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TCU aposta em perfil colaborativo com Lula após embates com Bolsonaro

Aproximação é conduzida por Bruno Dantas, que fez acenos a petista durante posse no cargo de presidente do tribunal

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Brasília

O TCU (Tribunal de Contas da União) planeja para o próximo ano uma gestão colaborativa com o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), numa aproximação costurada pelo presidente da corte, ministro Bruno Dantas.

Dantas é visto como um ministro político com fortes laços com o Congresso Nacional. Ele trabalha ainda para aumentar a influência política da corte de contas e nutre a ambição de ser indicado para o STF (Supremo Tribunal Federal).

A perspectiva de um relacionamento sem sobressaltos com o Planalto ocorre após anos de atuação crítica do TCU em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

Cerimônia de posse do ministro Bruno Dantas na presidência do TCU - Divulgação-14.dez.22/TCU

Na posse como presidente do TCU, neste mês, Dantas fez acenos a Lula em seu discurso e disparou críticas veladas contra Bolsonaro.

Afirmou que nos últimos anos o país vivenciou "verdadeiro retrocesso civilizatório", em que a fome e a pobreza, "que gradativamente se afastavam de nós, voltaram a atormentar o país em níveis elevados".

Dantas lembrou que, na data de sua posse, celebrava-se o Dia Nacional de Combate à Pobreza, instituído por uma lei sancionada por Lula em 2005.

Os elogios de Dantas a Lula foram lidos como mais um sinal de que o ministro tenta se viabilizar para uma das duas vagas que o petista poderá indicar no STF neste mandato (2023-2026).

Lula foi à cerimônia de posse de Dantas. Bolsonaro faltou.

Em outro afago ao novo governo, Dantas elogiou publicamente nesta terça-feira (27) a escolha de Simone Tebet (MDB) para o Ministério do Planejamento de Lula.

"Simone Tebet no Ministério [do] Planejamento é o nome certo, no lugar certo, na hora certa. Ela poderá contar com o TCU para estruturar um programa robusto de avaliação periódica de políticas públicas, em busca de eficiência. Temos defendido isso há anos", disse Dantas nas redes sociais.

Dantas esteve na festa pela diplomação de Lula, organizada na casa do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, em Brasília. O evento teve entre os convidados auxiliares do petista e os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.

Antes de ser efetivado na presidência do TCU, Dantas comandou a corte interinamente entre julho e dezembro. Foi assim o responsável por conduzir algumas ações do órgão até então inéditas e outras que foram alvo de críticas.

A corte se aliou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido por Moraes, para fazer frente aos questionamentos infundados às urnas eletrônicas feitos por Bolsonaro. Em ação inédita, instalou uma auditoria nos boletins de urna para rebater o discurso golpista de bolsonaristas contra a efetividade e segurança do sistema de votação.

Em 2022, o TCU condenou o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-coordenador da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol por gastos considerados indevidos com diárias e passagens. Dantas foi o relator dos processos, e a condenação foi criticada por contrariar parecer técnico dos auditores.

Ele abriu ainda um processo para ajudar no acompanhamento da transição do governo eleito. E recebeu críticas de auxiliares de Bolsonaro, incluindo o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil).

Ciro questionou a possibilidade de edição de um crédito extraordinário, por meio de medida provisória, para manter o Auxílio Brasil em R$ 600, uma das alternativas estudadas pela equipe de Lula para viabilizar a promessa de campanha. Integrantes do TCU opinaram que a manobra era juridicamente possível.

Em mensagem, Ciro ironizou a corte de contas, a qual, segundo ele, não pode tornar o "Poder Legislativo um órgão acessório" do tribunal, "pois feriria a Constituição". Cabe ao TCU auxiliar e prestar informações ao Congresso em temas que dizem respeito à execução orçamentária.

Ao analisar o perfil do TCU sob o comando de Dantas, a advogada Maria Augusta Rost, especialista em direito público, chama a atenção para outra mensagem dada pelo ministro em seu discurso de posse: a de que o TCU não é "mero órgão contábil", mas "guardião da essência dos valores republicanos".

"Se o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição Federal de 1988 e o Tribunal de Contas da União acautela os seus valores, estaria o presidente Bruno Dantas elevando a posição da Corte de Contas a um quarto poder? Habilidade institucional não falta. Porém somente o reconhecimento desse papel pelos outros Chefes de Poder é que poderá chancelar tal visão", avalia.

Em pareceres que desagradaram ao governo Bolsonaro, o TCU deliberou pela suspensão de veiculação de publicidade oficial em sites que propagam fake news e determinou a revisão das regras de governança pública sobre o financiamento de mídias digitais.

O órgão também entrou em conflito com a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) de Bolsonaro, quando a secretaria passou por cima de uma investigação do tribunal e fechou contrato de R$ 450 milhões em uma licitação que estava sob apuração por suspeita de favorecimento à empresa vencedora.

Além disso, a corte interrompeu uma licitação do Ministério da Justiça e Segurança Pública para a compra de coturnos cujo valor previsto era de R$ 38 milhões. A decisão foi tomada porque, segundo o TCU, o certame não prezou pela busca dos menores preços, com ofensas ao princípio de economicidade e ao interesse público.

Além do mais, uma auditoria no programa Auxílio Brasil constatou possível pagamento indevido a 3,5 milhões de famílias, o que poderia gerar prejuízo de mais de R$ 2 bilhões a cada mês.

A secretária-geral de Controle Externo do tribunal, Ana Paula Silva Pereira, disse à Folha que existiram momentos de tensionamento como ocorre em qualquer governo, "quando o TCU aponta problemas e riscos que dificultaram medidas que o governo quer adotar".

"Em outros momentos o TCU atuou de forma colaborativa e contribuiu para dar segurança jurídica a ações governamentais importantes para a sociedade, antecipando riscos nas soluções que estavam sendo pensadas pelo governo", disse.

Para a próxima gestão, o tribunal quer instituir uma ferramenta que vai detectar possíveis irregularidades antes da conclusão de processos licitatórios ou obras do governo.

A intenção é que a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos só se pronuncie quando provocada e evite condenações futuras a gestores.

Os auditores teriam acesso a documentos já no momento da formulação de projetos para ter condições de apontar condutas que não estariam em acordo com a jurisprudência do TCU.

O modelo, no entanto, é visto por servidores como uma possível interferência do tribunal em ações do governo, uma espécie de "cogestão" da corte. A presidência do TCU nega que isso vá acontecer.

"O objetivo é que a atuação do TCU contribua para uma administração pública com foco em eficiência, transparência e integridade, incentivando a participação cidadã e a adoção de soluções consensuais", afirmou a secretária-geral.

Pela Constituição, o TCU é um braço do Parlamento, um órgão de controle externo do governo federal que auxilia o Congresso na missão de acompanhar a execução orçamentária e financeira do país e contribuir com o aperfeiçoamento da administração pública.

É responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país.

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