Entenda quais são os crimes em invasão golpista na Esplanada

Especialistas em direito apontam atentado contra o Estado democrático de Direito; autoridades que se omitiam também poderão ser responsabilizadas

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São Paulo

Os manifestantes golpistas que invadiram neste domingo (8) a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, podem responder por crime contra o Estado democrático de Direito. Se identificada omissão, autoridades também poderão ser responsabilizadas, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.

A invasão realizada por bolsonaristas e repreendida com bombas de efeito moral concretizou o temor de que a escalada da violência em atos antidemocráticos após as eleições resultassem em um episódio semelhante à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 2021.

"Se a gente pode chamar o que acontece hoje de nossa invasão do Capitólio, nós temos no artigo 359-L do Código Penal o crime equivalente ao delito de insurreição", afirma Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Golpistas invadem a Esplanada dos Ministérios, em Brasília
Golpistas invadem a Esplanada dos Ministérios, em Brasília - Evaristo Sa/AFP

O dispositivo, acrescentado pela Lei do Estado democrático de Direito —sancionada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, da ditadura militar—, prevê reclusão de 4 a 8 anos para quem "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais".

Já o crime de terrorismo é previsto pela 13.260, de 2016. Especialistas em direito penal apontam que o conceito adotado pela norma é bastante restritivo e que, pela interpretação dele, não é possível classificar os manifestantes golpistas como terroristas.

Diferentemente do que fez Donald Trump após perder a eleição, estimulando a reação de manifestantes, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) emitiu, até então, sinais dúbios sobre os atos realizados no país. Embora a atitude seja condenável, do ponto de vista penal, a avaliação é que Bolsonaro só poderá ser responsabilizado se comprovado envolvimento direto no caso.

No caso de autoridades em Brasília, se for provada a omissão, elas poderão responder por crime de prevaricação, com pena de até um ano e multa.

Entenda os crimes na invasão golpista:

Quais são os crimes na invasão à Esplanada dos Ministérios?

Especialistas em direito penal apontam violações previstas pela lei do Estado democrático de Direito, sancionada em 2021. Uma análise comum é de que os manifestantes poderão responder pelo crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. A pena é de 4 a 8 anos. A punição pode ser ainda maior, caso tenham sido cometidos outros crimes.

"Poderia pensar na hipótese de restrição, prevista nesse artigo, porque, com a depredação das instalações físicas, você vai ter uma restrição a realização de sessões nos próximos dias porque a depredação foi bastante grande", afirma o professor Diego Nunes (UFSC).

A advogada criminalista Flávia Rahal afirma que a caracterização é possível pela invasão dos prédios públicos, depredação e pelo simbolismo dos espaços ocupados. "Há uma mensagem clara que é atentatória da democracia", diz.

Outros especialistas consideram que é possível ir além e caracterizar a invasão como crime de golpe de Estado, definido como a tentativa de "depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". A pena pode chegar a 12 anos e aumentar caso tenham sido cometidos outros delitos.

"Essa invasão fere cada um dos brasileiros e brasileiras, porque fere as instituições do Estado democrático de Direito. As pessoas que fizeram devem ser processadas e, em flagrante, presas", afirma o professor de direito processual penal da PUC-SP Cláudio Langroiva.

Para ele, o que aconteceu em Brasília não pode ser enquadrado como manifestação crítica aos Poderes.

Há um dispositivo no texto que afirma que não é crime "a manifestação crítica aos Poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais".

"Não estamos falando de manifestações políticas, pacíficas, greves ou manifestações de qualquer natureza. É uma manifestação violenta, com uso de arma e ameaça às pessoas", diz Langroiva.

Para Lênio Streck, professor da Unisinos (RS) e um dos autores da nova lei, o artigo pode ser aplicado contra líderes e organizadores da invasão.

Além dessas condutas, o professor de direito penal da UFMG e advogado criminalista Túlio Vianna acrescenta que a depredação de patrimônio cultural realizada em Brasília caracteriza o crime de dano qualificado. A conduta também é prevista pelo artigo 62 da lei 9605 de 1998.

