Descrição de chapéu Junho, 13-23

Política pós-junho de 2013 teve Lava Jato, impeachment, bolsonarismo e golpismo; relembre

Protestos contra aumento das tarifas de transporte abriram espaço para divisão e radicalização política

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São Paulo

As Jornadas de Junho de 2013 prepararam terreno para uma série de outros grandes eventos no cenário político nacional, como a queda da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, a polarização acentuada desde o impeachment da petista e, em 2018, a eleição de Jair Bolsonaro (PL).

Convocado em São Paulo pelo MPL (Movimento Passe Livre), o primeiro grande ato contra o reajuste do preço das passagens desencadeou uma sequência de manifestações que abalaram o país. A bandeira inicial acabou atropelada por outras pautas políticas, tanto progressistas quanto conservadoras, culminando em protestos "contra tudo".

Manifestantes queimam objetos, no Rio de Janeiro, em confronto com a Polícia Militar na Assembleia Legislativa do estado, durante os protestos contra o aumento das passagens
Manifestantes queimam objetos, no Rio de Janeiro, em confronto com a Polícia Militar na Assembleia Legislativa do estado, durante os protestos contra o aumento das passagens - Daniel Marenco - 17.jun.13/Folhapress

Dali em diante, o resultado dos atos tornou-se visível nas urnas, com o acirramento das disputas nacionais e o antipetismo, alimentado pela crise econômica sob o segundo mandato de Dilma. A sociedade também presenciou novos protestos, greves de caminhoneiros e, mais recentemente, um ataque golpista contra os três Poderes, em 8 de janeiro.

Veja os principais momentos da política brasileira pós-junho de 2013:

A Copa no alvo

Manifestantes protestam contra a realização da Copa do Mundo de 2014, no Rio de Janeiro; eles alegam uso expressivo de dinheiro público para obras em estádios e arenas, e pedem maiores investimentos em educação e saúde
Manifestantes protestam contra a realização da Copa do Mundo de 2014, no Rio de Janeiro; eles alegam uso expressivo de dinheiro público para obras em estádios e arenas, e pedem maiores investimentos em educação e saúde - Eduardo Knapp - 30.jun.13/Folhapress

As manifestações contra a Copa do Mundo de 2014 já apareceram em junho de 2013, quando se realizava no país a Copa das Confederações. Os manifestantes reclamavam dos altos gastos públicos com o evento e da falta de infraestrutura no país.

Os atos se intensificaram à medida que a data do Mundial se aproximava. A um mês do primeiro jogo, houve convocação de protestos em cerca de 50 cidades brasileiras.

Divisão no pleito de 2014

A então presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT) e seu adversário no pleito de 2014, Aécio Neves (PSDB), minutos antes do último debate presidencial para o segundo turno, na Rede Globo
A então presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), e seu adversário no pleito de 2014, Aécio Neves (PSDB), minutos antes do último debate presidencial para o segundo turno, na Rede Globo - Ricardo Moraes - 24.out.14/Reuters

As eleições de 2014 foram, até aquela data, as mais apertadas desde 1989, quando Fernando Collor de Mello (então no PRN) venceu Lula (PT) por 4 milhões de votos.

De um lado, Dilma tentava se manter no cargo apesar do rescaldo de junho de 2013 —a avaliação do governo chegou a cair 27 pontos três semanas após os protestos. Contribuíam para o clima antipetista o baixo desempenho econômico e as denúncias de corrupção na Petrobras. Do outro lado, estava o então senador mineiro Aécio Neves (PSDB), que foi ao segundo turno após ultrapassar Marina Silva (à época no PSB).

A corrupção foi o tema de maior agressividade na segunda rodada do pleito. A petista foi reeleita, com 51,6% dos votos válidos, e assumiu o novo mandato sob a pressão de reunificar o país.

Lava (e Vaza) Jato

Outro ponto intensificador da crise política brasileira foi a Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014. As investigações revelaram o desvio de recursos da Petrobras a partir do superfaturamento de contratos e o consequente pagamento de propinas a empresas, partidos e políticos.

