Abin diz à CPI do 8/1 que alertou sobre militares radicais antes de posse de Lula

Agência cita relatório de dezembro sobre grupo extremista em acampamento golpista

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Brasília

Relatório elaborado pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em 27 de dezembro de 2022 alertou sobre a presença de um grupo extremista composto por militares da reserva no acampamento bolsonarista montado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.

O documento descreve a atuação dos chamados "Boinas Vermelhas" ou "paraquedistas", grupo sem nome oficial nem estrutura centralizada cujos membros, segundo a agência, "se identificam como militares da reserva das Brigadas de Infantaria Paraquedista do Exército Brasileiro (EB)".

O relatório de inteligência foi enviado à CPI do 8 de janeiro e obtido pela Folha.

"Embora seus integrantes sejam chamados de 'Boinas Vermelhas' ou 'paraquedistas', o grupo não tem nome oficial ou estrutura centralizada, sendo composto por reservistas autônomos que compartilham posição político-ideológica semelhante, discurso radical de deslegitimação do Estado de Direito e propensão à ação violenta", diz o relatório.

"Seus membros expressam discurso de ruptura constitucional e demonstram disposição para envolvimento em ações violentas. Além disso, cultivam imagens de prontidão de que aguardam uma suposta ordem presidencial que os acionem", afirma a Abin em outro trecho.

Bolsonaristas radicais quebraram vidraças do Palácio do Planalto para invadir o prédio - Gabriela Biló-8.jan.23/Folhapress

Segundo o documento, o relatório de inteligência foi entregue ao Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro (PL) —chefiado à época por Anderson Torres—, à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, e ao gabinete de transição.

Os agentes de inteligência apontaram que a presença do grupo extremista em Brasília aumentava o risco de ações violentas na posse de Lula (PT), em 1º de janeiro.

Menos de duas semanas antes dos ataques golpistas de 8 de janeiro, a Abin também escreveu que os Boinas Vermelhas tinham "capacidade, motivação e meios" para planejar, executar ou dar suporte a atos violentos.

"A presença do grupo na capital federal eleva o risco de ocorrência de ação violenta com potencial de impactar a posse do presidente eleito. Avalia-se que o grupo tenha capacidade, motivação e meios para planejar, executar ou prestar suporte a um ato extremista violento", afirmou o relatório.

"Ademais, pode atuar como indutor de atos de vandalismo e obter a adesão de participantes da ocupação que originalmente não demonstravam propensão à violência", completou.

Segundo a Abin, os militares já haviam participado de outras manifestações violentas ou com ataques às instituições. Os paraquedistas estavam nas proximidades da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula, em 12 de dezembro, quando bolsonaristas tentaram invadir o órgão. Os mesmos militares também teriam participado de atos golpistas em 7 de Setembro de 2021.

"Os Boinas Vermelhas já estiveram presentes em outras manifestações em Brasília. No feriado do Dia da Independência em 2021 e nos dias que se seguiram, o grupo incitou manifestantes à desordem e promoveu tentativas de ultrapassar barreiras de contenção montadas por forças policiais na Esplanada dos Ministérios", afirma o relatório.

Segundo os agentes de inteligência, os militares buscavam assumir a liderança de manifestações e chegaram a mediar a comunicação dos bolsonaristas com forças de segurança do governo federal e do Governo do DF.

A Abin identificou oito membros do grupo. Um dos líderes dos Boinas Vermelhas é o militar da reserva Marcelo Soares Corrêa, conhecido como Cabo Corrêa, segundo o relatório entregue ao Congresso.

Corrêa celebrou os atos golpistas em vídeo gravado durante a invasão do Congresso. "Dessa vez vai", disse ele, enquanto filmava a entrada dos bolsonaristas.

O paraquedista da reserva afirmou à Folha que defendeu o acampamento e manifestações contra Lula, mas que não apoiou atos violentos no 8 de janeiro nem estocou combustível em frente ao QG do Exército.

"Quando eu cheguei, que vi tudo quebrado, dei as costas e fui embora", disse ele.

Apesar de afirmar que se opõe a atos violentos e antidemocráticos, o militar já convocou reservistas para "livrar a nossa nação do STF, Congresso e Senado", em vídeo de 2021, e defendeu uma intervenção militar para impedir a posse de Lula, após as eleições do ano seguinte.

Corrêa tentou concorrer a deputado federal pelo Rio, em 2022, pelo PMB (Partido da Mulher Brasileira), com nome na urna Cabo Corrêa Mourão.

Ele afirma que é amigo do ex-vice-presidente e atual senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS). "Ele sabe que também não concordo [com os atos violentos]", disse Corrêa.

Mourão chegou a gravar vídeo pedindo voto ao militar para as eleições de 2022. Procurado, o senador não se manifestou.

O deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA) apresentou um pedido à CPI do 8 de janeiro para convocar Corrêa para depoimento sobre os atos golpistas.

O documento da Abin ainda afirma que o grupo de militares da reserva não demonstrava ter "muitos recursos para financiamento". Os agentes de inteligência apontam que os militares teriam usado imóveis emprestados na capital federal antes de se unir ao acampamento.

Outra liderança dos extremistas é Ricardo Arruda Labatut Rodrigues, conhecido como Coronel Labatut, diz a Abin. A reportagem não conseguiu contato com Rodrigues.

Os agentes de inteligência afirmaram ainda que parte dos militares da reserva manteve contato com membros do movimento radical Ucraniza Brasil.

"O Ucraniza Brasil foi criado no início de 2021 com o objetivo formar resistência civil contra o Estado por meio da formação de unidades paramilitares. O movimento atualmente apresenta baixo nível de mobilização para participação em manifestações sociais, mas chegou a montar acampamentos em São Paulo e em Brasília", disse a Abin em dezembro.

A Secretaria de Segurança Pública do governo Ibaneis Rocha (MDB) disse à reportagem que "todos os fatos relacionados à operação do dia 8 de janeiro de 2023 estão em processo de apuração", e que não comenta investigações em curso.

Ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do DF em duas passagens —inclusive no dia 8 de janeiro—, Anderson Torres foi preso no dia 10 de janeiro e colocado em liberdade provisória em 11 de maio.

O Palácio do Planalto foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a conclusão deste texto.

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