A advogada criminalista Raquel Scalcon, professora da FGV-Direito São Paulo, cita ainda a possibilidade de responsabilização por incitação ao crime e associação criminosa, delito previsto pela lei 12.850 de 2013. Ela reforça que a prisão em flagrante é possível tanto durante como depois dos crimes.

Langroiva acrescenta que a depender da avaliação das condutas individuais, outros crimes possíveis são furto, resistência e lesão corporal de agentes públicos.

A lei antiterrorismo pode ser aplicada para punir os envolvidos?

Sancionada em 2016, a lei 13.260 define terrorismo como a ação de uma ou mais pessoas por razões de "de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública".

Por causa de tal definição, o professor Diego Nunes (UFSC) entende que a legislação não poderia ser aplicada contra os manifestantes.

"O terrorismo político —expressão usada na ditadura contra os militantes que faziam assaltos e sequestros, além da luta armada, e mencionada com frequência nos últimos dias— é tratado pela nossa Constituição como crimes políticos, que estavam previstos na Lei de Segurança Nacional e agora no Código Penal, após a Lei de Defesa do Estado democrático", afirma.

Raquel Scalcon (FGV) acrescenta que o conceito sociológico e político de terrorismo abarcaria os atos de domingo (8), mas a lei brasileira não faz isso. "A finalidade dos ataques se enquadra na lei, mas não a motivação."

No caso das autoridades que se omitiram, qual é a responsabilização possível?

Caso fique comprovado que houve omissão por parte das autoridades responsáveis, Langroiva afirma que ficaria caracterizado o crime de prevaricação. Definido como retardar ou deixar de agir para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, o delito tem pena de até um ano, além de multa.

Para o advogado Alexandre Wunderlich, professor do IDP, em Brasília, e da PUC do Rio Grande do Sul, a postura das autoridades no episódio deve ser investigada, assim como o financiamento e a organização do ataque à democracia.

"O mais grave é que aparentemente [a invasão] pode ter ocorrido conivência de órgãos policiais, o que impõe pronta investigação. As condutas afetam as instituições democráticas no seu funcionamento e regularidade", diz ele, que é autor do livro "Crime Político, Segurança Nacional e Terrorismo".

Bolsonaro pode ser responsabilizado pela invasão?

O ex-presidente pode ser responsabilizado caso exista provas de seu envolvimento na invasão golpista.

"A responsabilidade criminal depende de se comprovar que tenha de algum modo contribuído: financiando, instigando, orquestrando. Ademais, se ele estava ainda no Poder e nada fez para impedir, também aqui poderia haver responsabilidade criminal pela omissão", afirma Raquel Scalcon (FGV).

Diego Werneck, professor do Insper, considera que Bolsonaro deveria ter sofrido impeachment por incitar as pessoas contra as instituições ao longo do mandato.

"Agora que saiu do cargo, os instrumentos e critérios para apurar responsabilidade são outros. No mínimo, se entendermos que o que ocorreu hoje em Brasília foi crime, seria necessário discutir a responsabilidade penal de Bolsonaro por ter incitado", diz.

Crimes na invasão previstos no Código Penal

  • Artigo 163: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

    Parágrafo único: se o crime é cometido:

    III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos;

    Pena: detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

  • Artigo 286: incitar, publicamente, a prática de crime.
    Pena: detenção, de 3 a 6 meses, ou multa.

    A mesma pena será aplicada para quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.
  • Artigo 288: associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.
    Pena: reclusão, de 1 a 3 anos.

    A pena aumentará até a metade se a associação for armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Crime de Prevaricação

  • Artigo 319: retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
    Pena: detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.

Crimes Contra as Instituições Democráticas

Abolição violenta do Estado democrático de Direito

  • Artigo 359-L: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais.
    Pena: reclusão, 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência.
  • Artigo 359-M: tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.
    Pena: reclusão, de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

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