral eleitoral, Benedito Gonçalves, além de aliados do petista.

Kakay foi advogado de alguns dos principais alvos da Lava Jato e integra o grupo Prerrogativas. Ele afirmou que Lula o procurou para ser o anfitrião da festa da diplomação, e lembrou que em 2002 a mesma celebração foi feita em um restaurante que o advogado era dono. Desta vez, a futura primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, fez a lista de convidados, segundo ele.

Essa é a terceira diplomação de Lula. Em 2002, ele elogiou o sistema eletrônico de votação e chorou ao receber o diploma, quando disse que havia sido "acusado" de não ter um diploma de curso superior.

Na cerimônia seguinte, em 2006, o petista também chorou e disse: "acabou-se o tempo em que algumas pessoas ousavam dizer que como povo deveria votar".

Com a diplomação de Lula nesta segunda, a margem para contestar o resultado das eleições fica mais estreita.

A partir desse momento, deixam de ser aceitas as Aijes (ação de investigação judicial eleitoral). Nesse tipo de procedimento são apresentados indícios de abuso de poder, e a Justiça Eleitoral pode dar aval para uma investigação.

Por outro lado, ainda há prazo de 15 dias após a diplomação para apresentação de Aimes (ação de impugnação de mandato eletivo), desde que haja "provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude".

As entidades fiscalizadoras das eleições, como partidos e as Forças Armadas, também podem solicitar até 5 de janeiro ao TSE a "verificação extraordinária pós-pleito da integridade e autenticidade dos sistemas eleitorais".

O PL já apresentou uma contestação desse tipo, que foi negada e apontada por Moraes como tentativa de tumultuar a democracia. Na ação, o partido comandado por Valdemar Costa Neto pediu anulação de votos depositados em urnas de modelos anteriores a 2020.

Moraes condenou o PL a pagar multa de quase R$ 23 milhões por litigância de má-fé, afirmando que a ação visava "tumultuar o próprio regime democrático brasileiro".

Nesta segunda, no fim do evento de diplomação, Lula recebeu cumprimentos de algumas autoridades, que haviam recebido um adesivo branco da organização da posse.

Apesar da organização da posse, houve confusão na hora dos cumprimentos. Alguns convidados sem os adesivos que permitiam o acesso à área restrita furaram o bloqueio de seguranças.

Impedidos de entrar, sindicalistas se queixaram. "Trabalhamos pela vitória de Lula e não conseguimos cumprimentá-lo neste momento simbólico", disse o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna.

No discurso desta segunda-feira (12), Lula ainda exaltou a formação de uma frente ampla contra o bolsonarismo.

O petista disse que o governo de transição detectou ações deliberadas do atual governo para o "desmonte das políticas públicas e dos instrumentos de desenvolvimento".

Lula disse que as ameaças à democracia se repetem em outros países. "A democracia enfrenta um imenso desafio ao redor do planeta, talvez maior do que no período da Segunda Guerra Mundial."

Ele disse que o combate aos ataques antidemocráticos exige tecnologias avançadas e legislação internacional mais dura e eficiente.

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