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Bolsonaro sente pressão e recua com promessa de moderação à la Talibã

Caminhoneiros e 7 de Setembro são casos clássicos do modus operandi do presidente

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São Paulo

O Ocidente ensaiou respirar aliviado com as primeiras declarações de líderes do Talibã após a vitória vertiginosa do grupo extremista no Afeganistão, consumada no dia 15 de agosto.

Foram promessas de moderação, governo inclusivo com rivais, abertura a mulheres antes tratadas como seres inexistentes e outras mesuras à boa mesa das democracias, de olho em aceitação internacional.

Ao lado de deputados bolsonaristas como Major Vítor Hugo (esq.) e Carla Zambelli (dir.), o líder de manifestantes Chicão Caminhoneiro fala após a conversa que teve com Bolsonaro no Planalto
Ao lado de deputados bolsonaristas como Major Vítor Hugo (ponta esq.) e Carla Zambelli (ponta dir.), o líder de manifestantes Chicão Caminhoneiro fala após a conversa que teve com Bolsonaro - Pedro Ladeira/ Folhapress

O passado tenebroso do grupo ficaria enterrado sob as bombas que haviam expulsado os mulás do poder em 2001. Mas DNA é DNA, e a prática até aqui foi a composição de um governo unitário coalhado de terroristas, decretos contra mulheres, espancamento das mesmas e de jornalistas em protestos. Fora relatos piores.

É um conto cautelar, para usar o clichê da língua inglesa, que se aplica perfeitamente ao presidente Jair Bolsonaro.

Ao longo da crise que tornou-se institucional nas suas mãos, o mandatário ensaiou recuos táticos para avançar mais duas casas na jogada seguinte de seu desafio à democracia.

No melhor estilo "daqueles-que-não-podem-ser-nomeados" no debate político, torceu realidades para justificar crimes como expressões máximas do estatuto que despreza.

Assim, é pouco notável o esforço do presidente, sob apelos desesperados de seus auxiliares temerosos de ver o contracheque ser cortado, para apresentar uma quinta-feira (9) de recuos para o chocado público.

O show começou com o áudio que não convenceu muito os caminhoneiros que, movidos pelos interesses de setores retrógrados do agronegócio que enriquece, fazem o papel patético de bucha de canhão da luta de Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal.

Divulgado na noite de quarta, ele precisou ser reafirmado inúmeras vezes, tão acostumada a ouvir mentiras no WhatsApp que essa turma está. Seu líder por assim filosófico, o tal de Zé Trovão, curtia um exílio voluntário no México, num exemplo acadêmico da valentia do pessoal.

No melhor estilo Bolsonaro, o presidente depois recebeu uma comitiva daqueles que ameaçam invadir o Supremo, que saiu dizendo que não havia pedido nenhum do seu inspirador.

Nas estradas, contudo, a mobilização murchava de acordo com o programado. Mesmo Bolsonaro sabe que, se saísse de controle a afetasse o abastecimento nacional como em 2018, o movimento iria colocar um peso econômico a mais no pé do cadáver de seu governo rumo ao assoalho oceânico.

Ameaça retirada, mas colocada como tal, porque o futuro afinal a Deus pertence.

Hora de mover para o segundo item, as ondas de tsunami que açoitam as costas da ilha em que Bolsonaro habita desde que ele conseguiu elevar o nível de suas ameaças para o de delinquência anunciada nos discursos que fez no 7 de Setembro.

A reação institucional do Judiciário foi forte, ainda que insuficiente na prática. Do ponto de vista formal, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso foram impecáveis, mas seus discursos equivalem no mundo bolsonarista a gritar "6" após o presidente berrar "truco". Não há consequência até que cartas cheguem à mesa.

Sobre a fala de Arthur Lira (PP-AL), o presidente do centrão, aliás, da Câmara, a dureza pontual era esvaziada a cada momento pela recusa evidente em falar no tema do impeachment —que passou a ser visto como uma ameaça real a ser usada por Brasília, ainda que de difícil execução.

Nesta quinta (9), ele já voltara ao modo "full Lira", minimizando o golpismo presidencial. Como diz um presidente de partido do centrão, um desembarque de fato só aconteceria após a torneira de emendas orçamentárias e restos a pagar secar, mirando a campanha de 2022. Ou seja, lá para março ou abril do ano que vem.

Pode ser, mas algo muda quando um peso-pesado como Gilberto Kassab (PSD) se coloca praticamente em campanha para dizer que Bolsonaro não tem mais condições, de resto um sentimento emulado até pelos ardorosos fã da política econômica nunca implementada que habitam o universo mítico da Faria Lima.

Novamente, como no caso dos caminhoneiros, o presidente buscou então portar-se como um talibã que come com garfo e faca. Assim como ocorreu por meio de prepostos há duas semanas, apelou ao antecessor Michel Temer (MDB) para aconselhamento e estabelecimento de uma ponte mínima com sua nêmesis no Supremo, Alexandre de Moraes.

Para Temer, cortejado no sistema solar da pretensa terceira via e ainda no Planalto, foi indolor. Ele arrancou de Bolsonaro um texto com promessas vazias de moderação, mentiras descaradas sobre o que havia dito na terça e a repetição da ameaça contra Moraes, agora na forma polida de "medidas judiciais".

A cereja foi a conversa por telefone entre Bolsonaro e o ministro, que deve ter custado uma boa dose de ansiolítico ao presidente. Protocolar, mas servirá para os Arthur Lira de Brasília e talvez algum banqueiro se agarrarem, dizendo que agora está tudo bem.

Estará até Bolsonaro bolar seu próximo ataque, o que está garantido com o tempo que ele comprou nesta quinta de quem tem motivos para querer acreditar que o Talibã é bacana com feministas.

Como já dito, não há golpe por falta de recursos, com a humilhante e tíbia nota ainda mais parcos, mas golpismo sobra no mundo do Planalto.

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