Decreto golpista previa comissão revisora das eleições e quebra de sigilo de ministros do TSE

Minuta de documento para Bolsonaro tentar mudar eleições foi encontrado em casa do ex-ministro Anderson Torres

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Brasília e Manaus

O decreto golpista encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres previa, além da instituição do estado de defesa, a criação de uma comissão controlada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) responsável por fazer a "apuração da conformidade e legalidade do processo eleitoral" vencido pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Também estabelecia as quebras dos "sigilos de correspondência e de comunicação telemática e telefônica" dos membros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A medida de exceção valeria para todo o período do processo eleitoral até a diplomação de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que ocorreu em 12 de dezembro.

De acordo com especialistas, o decreto é inconstitucional porque representaria uma interferência indevida do Executivo na Justiça Eleitoral.

Bolsonaro e o então ministro Anderson Torres no Palácio da Alvorada - Evaristo Sa-5.out.22/AFP

De acordo com o texto seria decretado um "Estado de Defesa" na sede do TSE, incluindo todas as dependências onte houve "tramitação de documento, petições e decisões acerca do processo eleitoral presidencial de 2022, bem como o tratamento de dados telemáticos específicos de registro, contabilização e apurações dos votos coletados por urnas eletrônicas em todas as zonas e seções disponibilizadas em território nacional e no exterior".

A Comissão de Regularidade Eleitoral seria o órgão responsável por elaborar um relatório final e apontar supostas irregularidades nas eleições.

O colegiado seria composto por oito integrantes do Ministério da Defesa (que indicaria a presidência), dois membros do Ministério Público Federal, dois peritos criminais federais, dois representantes do Congresso Nacional (um da Câmara e outro do Senado), um membro do Tribunal de Contas da União e um da Controladoria-Geral da União.

A minuta prevê ainda convite a integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil, da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos para participar do processo de análise, a partir da apresentação do relatório final consolidado.

O documento, porém, tem uma observação entre parênteses: "avaliar a pertinência da manutenção deste dispositivo na proposta".

Outro trecho do decreto criava restrições para a entrada no edifício do TSE. Pelo período do Estado de Defesa, o acesso nas dependências do tribunal seria regulamentado pela Comissão de Regularidade Eleitora, "assim como a convocação de servidores públicos e colaboradores que possam contribuir com conhecimento técnico".

O documento de três páginas, feito em computador, foi encontrado no armário do ex-ministro durante busca e apreensão realizada na última terça-feira (10). A PF vai investigar as circunstâncias da elaboração da proposta.

Após a Folha revelar a existência do documento, o ex-ministro afirmou em uma rede social que a minuta foi "vazada fora de contexto" e ajuda a "alimentar narrativas falaciosas".

"No cargo de ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil. Havia em minha casa uma pilha de documentos para descarte, onde muito provavelmente o material descrito na reportagem foi encontrado. Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP [Ministério de Justiça e Segurança Pública]", escreveu Torres no Twitter.

"O citado documento foi apanhado quando eu não estava lá e vazado fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra mim. Fomos o primeiro ministério a entregar os relatórios de gestão para a transição. Respeito a democracia brasileira. Tenho minha consciência tranquila quanto à minha atuação como ministro", afirmou.

De acordo com a Constituição, a decretação do estado de defesa serve para "preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza". Isso não se aplicaria a tomar uma medida contra resultado de eleição, o que seria inconstitucional.

Ao contrário do estado de sítio —que precisa ser validado pelo Congresso para entrar em efeito— a decretação do estado de defesa começa a valer imediatamente. Ele precisa ser enviado em até 24 horas para aval do Congresso, que tem o poder de endossá-lo ou derrubá-lo.

A vigência do estado de defesa permite, na área e pelo período em que vigorar, a restrição de determinados direitos: o de reunião e os de sigilo de correspondência e de comunicações. Também permite prisão por crime contra o Estado, por prazo não superior a dez dias —a prorrogação requer autorização judicial.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou nesta semana a prisão de Torres.

Moraes também é presidente do TSE e protagonizou embates com Bolsonaro durante o pleito. O ex-presidente difundiu diversas vezes mentiras e teorias da conspiração contra as urnas eletrônicas. Também acusou o TSE —sem nunca apresentar provas— de trabalhar pela eleição de Lula.


Entenda o que diz a lei sobre o decreto de estado de defesa

  • A Constituição Federal inclui dois estados possíveis para casos de quebra da ordem social e de instauração de guerras ou conflitos, sejam internos ou externos —o estado de defesa e o estado de sítio, este mais amplo.
  • Estes dois casos expandem os poderes do presidente, e autorizam a supressão de direitos e liberdades individuais, sem a necessidade de confirmação pelo Legislativo ou de revisão pelo Judiciário.
  • Com restrições geográficas, o estado de defesa não pode ser aplicado em todo o território nacional, e por isso, o presidente deve determinar a duração e especificar as áreas abrangidas. O Congresso Nacional deve votar a validade do ato
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