Pazuello disse que foi surpreendido por Bolsonaro e que avisou comandante do Exército sobre ato em 2021

Manifestação feita em procedimento arquivado pelo Exército veio a público após fim do sigilo decretado pela gestão Bolsonaro

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Brasília

O atual deputado federal Eduardo Pazuello afirmou, no processo disciplinar mantido em sigilo pelo governo Jair Bolsonaro, ter avisado na véspera ao então comandante do Exército, Paulo Sergio Nogueira, que iria a um ato político com o presidente da República à época.

A declaração de Pazuello aparece na defesa que apresentou em 2021 em processo disciplinar na Força. O ato ocorreu em maio daquele ano, quando Pazuello era um general da ativa e havia acabado de deixar o comando do Ministério da Saúde

Ele disse ainda que, na ocasião, só discursou brevemente porque foi surpreendido por Bolsonaro, que colocou o microfone em sua mão sem aviso prévio.

Pazuello escapou de punição apesar de as regras militares não permitirem a membros da ativa a participação em eventos políticos partidários. A decisão foi considerada por críticos como um perigoso precedente e um estímulo à bolsonarização entre integrantes das Forças Armadas

Sua defesa veio a público nesta sexta-feira (24) em atendimento a pedido de Lei de Acesso à Informação feito pela Folha e outros órgãos de imprensa, e após cair o sigilo de 100 anos decretado pela gestão Bolsonaro. Nela, Pazuello diz ainda que o evento não era político partidário porque, entre outros pontos, Bolsonaro não estava filiado a nenhum partido na época.

Sem máscara, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello participa de ato em apoio a Bolsonaro neste domingo (23) com motociclistas no Rio de Janeiro
Sem máscara, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello participa de ato em apoio a Bolsonaro com motociclistas no Rio de Janeiro - 23.mai.21/Reprodução

Pazuello participou de ato político ao lado de Bolsonaro em maio de 2021, quando subiu em um palanque ao lado do então presidente após um passeio de moto com apoiadores no Rio de Janeiro.

Na ocasião, Bolsonaro atacou as medidas de prevenção à Covid e, ao lado do general, afirmou: "Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa".

As motociatas realizadas por Bolsonaro em sua gestão foram eventos políticos em que o então presidente da República reunia milhares de apoiadores e em que, não raro, atacava adversários eleitorais.

"Relembro-vos que o informei [ao comandante do Exército] por telefone no sábado que iria ao passeio no domingo, a convite do presidente. Os laços de respeito e camaradagem entre mim e o presidente da República, a meu ver, justificam o convite para o passeio", escreveu Pazuello na defesa aceita por Paulo Sergio Nogueira.

O então comandante do Exército, que depois virou ministro da Defesa de Bolsonaro, confirma no processo que Pazuello o avisou que iria ao ato.

Após a repercussão do caso, o Exército abriu um procedimento disciplinar contra Pazuello, mas decidiu não aplicar nenhuma punição.

A Folha ingressou no dia seguinte à decisão do Exército com pedido de Lei de Acesso à Informação para obtenção de cópia dos documentos.

A decisão de livrar Pazuello foi tomada por Paulo Sérgio Nogueira, que cedeu à pressão do presidente para que o aliado não fosse punido.

Em sua defesa, Pazuello afirma que no dia do evento optou por não acompanhar a motociata, mas que, em determinado momento, ao estacionar sua moto para acompanhar as palavras de Bolsonaro em cima de um carro de som, foi reconhecido por algumas pessoas e passou a ser assediado para tirar fotos e dar autógrafos.

Ele afirma que, por questões de segurança, foi para perto da comitiva presidencial, ocasião em que foi chamado por Bolsonaro para subir ao caminhão.

"Somente retirei a máscara [de proteção contra a Covid] quando já estava em cima do caminhão de som, pois todas as pessoas que estavam no local encontravam-se sem a máscara e em ambiente aberto", registra o general.

Pazuello prossegue afirmando que não tinha intenção de discursar. "Fui surpreendido quando o presidente me chamou para ficar ao seu lado. (...) Fiquei mais surpreso quando o presidente passou às minhas mãos o microfone para que me dirigisse ao público."

