Organizações cobram de redes sociais ações contra golpismo e violência política

Carta às principais empresas será entregue um mês após ataques bolsonaristas nas sedes dos três Poderes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Mais de cem organizações da sociedade civil e acadêmica vão entregar às principais empresas de redes sociais um documento que solicita políticas contra golpismo e violência política.

A avaliação é que as políticas de integridade eleitoral em vigor na última eleição foram limitadas, pouco descritivas e desconsideram especificidades locais, com poucos mecanismos para restringir conteúdos que incitaram a violência e o golpe de Estado.

O documento sugere a adoção de políticas para "impedir chamados à sublevação contra a ordem democrática ou à interferência na transmissão pacífica de poder, ainda que não haja apelo explícito à violência".

Assinam o relatório organizações ligadas à comunicação, direitos na internet e direitos humanos, como Direitos na Rede, Abraji, Conectas e Oxfam. A carta traz 22 demandas, que também tratam de negacionismo socioambiental.

Bolsonaristas invadiram a praça dos Três Poderes em 8 de janeiro; na imagem, depredam o Congresso - Gabriela Biló-8.jan.23/Folhapress

Embora as empresas tenham termos contra violência e incitação de ódio, de modo geral, eles não abarcam publicações que atentem diretamente contra a democracia.

O documento diz que bullying e discurso de ódio, presentes nos termos de uso das plataformas, podem ser insuficientes no contexto brasileiro, e sugere que esses conceitos estejam em consonância com a Lei de Violência Política e a Lei dos crimes contra o Estado democrático de Direito.

As políticas das principais empresas são globais, com alguns pontos específicos desenvolvidos para a realidade de cada país. No Brasil, mudanças foram implementadas diante do contexto político, como a proibição de alegações falsas sobre fraude em eleições passadas (caso do YouTube) e a remoção de pedidos de intervenção militar (caso de Facebook e Instagram).

A sugestão da carta se assemelha à intenção da medida provisória elaborada pelo Ministério da Justiça no chamado pacote pela democracia, entregue pelo ministro Flávio Dino a Lula no fim de janeiro.

O texto, ainda em análise no governo antes de ser enviado ao Congresso, pretende impor mais obrigações às big techs em relação a atentados contra o Estado democrático de Direito.

"As políticas de integridade eleitoral, geralmente, não enquadram conteúdos golpistas, isto é, aqueles que reivindicam intervenção militar e abolição do Estado democrático de Direito, assim como o fechamento de instituições públicas", diz a carta.

Outra crítica de pesquisadores é que houve "pouco ou nenhum esforço em trabalhar conjuntamente para conter campanhas de desinformação a nível multiplataforma" e que o cenário foi agravado com a profusão de publicações em plataformas de vídeos curtos, como TikTok e Kwai, para aplicativos como WhatsApp e Telegram.

O relatório será entregue às empresas um mês depois dos ataques bolsonaristas nas sedes dos três Poderes em Brasília.

Especialistas têm levantado o desafio em considerar o que será interpretado como conteúdo golpista diante da falta de jurisprudência sobre o tema.

Para Nina Santos, pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e coordenadora acadêmica no Desinformante, há diferença entre expressar uma opinião individual antidemocrática e articular atos contra a democracia.

"Quando a gente fala em regras específicas para coibir sublevação da ordem democrática, não estamos falando da defesa individual de outro tipo de regime político, mas da articulação coletiva que visa desestabilizar o sistema democrático", afirma.

Além disso, uma crítica comum é a falta de dados e de transparência acerca da aplicação das políticas, o que dificulta a mensuração do trabalho das big techs.

"De forma geral, as plataformas não publicam relatórios completos, específicos e imediatos, e os números, quando apresentados, não possuem denominador (ou indicativo de prevalência) ou discussão sobre a eficiência das políticas."

O documento também aponta para a necessidade de inserir a violência política –em especial, de gênero e raça– entre as prioridades durante períodos eleitorais. Desde 2021, é crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar uma candidata, com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou ainda à sua cor, raça ou etnia.

Embora tenha havido esforço para fornecer informações confiáveis e contexto aos usuários, o relatório indica que não foram implementadas ações que expliquem como reportar violência política de gênero e de raça ao Ministério Público Eleitoral.

Somente a Meta, dona de Facebook e Instagram, adotou medidas preventivas para conter o envio de ameaças via mensagens diretas para tentar reduzir a exposição de candidatas e candidatos de grupos minorizados.

Em relação ao negacionismo socioambiental, as entidades sugerem que as empresas criem conselhos voltados à agenda socioambiental, não monetizem canais e contas que difundam conteúdos que neguem a crise climática e o desmatamento e não permitam impulsionamento de canais que propaguem desinformação sobre a Amazônia, entre outros.

O relatório destrincha diretrizes de Facebook, Instagram, Kwai, Telegram, YouTube, TikTok e WhatsApp. Com exceção do Telegram, as empresas têm atualizado suas políticas acerca de desinformação eleitoral.

Em nota, o Kwai diz que "todas as ações e iniciativas desenvolvidas pela plataforma para conter o avanço e propagação de conteúdos que tenham o potencial de prejudicar o processo democrático permanecem em andamento".

O TikTok afirma que não irá comentar o relatório por ora, mas elencou mudanças feitas no último ano, como a implementação de rótulos informativos, acordo com o TSE, parceria com checadores de fatos e ações de educação midiática.

A Meta diz que passou a remover posts com pedidos de intervenção militar no Facebook e no Instagram no contexto temporário de alto risco. "Em outra ação, rapidamente designamos as invasões de edifícios dos três Poderes em Brasília como um evento violador, permitindo a remoção de quaisquer conteúdos apoiando ou exaltando os atos."

O YouTube afirma que revisa sistematicamente suas políticas e destaca que a de integridade eleitoral foi atualizada três vezes em 2022. A plataforma diz ter removido mais de 10 mil vídeos relacionados à eleição no Brasil.

"Assim que os ataques começaram em 8 de janeiro, nossas equipes priorizaram a análise e remoção de conteúdo contrário às nossas políticas, incluindo transmissões ao vivo, vídeos e comentários que apoiavam ou elogiavam os ataques e incitavam outras pessoas a cometer atos violentos", acrescenta. Anúncios do tipo também foram barrados.

As outras empresas não comentaram o relatório.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.