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Reforma política de 2017 reduz inchaço de partidos no Brasil

Número chegou a 35 e deve cair a 29 graças a regras contra siglas de aluguel ou sem representatividade

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Brasília

O inchado sistema partidário brasileiro vem passando por um enxugamento que deve levar o país a ter nas próximas semanas, pela primeira vez em uma década, menos de 30 legendas em funcionamento.

Esse processo tem origem em minirreformas políticas aprovadas pelo Congresso em 2015 e 2017 e deve resultar nos próximos anos em uma maior racionalidade partidária, com a extinção de várias siglas de aluguel ou sem representatividade na sociedade.

Em 2015 o país chegou ao número recorde de 35 partidos políticos registrados. Desde então, as mudanças na lei aprovadas pelo Congresso forçaram fusões e incorporações e reduziram esse número para 31. A Justiça Eleitoral analisa mais dois pedidos, o que deve diminuir o número para 29.

Encontro em 2019 que definiu a incorporação pelo PC do B do PPL (Partido Pátria Livre), que não haviam atingido a cláusula de barreira na eleição anterior - Karla Boughoff - 17.mar.19/Divulgação PC do B

Há dois marcos nesse processo.

O primeiro, de 2015, veio no sentido de inibir a criação de partidos. Minirreforma aprovada naquele ano exigiu que as legendas em formação conseguissem o apoiamento mínimo de eleitores (cerca de 500 mil assinaturas) em até dois anos (antes não havia prazo), sendo que nenhum deles poderia ser filiado a partido já existente (antes, podia).

Essas novas regras foram cruciais para barrar, por exemplo, a tentativa de criação da Aliança pelo Brasil, partido que Jair Bolsonaro (hoje no PL) e apoiadores tentaram colocar de pé entre 2019 e 2022, mas que acabou em fracasso.

Desde então, só um partido surgiu do zero, o nanico Unidade Popular (UP), em 2019.

O segundo marco foi no sentido de reduzir o atual número de partidos e ocorreu em outubro de 2017, com a promulgação da emenda constitucional 97.

A medida aprovada pelo Congresso acabou com a possibilidade de coligação entre os partidos para eleição de deputados e vereadores a partir de 2020, e, o mais importante, estabeleceu uma cláusula de desempenho (ou cláusula de barreira) que tira recursos públicos e acesso à propaganda eleitoral e partidária daquelas legendas que não alcançarem um desempenho mínimo nas urnas.

A cláusula passou a valer em 2018 e tem suas regras endurecidas eleição a eleição, até 2030, quando os partidos terão que obter ao menos 3% dos votos válidos nacionais para deputado federal, distribuídos de forma uniforme em pelo menos nove estados, ou elegerem pelo menos 15 deputados federais, também distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.

Em 2018, quando o piso era de 1,5%, 14 partidos não atingiram a cláusula. Em 2022, quando o piso subiu para 2%, foram 15.

Isso tem forçado legendas pequenas e nanicas a serem incorporadas ou se fundirem a outras, movimento que deve se intensificar nos próximos anos.

O descumprimento da cláusula não obriga a extinção dos partidos. Sem atingi-la, entretanto, eles não recebem o fundo partidário, que vai distribuir R$ 1,2 bilhão neste ano, nem têm acesso à propaganda partidária e eleitoral na TV e rádio, entre outras implicações —eventuais deputados e vereadores eleitos por essas siglas podem migrar para outras sem risco de perda do mandato.

Desde 2018 já desapareceram da sopa de letrinhas partidária PPL, PRP, PHS, PSL, DEM e PROS. O PSC deve ser incorporado ao Podemos. Patriota e PTB devem se fundir e criar o Mais Brasil.

O movimento também se refletiu no número de partidos com representação no Congresso.

Na legislatura que se iniciou em 2018 havia 30 partidos com representação na Câmara dos Deputados. Esse número caiu para 23 em 2023 e, com as novas fusões e incorporações, deve ficar em 20.