A partir de então, Pazuello relata em sua defesa momentos de apreensão: "Em fração de segundos tive que pensar quais palavras seriam as melhores para serem usadas para que não se tornasse um discurso político", diz, reproduzindo, em seguida, o que teria falado: "Fala galera! Não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum, tamo junto heim, parabéns a vocês, parabéns para a galera que vai prestigiando o PR [presidente da República], o PR é gente de bem".

Pazuello encerra seu relato afirmando não ter considerado aquele um evento político partidário, até porque, ressalta, Bolsonaro não estava filiado a partido político à época.

Em sua decisão, o general Paulo Sérgio Nogueira reconhece que Pazuello o informou previamente que iria ao "passeio motociclistico", a convite de Bolsonaro, e acolhe todos os argumentos de Pazuello.

"Em análise acurada dos fatos, bem como das alegações do referido oficial-general, depreende-se, de forma peremptória, não haver viés político-partidário nas palavras proferidas, repisa-se, de improviso, pelo arrolado, naquele momento", escreveu Paulo Sérgio.

O pedido de Lei de Acesso feito pela Folha foi negado pelo Exército, desde 2021.

Em recurso à CGU, penúltima instância de apelação administrativa, o órgão determinou que fossem fornecidos apenas os extratos do procedimento administrativo que livrou o general da punição.

Com o término do governo Bolsonaro, que não conseguiu se reeleger, a controladoria refez sua posição e determinou ao Exército a liberação de todos os documentos, com tarja apenas em dados privados.

"Conferir publicidade aos documentos que motivam uma decisão, além de atender aos princípios da publicidade e da transparência, atende ao princípio da motivação dos atos públicos, isto porque, é dever da Administração Pública expor os pressupostos de fato e de direito que determinaram a decisão administrativa, do contrário, esta seria desprovida de fundamentação", diz parte da fundamentação à nova decisão da CGU.

O argumento principal da negativa durante a gestão Bolsonaro era a de que a divulgação dos documentos representa risco aos princípios da hierarquia e da disciplina no Exército.

Na argumentação inicial do Exército para negar acesso ao procedimento, destacou-se que "a divulgação de processo administrativo disciplinar afeta a imagem do superior hierárquico [o general Paulo Sérgio] com reflexos na liderança e menoscabo dos preceitos hierárquicos e disciplinares, imprescindíveis à sobrevivência das Forças Armadas".

A vedação de participação em atos políticos, existente para militares da ativa, está prevista no regulamento disciplinar do Exército, vigente por decreto desde 2002, e no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980.

Pazuello foi ministro da Saúde de setembro de 2020 a março de 2021 e encampou, em sua gestão, várias das posições negacionistas bancadas pelo chefe no combate à pandemia.

Ele deixou a pasta suspeito de crimes, investigado pela Polícia Federal e com o país batendo recorde de mortes pela doença.

Após ir para a reserva, ele se candidatou a deputado federal pelo Rio, sendo o segundo mais votado no estado, com mais de 205 mil votos.

A transgressão disciplinar, levando em conta o que está previsto em lei e o que avaliavam integrantes do Alto Comando, teria ocorrido da seguinte forma:

  • O regulamento disciplinar do Exército, instituído por decreto em 2002, se aplica a militares da ativa, da reserva e a reformados (aposentados). Um anexo lista 113 transgressões possíveis
  • A transgressão de número 57 é a que mais compromete Pazuello: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária." Não há informação, até o momento, de que Pazuello tivesse autorização de seus superiores no Exército para a manifestação política a favor de Bolsonaro
  • Outras transgressões listadas são "faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar"; "portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura"; e "frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe"
  • O comandante do Exército, a quem cabe aplicar a punição, pode cometer uma transgressão disciplinar se deixar de punir o subordinado transgressor, segundo o mesmo regulamento
  • O propósito do regramento, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há "acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições";
  • Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, a causa, a natureza dos fatos e as consequências. Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello
  • O acusado tem direito a defesa, manifestada por escrito. O bom comportamento é um atenuante. As punições vão de advertência e repreensão a prisão e exclusão dos quadros, "a bem da disciplina"
  • O caso de Pazuello pode se enquadrar ainda no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980. O artigo 45 diz que "são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político"
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