A operação levou à prisão empresários e políticos graúdos, incluindo ex-governadores (como Sérgio Cabral, do Rio, e Beto Richa, do Paraná) e o então ex-presidente Lula, em abril de 2018, após condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP).

A Lava Jato entrou em xeque após vazamento de diálogos que expuseram métodos controversos da força-tarefa e que envolveram, entre outros, o então juiz Sergio Moro e o então procurador Deltan Dallagnol. As mensagens foram obtidas pelo The Intercept Brasil e publicadas por veículos como a Folha, em 2019.

Após ficar 580 dias na prisão, Lula foi solto pela reinterpretação do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre prisão após condenação em segunda instância, e suas condenações foram anuladas, depois de a corte decidir que os casos não eram de competência da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Ruas contra Dilma

Protesto pediu impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) em Brasilia, com uma marcha até o Congresso Nacional
Protesto pediu impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) em Brasilia, com uma marcha até o Congresso Nacional - Pedro Ladeira - 13.dez.15/Folhapress

Confirmando as expectativas econômicas, 2015 teve um conjunto de ajustes fiscais impopulares, e a recessão econômica fez derreter o apoio a Dilma na opinião pública.

Vários protestos irromperam pedindo a saída da então presidente. Panelaços pelo país se tornaram uma marca em pronunciamentos da petista, que acumulou 68 pedidos de impeachment.

Após ter recebido votação favorável do PT a um pedido de cassação de seu mandato por envolvimento em esquemas de corrupção da Petrobras, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decidiu abrir o processo de impedimento por crime de responsabilidade fiscal.

Junho, 13-23

Série de reportagens discute o legado dos protestos de junho de 2013

Impeachment e antipetismo em 2016

Enquanto a situação econômica piorava e parte da população pressionava pela saída de Dilma do cargo, o apoio político à petista se dissipava. Partidos desembarcavam da base e o governo foi perdendo capacidade de conter o processo de impeachment.

A última cartada da petista foi inserir o ex-presidente Lula no primeiro escalão —ela tentou nomeá-lo para a chefia da Casa Civil, mas a indicação foi barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF. O impeachment prosseguiu, e foi aprovado na Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2016.

O Senado decidiu pelo afastamento dela no dia 12 de maio, quando assumiu Michel Temer (MDB). Após se defender, três meses depois, Dilma foi definitivamente removida do Planalto em 31 de agosto.

Caminhoneiros em greve

Já sob Temer, a política de preços da Petrobras foi alterada, com ajustes conforme a flutuação do valor do barril de petróleo no mercado internacional, o que levou a altas da gasolina e do diesel em 2018.

A disparada, atrelada à carga tributária nos combustíveis e à consequente queda nos ganhos, provocou a paralisação de milhares de caminhoneiros em maio. Pelo menos 17 estados registraram manifestações com bloqueios de rodovias no primeiro dia, em 18 de maio, com pedidos ainda de redução da carga tributária para o diesel e isenção da Cide.

Ao longo de 11 dias, o país flertou com o caos, em meio a cenas de desabastecimento em supermercados e postos, cancelamento de voos e agressões a motoristas que rompiam as barricadas. A crise derrubou as projeções do PIB daquele ano, que subiu 1,3%, bem abaixo da expectativa de 2,7%.

O governo fez várias rodadas de negociação com entidades representativas do setor e tomou medidas como a redução do preço do diesel na bomba. Como pistas continuavam bloqueadas, emitiu um decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que foi desmobilizando os manifestantes até o fim do movimento.

