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Eleições 2022 Governo Lula

'Lula day' político retoma nós contra eles e herança maldita

No adequado palco do TSE, ameaças de Bolsonaro à democracia são rejeitadas pelo establishment

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São Paulo

Se o 10 de novembro entrou para a crônica da transição do governo abandonado por Jair Bolsonaro (PL) como o "Lula day" na economia, o presidente eleito do Brasil fez questão de pontuar a versão política de sua carta de apresentação ao establishment com um pacote misto.

Diplomado pela terceira vez presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insistiu na importância da manutenção da democracia no Brasil, que viu ameaçada nos turbulentos anos do atual mandatário. Fez disso o ponto central de seu discurso.

Lula chora no início de seu discurso de diplomação no TSE
Lula chora no início de seu discurso de diplomação no TSE - Pedro Ladeira/Folhapress

Ao mesmo tempo, contudo, Lula puxou um rosário de messianismos que não teriam ficado deslocados caso a pessoa no púlpito fosse Bolsonaro. Começou com um "Deus existe" e pulou diretamente para qualificar a disputa de outubro como um embate entre um "governo de destruição nacional" e outro na via inversa.

Logo falou "o quanto custou a espera" para voltar ao poder, não só para si, mas para os brasileiros que "reconquistaram a democracia". Tudo muito bonito para os 50,9% dos eleitores que digitaram 13 em 30 de outubro, mas o problema começa com os 49,1% que preferiram o 22 de Bolsonaro.

Ao alienar a metade do Brasil que não o escolheu, algo acerca de que foi discretamente admoestado no discurso posterior do ministro Alexandre de Moraes, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral visto como inimigo número 1 do bolsonarismo, Lula retoma um tema caro de sua trajetória política.

É o velho "nós contra eles", e o petista até citou integrantes do proverbial outro lado: detentores do poder econômico. Faltou falar nas "elites", aspas obrigatórias, para voltarmos a 2006. Em um momento no qual seus assessores espalham a preocupação com permanência dos protestos golpistas nas portas de quartéis, não custava insistir que a democracia é para todos, inclusive aqueles que resistem a ela.

O déjà vu não parou por aí. Lula ressuscitou também a herança maldita, termo cunhado em 2003 para definir o que seriam problemas deixados para trás pelos anos Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).

Que óbices existiam, é evidente, mas hoje é um consenso mesmo no PT que a tábua de salvação de Lula naquele início de mandato foi justamente manter e a acelerar a política econômica tão espezinhada do tucanato. Mas política é política, e Lula a faz alternando sangue nos olhos com mirada compassiva.

Nesta tarde de segunda (12), escolheu falar em "legado perverso" já escrutinado por sua equipe de transição. Zero dúvidas acerca disso, vide a perigosa gambiarra fiscal na forma da PEC da Transição, mas a questão é que o termo servirá para justificar quaisquer falhas de largada do novo governo.

Elas por ora estão se formando de forma algo óbvia, mas é impossível saber hoje o que acontecerá. O fato é que há itens positivos no cenário econômico, como a composição de preços de energia, que estão sendo deixados de lado em nome da ideia de que tudo em que a equipe de Bolsonaro tocou é tóxico.

Tanto melhor para Lula se tudo der certo, claro. O cenário externo é de extrema inconstância, com temor de recessão acompanhando lado a lado o cavalo de pau na política de Covid zero chinesa, que poderá abrir uma avenida para as commodities brasileiras.

Mas o que importa é o discurso, e segundo ele apenas petistas e seus aliados detêm o monopólio das virtudes democráticas —é forçoso reconhecer que com um Bolsonaro como adversário, a ideia é facilmente palatável.

Como comunicar isso sem ofender a metade cindida do país, contudo, é outra história. Em seu favor, não há um mercado para reagir a isso como no "Lula day" da Faria Lima ou com as incertezas da equipe econômica, e o humor político ainda lhe é amplamente favorável.

O petista até falou de frente ampla, mas o tom geral, reforçado na fala de Moraes, foi o de um basta ao bolsonarismo e sua energia antidemocrática, alimentada por fake news que de resto não são exclusividade de ninguém.

Ao fim, o presidente eleito usou até um "nunca mais", de nobre história na memória do Holocausto, para sacramentar a ideia. O problema real é combinar com o eleitorado de 2024 em frente.

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