Descrição de chapéu Junho, 13-23

Violência policial alavancou Junho de 2013 e pavimentou empoderamento militar

Após truculência da PM incendiar protestos, politização fica exposta sob Bolsonaro e 8/1

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São Paulo

A atuação violenta da Polícia Militar de São Paulo em 13 de junho de 2013 transformou aquela noite em uma das que mudam a história do país.

Dezenas de manifestantes, jornalistas e até pessoas que apenas passavam pela rua foram agredidos por policiais que reprimiam os protestos contra a alta da tarifa do transporte público.

Não foram casos pontuais, como por vezes busca justificar a corporação, mas uma conduta espalhada e vista como uma reação às cenas de agressão contra um PM em uma manifestação dois dias antes.

Casal é agredido pela Polícia Militar na avenida Paulista
Casal é agredido pela Polícia Militar na avenida Paulista - Eduardo Anizelli - 13.jun.13/Folhapress

A truculência policial daquela noite é vista por estudiosos como um dos momentos cruciais das Jornadas de Junho —e de seus impactos nos últimos dez anos.

A violência da PM, avaliam, acabou incendiando os atos e contribuiu para reverter a elevação da tarifa de transporte menos de uma semana depois, além de deixar o establishment político nas cordas.

Nos anos seguintes, ganhariam espaço, especialmente após a ascensão de Jair Bolsonaro (PL), o empoderamento da tropa pavimentado nas Jornadas de Junho e a politização militar —que, por meio da ação ou omissão, acabou influenciando em diferentes momentos a ocupação das ruas.

"Um dos grandes catalisadores de junho foi a atuação da PM, que usou uma força desproporcional e catalisou um sentimento das pessoas de irem para as ruas", diz Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e especializado no acompanhando das polícias.

"Ali você começa uma radicalização maior do país e uma visão de polícia muito politizada, que vai se envolver nos assuntos políticos", completa.

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, afirma que 2013 foi quando ficou claro como a PM tinha um excesso de autonomia.

"Naquele momento, o que a gente percebeu? Quem estava decidindo quem podia estar na rua e quem não podia, quando podia, quando não podia. A margem de discricionariedade das polícias foi muito grande", diz.

Lima afirma que policiais sempre foram recrutados em segmentos mais conservadores, mas que, desde 2013, acabou acentuada a oposição entre a esquerda (protestando contra a corporação) e a direita (exaltando a tropa), misturando as preferências ideológicas na forma de atuação.

As Jornadas de Junho tinham particularidades que dificultavam o trabalho da polícia.

Elas foram comandadas por um grupo sem líderes formais, o MPL (Movimento Passe Livre), e trouxeram às ruas manifestantes mascarados que adotavam a depredação como meio de protesto, tática conhecida como black bloc.

Duas noites antes do dia 13, o soldado da PM Wanderley Paulo Vignoli, que atuava na segurança do Tribunal de Justiça, na região da Sé, cruzou com adeptos da prática. Ele tentou impedir uma pichação e acabou cercado por manifestantes, alguns encapuzados, que o apedrejaram enquanto gritavam "lincha, mata". Com a testa ensanguentada, o agente chegou a sacar a arma.

A imagem ajudou a mudar os humores da tropa.

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PM com rosto sangrando na região da Sé, após ser agredido durante manifestação contra a alta da tarifa - Drago - 11.jun.13/SelvaSP

No protesto seguinte, a PM resolveu impedir que os manifestantes chegassem ao topo da avenida Paulista, disparando tiros de balas de borracha e bombas de gás. No saldo daquela noite, sete jornalistas da Folha acabaram feridos —a repórter Giuliana Vallone foi atingida por uma bala de borracha no olho.

O fotojornalista Sérgio Silva sofreu o mesmo tipo de agressão e acabou cego naquela noite, que também teve entre as imagens marcantes a de um casal agredido fora do protesto, na avenida Paulista.