Facada e vitória de Bolsonaro em 2018

O então candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, foi retirado por seguranças do local onde fazia campanha, em Juiz de Fora, após ser atingido por uma facada
O então candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, foi retirado por seguranças do local onde fazia campanha, em Juiz de Fora, após ser atingido por uma facada - Raysa Leite - 6.set.18/AFP

O ano de 2018 já prometia um pleito acirrado após o impeachment de Dilma e a impopularidade de Temer, mas a prisão de Lula e o atentado ao então candidato ao Planalto Jair Bolsonaro (à época, no PSL) aumentaram ainda mais a tensão.

Em ato de campanha em Juiz de Fora (MG), o presidenciável foi vítima de uma facada desferida por Adélio Bispo de Oliveira, um detrator, na região do abdômen. Bolsonaro precisou passar por uma série de cirurgias. Em recuperação, não participou de debates e de outras passeatas até a eleição.

A facada desorganizou a estratégia de seus adversários. Encarnando o sentimento antipetista em um segundo turno contra Fernando Haddad (PT), ele venceu a eleição, colocando a direita no poder após quatro eleições seguidas vencidas por petistas.

Tucanos desidratados

Junto de João Doria (PSDB), o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e a então senadora Ana Amélia (PP-RS) são confirmados candidatos à Presidência e Vice-presidência, respectivamente, na convenção nacional do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), em Brasília
Junto de João Doria (PSDB), o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e a então senadora Ana Amélia (PP-RS) são confirmados candidatos à Presidência e Vice-presidência, respectivamente, na convenção nacional do PSDB, em Brasília - Pedro Ladeira - 4.ago.18/Folhapress

O pleito de 2018 também expôs outro fenômeno: a perda de protagonismo nacional do PSDB como sigla de centro-direita. Se desde 2002, após o mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, a legenda conseguiu emplacar candidatos em todos os segundos turnos nacionais, em 2018 Geraldo Alckmin amargou o quarto lugar, com 4,76% dos votos.

João Doria, outsider que surpreendeu na disputa à Prefeitura de São Paulo em 2016 e chegou ao governo do estado em 2018, despontou como uma das opções do partido para manter-se relevante em 2022, travando competição interna com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

Apesar de o paulista ter vencido as prévias tucanas, sua candidatura não vingou em razão de dissidências, falta de alianças e disputas no tucanato. Doria, então, desistiu de pleitear a Presidência em 2022, e o PSDB declarou apoio a Simone Tebet (MDB), que terminou o primeiro turno em terceiro lugar. No fim de 2022, Doria anunciou sua saída do PSDB. Alckmin, por sua vez, ingressou no PSB.

Bolsonaro na pandemia, impeachment na gaveta

Manifestantes durante ato contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na avenida Paulista, em São Paulo, pedem seu afastamento, citando o comportamento do então mandatário na pandemia de Covid-19, o aumento da pobreza e os índices de desmatamento na Amazônia
Manifestantes durante ato contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na avenida Paulista, em São Paulo, pedem seu afastamento, citando o comportamento do então mandatário na pandemia de Covid-19, o aumento da pobreza e os índices de desmatamento na Amazônia - Bruno Santos - 24.jul.21/Folhapress

Marcadas pela pandemia de Covid-19, as eleições de 2020 foram descritas como uma resposta do eleitor à gestão pública da crise sanitária, com a derrota da maioria dos candidatos apoiados por Jair Bolsonaro, que assumiu postura negacionista na crise do coronavírus.

Em 2021, manifestantes foram às ruas pedindo a saída de Bolsonaro do Planalto, impulsionados pelo comportamento do então mandatário na pandemia e pelas denúncias de corrupção na compra de vacinas —expostas na CPI sobre o caso aberta pelo Senado.

Apesar da pressão popular, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), optou por não analisar os mais de 150 requerimentos que pediam impeachment de Bolsonaro.

Eleições 2022, tensão e atos antidemocráticos

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no debate da TV Globo - Reprodução/TV Globo

Jair Bolsonaro provocou tensão entre Poderes no comando da Presidência, com seguidas insinuações golpistas, ataques ao STF e acenos às Forças Armadas.

