Força Nacional alertou para violência no 8/1 em relatório mantido em sigilo pelo governo

Existência de documento é conhecida desde janeiro, mas diferentes autoridades afirmaram à Folha desconhecer teor

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Brasília

Um relatório de inteligência produzido pela Força Nacional de Segurança Pública em 5 de janeiro alertou sobre a possibilidade de atos violentos em Brasília contra o resultado das eleições por parte de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).

O documento afirmou que havia preparativos em curso para um atentado contra as instituições no dia 8 de janeiro (inclusive com o uso de armas de fogo e explosivos artesanais) e sugeriu a existência de uma "associação extremista criminosa com motivações político-ideológicas".

Golpistas na praça dos Três Poderes em 8 de janeiro - Pedro Ladeira-8.jan.23/Folhapress

O relatório listou uma série de mensagens trocadas em um grupo de WhatsApp com 237 integrantes chamado "Rifas tiro e pesca", e concluiu: "Alguns membros mais exaltados podem vir a concretizar o que planejam e manifestam em suas postagens".

"No grupo em discussão, percebemos vários diálogos onde integrantes instigam os demais a participarem de um ato que ocorrerá em Brasília no próximo dia 08 de janeiro do corrente ano, não de forma pacífica, mas com o uso de violência mediante a utilização de armas de fogo, bem como explosivos artesanais", disse o texto.

Na conversa, os participantes —a maioria CACs, grupo beneficiado pela política armamentista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)— reclamaram de medidas anunciadas pelo governo Lula (PT) para endurecer o acesso a armas, trocaram informações sobre a fabricação de armamentos, e se organizaram para uma ação violenta na capital do país.

"No informe apresentado, em sua grande maioria, os membros do grupo mostram insatisfação com a nova Administração Federal e com as medidas tomadas recentemente, que mudaram as regras de posse e porte de armas em todo o território nacional", afirmou o relatório.

"Por esse motivo, alguns membros supostamente fizeram postagens que mencionam fazer a fabricação e uso de explosivos em manifestações que estão sendo planejadas, segundo os mesmos, para acontecer em Brasília", concluiu.

A existência do relatório de inteligência da Força Nacional é conhecida desde janeiro, mas, desde então, diferentes autoridades questionadas pela Folha afirmaram desconhecer o teor do documento.

A CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal pediu cópia do relatório no início das investigações, sem sucesso. Em maio, a Folha solicitou a íntegra via LAI (Lei de Acesso à Informação), mas a Força Nacional respondeu que o documento estava sob sigilo e negou o acesso.

A lista de destinatários do documento indicou que uma cópia foi entregue ao diretor da Força Nacional de Segurança Pública e à Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça, mas não citou nomes.

Questionado, o ministério afirmou que quem respondia pelos órgãos na data, respectivamente, eram os delegados Ivair Matos Santos e Tomás de Almeida Viana.

A pasta destacou que Tomás era "oriundo da antiga gestão" e estava à frente da Diretoria de Inteligência no lugar da antiga titular, Marília Alencar —braço direito de Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro. Marília acompanhou Torres de volta à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal após a vitória de Lula e era responsável pela inteligência da pasta no dia 8 de janeiro.

Até o final do governo Bolsonaro, a Força Nacional estava sob o comando do coronel José Américo Gaia, hoje secretário de Segurança Pública do Acre. Ele foi exonerado em 2 de janeiro. O diretor atual, Fernando Alencar Medeiros, só foi nomeado no dia 9, após os atentados golpistas.

Já a Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça, àquela altura, estava sendo transformada em Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência. A organização atual do ministério passou a valer no dia 24 de janeiro. Por isso, autoridades relatam que, nos primeiros dias do ano, o organograma estava sendo reformulado e muitos cargos continuavam vagos.

Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que não é possível saber o que foi feito a partir do relatório. A pasta disse que o documento foi entregue à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, a quem compete o policiamento da Esplanada dos Ministérios.

"Pelas informações levantadas, não há registros na DIOPI [Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência] que permitam saber que providências foram adotadas na então Diretoria de Inteligência a partir da recepção desse relatório. O envio para a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal decorre do fato de este ser o órgão competente legalmente para o policiamento ostensivo da Esplanada dos Ministérios."

O documento da Força Nacional de Segurança Pública é um dos únicos relatórios de inteligência produzidos sobre o risco de ataques em 8 de janeiro, já que a própria Abin (Agência Brasileira de Inteligência) admite ter enviado apenas "alertas" de inteligência por WhatsApp.

Além do documento da Força Nacional, só há registro do relatório produzido pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal dois dias antes do episódio. O teor do texto foi revelado pela Folha em 14 de janeiro.

Em um memorando de 25 de janeiro, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal também afirmou ter recebido do próprio Ministério da Justiça o documento da Força Nacional. A secretaria disse que esse foi o único relatório de inteligência anterior ao dia 8.

Apesar de a segurança da Esplanada dos Ministérios ser de responsabilidade do Governo do Distrito Federal, a oposição pressiona pela convocação do diretor substituto da Força Nacional e do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), na CPI do 8 de janeiro.

Dino colocou os homens à disposição do governador Ibaneis Rocha (MDB) na véspera dos ataques, mas eles só foram acionados no próprio dia 8, quando o Congresso, o Palácio do Planalto e o STF (Supremo Tribunal Federal) já tinham sido invadidos e depredados.

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