Descrição de chapéu PL das Fake News

Retirada de órgão regulador no PL das Fake News não afasta temor de interferência estatal

Preocupação com influência do Executivo ganhou força após sugestão de presidente da Anatel

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São Paulo

A retirada de um órgão de supervisão no chamado PL das Fake News não afastou o temor de alguns setores de uma eventual interferência estatal na internet.

A preocupação aparece tanto entre segmentos a favor de uma instância de regulação como em outros que são contra.

Isso porque, sem uma previsão específica de quem fará esse papel, a competência de supervisionar as redes sociais pode ser transferida na regulamentação da lei para algum órgão do Executivo, o que poderia ser mais danoso do que se ela ficasse a cargo de uma autarquia independente.

Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso Nacional, na quarta (26) - Marcos Oliveira - 26.abr.23/Agência Senado

O temor ganhou força após o presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Carlos Baigorri, sugerir que a agência exerça a função.

A previsão de um órgão de regulação foi retirada do PL das Fake News pelo seu relator, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), em meio às negociações para conseguir aprovar o texto na Câmara. A votação está prevista para a próxima terça-feira (2). Depois, se aprovado, o projeto segue para o Senado.

Em versão anterior, o texto dava ao Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma para regulamentar dispositivos do projeto, fiscalizar o cumprimento das regras, instaurar processos administrativos e aplicar sanções.

O ponto foi alvo de resistência, e bolsonaristas apelidaram o órgão de "Ministério da Verdade", ainda que ele não tivesse a prerrogativa de retirar conteúdos específicos, decisão que continuaria cabendo às plataformas.

Integrante do coletivo DiraCom - Direito à Comunicação e Democracia e da Coalizão Direitos na Rede, Bia Barbosa afirma que a existência de um órgão independente do governo era justamente o que garantiria a liberdade de expressão, dentro dos limites legais.

Sem essa instância externa com prerrogativas de independência estabelecidas, diz, além da Anatel outros órgãos do Executivo como a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça podem acabar ficando com algumas atribuições de supervisão da lei, o que seria "temerário".

Em sua avaliação, a retirada do órgão do texto do PL é resultado de dois fatores.

O primeiro, afirma, seria o argumento de que qualquer tentativa de regulação no campo da comunicação fere a liberdade de expressão, o que ela vê como equivocado.

E o segundo fator, em sua visão, foi a falta de apresentação pelo governo federal do que seria esse órgão, inclusive dos mecanismos que garantiriam sua independência, o que abriu brecha para as críticas.

Em nota, a Coalizão Direitos na Rede, que congrega mais de 50 organizações, manifestou-se a favor de uma instância externa de supervisão, mas contra a possibilidade de delegar a tarefa à Anatel.

Entre outros argumentos, afirma que a agência não tem competência nem expertise para regular aplicações de internet e que possui desempenho insatisfatório até mesmo para o seu setor, além de ter reduzida participação da sociedade civil.

Contrário à existência do órgão externo, Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha, diz que a retirada dele do texto ameniza, mas não acaba com os problemas do PL.

"O Executivo vem tentando ampliar suas competências para regular a internet há algum tempo. Se um projeto dessa magnitude, complexidade e imprecisão é aprovado, na regulamentação podem aparecer de novo funções que vão ser exercidas pelo Executivo", diz.

Ele cita como exemplos do avanço do governo federal na questão a criação de uma Procuradoria de Defesa da Democracia, com atribuição de atuar contra desinformação, e a iniciativa da Anatel de tentar entrar na regulação das redes.

Em sua avaliação, o modelo atual previsto no Marco Civil da Internet é o ideal, por manter o devido processo legal e garantir a independência do governo de plantão.

Lemos participou da elaboração dessa legislação, que foi aprovada em 2014 e conferiu ao Judiciário a atribuição de dar a palavra final sobre a retirada de conteúdos nos casos em que houver divergências e só responsabiliza as plataformas se elas descumprirem decisão judicial.

Inspiração do PL das Fake News, o Digital Services Act, da União Europeia, prevê que, no caso das grandes redes sociais, a regulação caberá à Comissão Europeia, braço executivo do órgão.

Ela supervisionará os sistemas que as plataformas implementarem para combater conteúdo ilegal e desinformação. Terá ainda amplos poderes de investigação e supervisão, incluindo a capacidade de impor sanções e soluções.

Autora de "Liberdade de Expressão na Era Digital" (Ed. Fórum, 2022), a advogada Luna Van Brussel Barroso avaliou como uma deficiência importante na versão do PL que previa o órgão a ausência da definição sobre a sua composição.

"O modelo ideal de regulação dessa matéria é por um órgão independente, que tenha composição minoritária do governo e majoritária de representantes da sociedade civil, incluindo o setor empresarial, acadêmico, terceiro setor e comunidade científica e tecnológica", diz.

Professor da USP e sócio do escritório Opice Blum, Juliano Maranhão defende o modelo da chamada autorregulação regulada.

Nesse desenho, mecanismos e melhores práticas de regulação ficariam a cargo de associações das plataformas, e o Estado validaria códigos e avaliaria relatórios.

Segundo ele, a vantagem seria que, em um ambiente de rápida evolução tecnológica, o setor privado teria mais expertise e agilidade para reagir a novos desafios. Por outro lado, a mera autorregulação também não seria suficiente.

Entre os principais pontos do PL das Fake News estão o dever das plataformas de vetar contas inautênticas e a obrigatoriedade de divulgação de relatórios de transparência sobre moderação de conteúdos.

O projeto também estabelece multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil em caso de descumprimento da lei.

O texto prevê o pagamento por parte das plataformas pelo conteúdo jornalístico utilizado, sem que esse custo seja repassado ao usuário final. Sobre a forma do pagamento, aponta que a pactuação deve ser feita entre as plataformas e as empresas jornalísticas.

As plataformas se opõem à ideia de remuneração, e entre os veículos há dissenso. Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que reúne os principais veículos de mídia, entre eles a Folha, defendem o PL; veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha.

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