O comandante-geral da PM na ocasião, coronel Benedito Meira, afirma que a polícia foi pega de surpresa tanto pela magnitude dos eventos impulsionados pelas redes sociais quanto pela tática dos black blocs. No entanto, para ele, a corporação foi aprendendo a lidar com as situações e há um saldo positivo.

"Nós tivemos algum manifestante morto? Nenhum. Tivemos policial morto? Nenhum. Diferente do que acontece em outros países", disse. "Eu entendo como um saldo positivo, apesar dos danos que ocorreram para várias pessoas", citando também policiais que acabaram com sequelas.

Os casos contra os policiais militares suspeitos de abuso não avançaram. Na esfera cível, o poder público não foi responsabilizado.

O fotojornalista moveu uma ação contra o Estado, mas perdeu e teve um recurso negado neste ano pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sob alegação de não há provas de que ele tenha sido atingido mesmo por uma bala de borracha.

O profissional registrava o momento em que a polícia buscava impedir, na rua da Consolação, que manifestantes chegassem à avenida Paulista. Ele se protegeu atrás de uma banca de jornal e, quando saiu, chegou a fotografar as tropas.

"É nesse momento que retomam os tiros, as bombas. Eu fotografando essa tropa perfilada. Quando abaixo a câmera, senti o impacto de um objeto no olho", conta.

Sérgio Silva relata inconformismo com o rumo que a Justiça deu ao caso até agora. "Meu sentimento é de revolta, indignação. Eu não admito ter que ouvir uma decisão dessa sabendo da origem da violência que sofri."

Sérgio Silva, que ficou cego após ser atingido por bala de borracha, em junho de 2013, mostra prótese ocular
Sérgio Silva, que ficou cego após ser atingido por bala de borracha, em junho de 2013 - Arquivo pessoal

O ano seguinte às Jornadas de Junho foi marcado por protestos contra a Copa do Mundo no Brasil, quando, mais uma vez, os black blocs cruzaram o caminho da PM. Dessa vez, a corporação estava com maior estoque de munição não letal e exoesqueletos estilo Robocop.

Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, os gastos com munição química passaram de R$ 15,5 milhões, em 2013, para R$ 26 milhões no ano seguinte, sem contar R$ 2,5 milhões em armas não letais.

Despesas do tipo permanecem altas, e gastos apenas com armas não letais chegam a R$ 20 milhões neste ano.

Vítimas de ações policiais em manifestações se repetiram na última década. Um caso emblemático foi em 2016, quando a estudante Débora Fabri perdeu a visão após ter o olho perfurado por estilhaço de bomba, em um protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Questionamentos à atuação da PM para lidar com aglomerações também se replicaram, como na que culminou na morte de nove jovens durante um baile funk em 2019, na favela de Paraisópolis (zona sul). As vítimas morreram pisoteadas e asfixiadas após policiais darem golpes de cassetetes e utilizarem munição química contra a multidão.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo afirma que, em 2013, a PM "agiu para conter pessoas que cometeram atos de vandalismo e danos ao patrimônio público e privado".

Segundo a pasta, a PM possui técnicas que priorizam a mediação e liberdade de livre manifestação e, só nos últimos 17 meses, "atuou para proteger as pessoas e preservar a ordem pública" em 4.372 manifestações.

Em 2018, a eleição de Jair Bolsonaro se torna um novo marco para o empoderamento e a politização de policiais, com o aumento de protagonismo do segmento e o bolsonarismo crescendo nas fileiras.

Neste ano, na Câmara dos Deputados, o número de membros de forças de segurança eleitos aumentou 35,7% —quase metade do PL, partido de Bolsonaro.

Em janeiro de 2023, quando golpistas invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes, em Brasília, o episódio ficou marcado por críticas à omissão da Polícia Militar do Distrito Federal.

"A ação da polícia não se dá só por ela agir, mas por ela se omitir também", afirma Renato Sérgio de Lima.

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