Apesar dos avanços no sentido de uma maior racionalidade partidária no país, houve desde 2017 tentativas de afrouxamento das regras, sendo que uma delas foi aprovada.

Em 2021, por exemplo, a Câmara aprovou a retomada das coligações entre as legendas —o que aumenta a chance de eleição de deputados e vereadores de siglas menores. O Senado, porém, barrou a proposta e ela não seguiu adiante.

Nesse mesmo ano, o Congresso aprovou a criação das federações, que permitiu a união de dois ou mais partidos para atuação comum nos parlamentos.

Isso salvou da degola o PV e o PC do B, que formaram federação com o PT, a Rede, que se uniu ao PSOL, e o Cidadania, que fez federação com o PSDB.

O PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), negocia formar federação com a União Brasil (resultado da fusão entre PSL e DEM), para aumentar seu poder de fogo no Congresso e na relação com o governo.

Se contabilizadas também as federações, os partidos e grupos partidários que atuarão na Câmara cairão de 20 para 16.

"Os progressivos efeitos da cláusula são positivos tanto do ponto de vista da qualidade da democracia, porque tornam o sistema político mais funcional, quanto em relação à legitimidade do gasto público, que passa a concentrar-se em agremiações mais representativas", afirma Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.

"No entanto, os constantes aumentos dos fundos públicos direcionados ao sistema partidário, cada vez mais controlados por uma quantidade menor de legendas, demandariam o permanente incremento dos mecanismos de transparência e fiscalização do uso desses recursos."

Autor do livro "Partidos Políticos no Brasil, os Dilemas entre a Cláusula de Barreira e o Hiperpartidarismo" (editora Juruá), Josafá da Silva Coelho diz que a cláusula é fundamental para a democracia brasileira "na medida em que pode representar uma possível conciliação entre o pluripartidarismo e a desmedida proliferação de partidos políticos, sem, contudo, atentar contra os fundamentos da República nem contrariar os princípios constitucionais".

Além disso, acrescenta Coelho —que é doutor e mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político)—, "já está demonstrado que não é a quantidade de partidos que torna uma democracia mais qualificada do que outra".

Veja algumas das principais alterações nas regras políticas desde a Constituição de 1988

  • 1998 - Cota de gênero: Começa a valer a cota de gênero, que obrigava os partidos a lançar ao menos 25% de mulheres nas disputas proporcionais, iniciando um ciclo de aprovação de ações afirmativas na tentativa de ampliar a participação feminina na política.
  • 2008 - Fidelidade partidária: Supremo Tribunal Federal ratifica a Lei da Fidelidade Partidária, que pune com a perda do mandato a troca de partido, salvo exceções.
  • 2014 - Doações ocultas: Tribunal Superior Eleitoral aprova resolução que dificulta a prática das doações ocultas, em que não era possível identificar quem financiava os candidatos.
  • 2016 - Fidelidade partidária: Congresso afrouxa as regras e aprova uma janela de 30 dias para o livre troca-troca de políticos entre as legendas, no ano eleitoral. No ano anterior, o STF já havia decidido que a perda de mandato por infidelidade partidária não se aplica a cargos majoritários (presidente, senadores, governadores e prefeitos).
  • 2017 - Cláusula de barreira e fundo eleitoral: Congresso aprova regras para sufocar pequenas legendas (cláusula de desempenho e fim das coligações nas eleições proporcionais) e cria o fundo eleitoral, hoje a maior fonte de recursos das campanhas (distribuiu R$ 5 bilhões de verbas públicas em 2022)
  • 2018 - Cota de gênero: STF define que partidos são obrigados a repassar a verba de campanha às mulheres proporcionalmente ao número de candidatas —ou seja, ao menos 30%.
  • 2020 - Cota de raça: STF define que partidos são obrigados a distribuir a verba de campanha proporcionalmente ao número de candidatos brancos e negros que lançar.
  • 2021 - Cota de gênero e raça: Congresso aprova alteração na lei determinando que votos dados a mulheres e negros nas eleições de 2022 a 2030 passam a contar em dobro para efeito da distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral.
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