Ao disputar a reeleição contra Lula, Bolsonaro tentou a descredibilização do sistema eleitoral e das urnas eletrônicas, e a disputa presidencial de 2022 ocorreu sob clima de radicalização. Casos de violência se espalharam pelo Brasil.

Lula saiu vitorioso, e Bolsonaro tornou-se o primeiro presidente desde a instituição da reeleição a não conseguir se manter no posto. O resultado foi o mais apertado (50,9% a 49,1%) da história brasileira desde a redemocratização.

Bolsonaristas não aceitaram o resultado e passaram a promover atos antidemocráticos: caminhoneiros bloquearam rodovias e manifestantes se acamparam em frente a quartéis do Exército pedindo golpe.

8 de janeiro de 2023

Atos golpistas eclodiram em Brasília no dia 8 de janeiro, quando vândalos invadiram a praça dos Três Poderes e depredaram os prédios do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

A invasão de bolsonaristas, ocorrida uma semana após a posse de Lula, ainda reverbera no cenário político do país, com a instalação de uma CPI mista para investigar os atos, além de denúncias ao STF contra mais de mil acusados e operações da PF para prender executores, financiadores e mentores dos crimes.

Veja cronologia das Jornadas de Junho de 2013:

Aumento das tarifas e 'Revolta do Busão' (ago.12 a mai.13)
Antes dos protestos de junho de 2013, algumas capitais registraram manifestações contra as altas das tarifas de transporte, como Natal, com o movimento "Revolta do Busão", Rio de Janeiro, com o "Fórum de Lutas contra o Aumento das Passagens", e Porto Alegre, com a criação da "Frente Contra o Aumento"

20 centavos e Passe Livre em SP (6.jun.13)
Inspirados em Porto Alegre, o Movimento Passe Livre promove ato contra o aumento da tarifa de R$ 3 para R$ 3,20 em São Paulo, reunindo inicialmente cerca de 2.000 manifestantes. A presença de black blocs e a truculência da PM ampliaram a repercussão dos atos

Não vai ter Copa? (15.jun.13)
No dia da abertura da Copa das Confederações, em Brasília, houve ato contra os gastos para a Copa do Mundo de 2014. Os protestos passam a perder a marca de serem apenas contra os reajustes das tarifas. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro registram manifestações com amplo confronto entre policiais e manifestantes

Revogação dos aumentos (19.jun.13)
Após a sequência de manifestações ocorridas em SP e no Rio, ambos os governos anunciam, no mesmo dia, a revogação do aumento das tarifas de transporte público. As iniciativas, porém, não foram suficientes para esvaziar os atos, agora com pautas mais difusas

"O gigante acordou" (20.jun.13)
O ápice das jornadas de junho foi atingido no dia 20, quando mais de 1,2 milhão de pessoas, segundo estimativas policiais, se juntaram em mais de cem cidades brasileiras. A maioria das passeatas foi pacífica, mas houve confrontos com a polícia em várias cidades, como Rio, Brasília e São Paulo

Pronunciamento de Dilma (21.jun.13)
Após o maior dia de manifestações do mês, a então presidente Dilma Rousseff fez um pronunciamento de cerca de dez minutos, prometendo conversar com prefeitos e governadores para a criação de um pacto para melhoria dos serviços públicos. Ela disse ser favorável às reivindicações e protestos, mas criticou o vandalismo

Pactos nacionais e propostas (24.jun.13)
Após reuniões com governadores e prefeitos, Dilma apresentou cinco pactos para o país. Foram abordadas a manutenção da responsabilidade fiscal, investimentos em saúde, aumento dos gastos em transporte público, valorização da educação e reforma política

Movimentos perdem fôlego, Brasil campeão (30.jun.13)
Neste momento de junho, os protestos já tinham perdido força. A seleção brasileira venceu a Espanha por 3 a 0 e tornou-se tetracampeã da Copa das Confederações, no Maracanã. Do lado de fora do estádio, houve tumulto de um ato que se iniciou na Tijuca, na zona norte do Rio.

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