Descrição de chapéu
Eleições 2022 Governo Lula

Lula cria novo centrão para chamar de seu de olho em 2026

Mais colcha de retalhos do que frente ampla, ministério é avanço apesar do domínio do PT

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O ministério que irá assumir com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o governo do Brasil após dois meses de interinidade, dado que a gestão Jair Bolsonaro (PL) acabou quando o presidente abandonou o cargo na prática após perder a eleição, traz sinalizações acerca dos planos do novo inquilino do Planalto.

A mais óbvia: a reeleição continua a ditar os rumos da política brasileira. Sim, Lula já disse que não irá se candidatar de novo em 2026, mas quem compra isso pelo valor de face desconhece a sedução exercida pelos painéis de jacarandá dos gabinetes brasilienses.

Lula entre Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) durante anúncio de ministros
Lula entre Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) durante anúncio de ministros - Evaristo Sá/AFP

Levando por hipótese a palavra lulista como verdadeira, é evidente que ele procura arquitetar o xadrez até lá de forma a manipular ao máximo as peças ao longo da partida.

Ter competindo por vitrine Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB) e Geraldo Alckmin (PSB) mostra o verdadeiro jogo de Lula —sem trocadilho, talvez, com o "Jogo da Lula", nome original da série coreana "Round 6" (Netflix), no qual competidores de um reality macabro vão se matando pelo caminho.

Cabe aqui uma ressalva sobre o papel de cada um. Haddad é o herdeiro presumido de Lula, colocado agora numa prova de fogo após uma série de tropeços. Alckmin, até pela posição de vice, joga parado.

Tebet cresceu ao impor sua candidatura a presidente, mas não passou dos 4%, e ao vocalizar apoio ao petista no segundo turno. Mas enfrenta oposição real não só no PT, mas no seu próprio MDB, sendo assim útil a Lula como anteparo ao apetite dos Renans Calheiros do partido —mas daí a ser o nome "in pectore" do novo presidente para a sucessão vai um longo caminho.

Isso colocado, a manobra mais astuta do petista é a tentativa de criar o novo centrão, um centrão para chamar de seu, por assim dizer. Ao amalgamar as negociações finais com MDB, União Brasil e PSD, Lula mostrou que conta com esses atores de centro-direita para dividir poder até 2026.

Claro, há rusgas que podem deixar cicatrizes futuras. No UB, quem deu as cartas foi o senador Davi Alcolumbre (AP), que indicou até um pedetista para o polpudo Ministério da Integração Nacional. Nem todos na federação que é o partido gostaram.

No PSD de Gilberto Kassab, que pilota um projeto presidencial com a vitória de Tarcísio de Freitas (Republicanos) para o Governo de São Paulo, o espaço amplo foi algo tisnado pela perda do Turismo —Pesca é mais uma dessas jabuticabas típicas da política brasileira.

O mais importante nesse caso será acompanhar a dinâmica da relação entre Brasília e São Paulo, fadada a algum ruído se Tarcísio buscar manter o eleitorado bolsonarista que colocou o ex-ministro da Infraestrutura no Bandeirantes.

Mas acomodações são especialidade do PSD. Nunca é demais lembrar que Kassab foi ministro de Dilma Rousseff (PT), apoiou o impeachment da chefe e agora está no barco lulista.

Com tudo isso, ganha margem de manobra para negociações no Congresso, podendo atrair pontualmente as viúvas moderadas do bolsonarismo, que Tarcísio tentará trazer para seu lado. Ao mesmo tempo, dança sua valsa com Arthur Lira (PP-AL), o chefão da Câmara, para evitar turbulências.

Na memória, claro, Dilma. Bem-sucedida inicialmente, a petista ignorou Eduardo Cunha (MDB) e o Parlamento. Sob fogo de crises, inclusive uma recessão que pode ser debitada no seu voluntarismo apesar de a turma da equipe de Haddad não acreditar, ela se viu sem apoio quando a água começou a subir e acabou impedida.

Se conseguir dar uma largada promissora na economia, que é o que interessa, Lula ficará mais atraente para o centrão clássico (PP, PL, Republicanos e quetais) com o passar do tempo. Restará saber que acordos fará para amarrá-los.

No geral, o novo presidente aplicou uma receita bastante tradicional de divisão de butim, dando as usuais migalhas ideológicas para seus aliados mais ativistas, especialmente maltratados nos anos de Bolsonaro no Planalto.

Não há o proverbial Pelé ou Adib Jatene entronizados por Fernando Henrique Cardoso, exceto para quem acha que Margareth Menezes cumpre o papel —o mais próximo disso é a respeitada Nísia Trindade na Saúde, escolha sensata em tempos de pandemia.

O PT, por óbvio, está no coração do governo —que tem dois intrusos, digamos: Alckmin e Flávio Dino (Justiça), que age como ministro de fato ao longo deste período de transição, coordenando ações com o Judiciário contra a baderna dos golpistas bolsonaristas.

Haverá reclamação pela branquitude do ministério na foto, de resto organizada para destacar mulheres, indígena a caráter e Tebet em vermelho-PT. Do ponto de vista de gênero, é fato que a quantidade delas no palco cresceu bastante —ainda que apenas Marina Silva (Meio Ambiente), por sua história, e Tebet, por sua pretensão, ocupem cadeiras com peso político.

Seja como for, se não está longe de ser uma frente ampla até porque metade do eleitorado não o apoiou, a equipe de Lula traduz o avanço político possível no momento para o petista. Que seja uma colcha com quantidade abusiva de retalhos, para não falar de qualidades pontuais, isso é mais sintoma do que causa.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.