Descrição de chapéu
Marcos Nogueira

Feira do MST é o maior e mais variado painel da alimentação brasileira

Não é preciso se converter ao marxismo para se esbaldar com os produtos agrícolas e os restaurantes regionais de todo o país

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São Paulo

"Sabe por que o abacaxi do Tocantins é mais doce?", perguntou o homem da barraca de frutas. Antevendo uma piada, respondi com outra pergunta: "Por quê?". "Porque é adubado com açúcar e regado com mel", respondeu. Depois desviou o olhar e continuou a anunciar aos gritos: "Ó o abacaxiiii!".

Tal cena poderia ter acontecido em qualquer feira livre do Brasil, mas em nenhuma outra o vendedor de abacaxi –assim como várias dezenas de pessoas no recinto– estaria com camiseta e boné vermelhos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

A 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária, que o MST promove até este domingo (14) no parque da Água Branca (zona oeste de São Paulo), além de roupas e acessórios vermelhos, oferece um extenso e completo painel da alimentação brasileira.

Pessoas em torno de produtos à venda em feira do MST
Movimento na 4ªFeira Nacional da Reforma Agrária, organizada pelo MST no parque da Água Branca, em São Paulo - Marcelo D.sants/Ato Press/Agência O Globo

Na feira propriamente dita, as velhas cocheiras de touros premiados foram tomadas por cerca de 1.200 expositores de quase todo o Brasil. Apenas Amazonas, Acre e Amapá não estão representados.

Na arena, feita para hospedar apresentações equestres, foi montada uma tenda gigante que abriga restaurantes típicos dos estados expositores, além do Distrito Federal. Comida de Roraima? Tem. De Sergipe? Opa, tá na mão.

O movimento estima que 500 toneladas de comida foram colocadas à venda nas barracas e nos restaurantes.

Não sou idiota nem nasci ontem. Sei que a feira do MST é um formidável instrumento de propaganda.
Sejamos justos, porém: a artilharia de propaganda inimiga é brutal, e os sem-terra seriam idiotas se não contra-atacassem.

Na fantasia de certos paulistanos, o MST se compõe de hordas de esfarrapados armados com facão de cortar cana e o "Manifesto Comunista", prontos para invadir, saquear e empalar a burguesia.

A feira na Água Branca promove o encontro desse urbanoide com agricultores que vieram mostrar uma face simpática. Sem empalamento, com muita comida boa.

Não nasci ontem: já visitei muita exposição de comida no Brasil, inclusive algumas bem mais chiques.
Afirmo com segurança que nenhuma se equipara, em diversidade e volume de oferta, à feira dos sem-terra.

Visitá-la é programa obrigatório para quem gosta de comida e se interessa pelas diferenças culturais expressas na alimentação de cada região brasileira.

Os clichês da militância de esquerda estão por toda parte, da roupa dos frequentadores aos cartazes e cânticos revolucionários. Não é preciso se converter ao marxismo para aproveitar a feira: qualquer pessoa razoável, não hidrofóbica, consegue relevar e se divertir na Disneylândia camponesa.

Como não sorrir ao pegar um pacote do feijão de marca Ho Chi Minh, produzido no assentamento homônimo, em Minas Gerais? Feijão vermelho, evidentemente. Vai uma cachacinha? Escolha entre a paranaense Camponeses e a goiana Sierra Maestra.

Além de nomes espirituosos, os feirantes trouxeram alimentos raros ou inexistentes em São Paulo.
Dispostos em torno de uma área com mesas, qual praça de alimentação de shopping, os restaurantes regionais trazem cardápios sucintos e muito tradicionais.

O Rio Grande do Norte, por exemplo, vende um petisco chamado ginga com tapioca. Ginga vem a ser manjuba. Um espeto com vários peixinhos é assado para depois rechear a tapioca.

A operação catarinense apostou no entrevero, pinhão cozido com carnes de boi, porco e frango. O Pará prepara maniçoba –pertences de feijoada com folha de mandioca, que precisa ser cozida por dias para deixar de ser tóxica.

Na barraca de Roraima, o visitante é apresentado à damurida, prato de origem indígena com peixe, tucupi, pimentas e farinha de mandioca. O Rio de Janeiro escalou os cozinheiros do quilombo da Gamboa, na zona portuária carioca, para preparar feijoada.

Nas cocheiras, os expositores vendem alimentos, mudas de plantas, bebidas, cosméticos, artesanato e moda prêt-à-porter socialista.

A barraca do sul da Bahia oferece degustação de cupuaçu fresco, aberto na frente dos clientes. O cantinho potiguar vende pitomba, frutinha esférica e de polpa ácida. Tem tucupi na barraca paraense e pequi na brasiliense. Castanha de caju no Ceará, castanha-do-pará em Mato Grosso e castanha de baru em Goiás. Trocentas opções de farinha, rapadura e feijão.

No espaço de Rondônia, encontra-se café robusta. Os assentamentos rondonienses são referência no aprimoramento do cultivo dessa variedade, menos valorizada do que a arábica.

Fica patente o esforço do MST em produzir alimentos de qualidade superior e maior valor agregado. Um carrinho todo cheio de nove horas vende os picolés da marca Gelado do Campo, feitos com ingredientes naturais em parceria com a Escola Sorvete, de São Paulo.

Outra parceria, com o laticínio catarinense Queijo com Sotaque, dá aos sem-terra a possibilidade de vender queijos de estirpe francesa, como reblochon e comté, a preços acima de R$ 100 o quilo.

A busca por artigos "premium", "gourmet" e o raio que o parta se reflete até no boné vermelho, que virou ícone fashion.

O boné normal, com o símbolo do MST estampado a quente, custava R$ 30. Uma versão com o desenho bordado era 50% mais cara, R$ 45.

Aí você olha para o lado e vê, por R$ 60, uma camisa polo com os camponeses onde deveria estar o jacaré da Lacoste.

Qual é a próxima etapa dessa revolução, companheiro Stédile? Sapatênis do MST?

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