Coronel autor de mensagens golpistas nega golpismo e diz que aguardava fala apaziguadora de Bolsonaro

Em depoimento à CPI do 8/1, Jean Lawand Júnior afirma que conversava com Mauro Cid para 'entender situação'

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Brasília

O coronel Jean Lawand Júnior afirmou nesta terça-feira (27) em depoimento à CPI do 8 de janeiro que queria uma mensagem "apaziguadora" do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e não um golpe de Estado contra a vitória de Lula (PT).

Em mensagens com tom golpista apreendidas pela Polícia Federal, Lawand Júnior pediu que o principal ajudante de ordens de Bolsonaro, coronel Mauro Cid, convencesse o então presidente a dar uma "ordem" ao Exército.

À CPI o coronel disse que conversava com Cid apenas para "entender o que estava acontecendo". Segundo ele, "se o presidente supremo [Bolsonaro] desse a ordem para apaziguar o país", o Exército atuaria e "o povo entenderia que não haveria nada" e "retornaria aos seus lares".

"A ideia minha desde o começo era que viesse alguma manifestação para poder apaziguar aquilo, as pessoas voltarem às suas casas e seguirem a vida normal", disse. "O ex-presidente Bolsonaro tinha uma liderança sobre a população, pelo menos sobre seu eleitorado."

O coronel Jean Lawand Junior em depimento na CPI di 8 de janeiro - Gabriela Biló/Folhapress

A relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), rebateu: "O senhor não pode infantilizar essa comissão. Aqui, como se diz no meu Maranhão, o mais besta conseguiu se eleger deputado federal, senador e senadora. As colocações que vossa excelência coloca aqui são totalmente incompatíveis com o conteúdo de mensagem que o senhor próprio escreveu".

No dia 10 de dezembro, o coronel escreveu a Cid: "Se a cúpula do Exército não está com ele [Bolsonaro], de Divisão pra baixo está. Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus". Cid, segundo a PF, respondeu: "Muita coisa acontecendo... Passo a passo...".

Lawand Júnior disse à CPI que sua observação sobre o Exército foi "infeliz", que não tem contato com ninguém do Alto Comando e que está arrependido. Ele pediu desculpas ao Exército e ao povo brasileiro e afirmou que apenas deu sua opinião "no calor do momento".

"Essa colocação minha foi muito infeliz. Eu sou um simples coronel conversando em um grupo de WhatsApp com um amigo, não tinha comandamento, não tinham condições, não tinha motivação para qualquer tipo de golpe. Essa observação minha foi muito infeliz porque eu não tenho contato com ninguém do Alto Comando. Fui infeliz, me arrependo."

Lawand Júnior havia sido designado para representação diplomática do Brasil nos Estados Unidos, mas o Comando do Exército decidiu anular a nomeação após o surgimento do relatório da PF sobre o conteúdo do celular de Mauro Cid.

As mensagens citadas pela PF são do período entre 27 de novembro de 2022 e 4 de janeiro de 2023. Em uma delas, o coronel pede "pelo amor de Deus" para que Bolsonaro dê a ordem para o golpe.

"Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer", disse Lawand em um dos áudios, segundo transcrição da PF.

Em uma das conversas, o coronel Lawand afirma ter se encontrado no acampamento em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, com o general Edson Skora Rosty, subcomandante de Operações Terrestres do Exército à época das mensagens.

"Meu amigo, na saída do QG encontrei bom o Rosty, SCmt COTER. Foi uma conversa longa, mas para resumir, se o EB receber a ordem, cumpre prontamente. De moto próprio o EB nada vai fazer porque será visto como golpe. Então, está nas mãos do PR", escreveu em 2 de dezembro.

O coronel era um dos 12 integrantes de um grupo de WhatsApp com militares da ativa. O grupo é intitulado "Dosssss!!!" e possui, como imagem de perfil, um desenho de dois bonecos, um chutando o outro, com a frase em inglês "cuidado: isso é Esparta" —uma referência ao filme "Os 300 de Esparta".

Questionado pela relatora na CPI, ele afirmou desconhecer o grupo.

"Afirmo aos senhores que em nenhum momento eu falei sobre golpe. Em nenhum momento atentei contra a democracia brasileira. Em nenhum momento eu quis quebrar, destituir, agredir qualquer uma das instituições", disse à comissão.

O coronel recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para não prestar depoimento. A ministra Cármen Lúcia entendeu que ele deveria comparecer à sessão, mas poderia ficar em silêncio para não produzir provas contra si mesmo.

Lawand Júnior foi questionado pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS) sobre o fato de ter ido à CPI de terno e gravata. O coronel respondeu que decidiu não usar a farda militar por iniciativa própria —e não por orientação do Exército.

Também militar da ativa, o general Gustavo Henrique Dutra, ex-chefe do CMP (Comando Militar do Planalto), prestou depoimento à CPI da Câmara Legislativa em maio fardado. O coronel da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Eduardo Naime também estava com a farda da corporação nesta segunda (26).

À imprensa Eliziane Gama defendeu a quebra dos sigilos de Lawand Júnior. A relatora também mencionou Naime, Cid, e o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres. Nesta terça, a CPI definiu que Cid será ouvido na próxima terça (4).

Também nesta terça, o presidente Lula disse que os atos de 8 de janeiro foram uma tentativa de implantar uma ditadura no Brasil e que o país não tem aptidão para autoritarismo.

Lula participou de cerimônia no Palácio do Planalto para o lançamento do Plano Safra 2023/2024. Em determinado momento, como vem acontecendo com frequência em suas falas, passou a criticar a tentativa de acabar com a democracia no país. Dessa vez, no entanto, não citou Bolsonaro.

"Aqui não tem nenhuma criança. Todo mundo aqui é adulto e sabe o que aconteceu nesse país. E esse país não tem aptidão para autoritarismo. Esse país não tem aptidão para voltar a ser ditadura. A nossa geração já derrubou uma, uma vez. E a nossa geração já derrubou outra no dia 8 de janeiro."

"Quem quiser implantar ditadura vá para outro lugar. Porque nesse país a gente apresentou a gostar de democracia. E democracia é a existência na adversidade. E aqui ninguém é obrigado a gostar de ninguém", completou.

Colaboraram Renato Machado e Fábio Serapião, de Brasília

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