PF faz buscas em investigação que mira Juscelino Filho; irmã de ministro de Lula é alvo

Valores desviados têm origem em emendas do ministro das Comunicações, que nega irregularidades

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Brasília

A Polícia Federal cumpriu na manhã desta sexta-feira (1º) mandados de busca e apreensão em uma investigação que mira o ministro das Comunicações do governo Lula (PT), Juscelino Filho (União Brasil-MA).

Um dos alvos da busca foi Luanna Resende, irmã de Juscelino e prefeita de Vitorino Freire (MA). Ela acabou sendo afastada do cargo por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal).

A PF chegou a pedir buscas contra Juscelino, mas Barroso negou a solicitação. O juiz do Supremo, porém, determinou o bloqueio de bens do ministro de Lula e de outros dez suspeitos, no valor individual de até R$ 835,8 mil. O valor corresponde ao prejuízo causado pelas supostas irregularidades.

A investigação mira obras da construtora Construservice contratadas pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e bancadas com dinheiro de emendas parlamentares de Juscelino Filho.

As investigações da PF sobre a atuação da Construservice em contratos da Codevasf tiveram origem em reportagens da Folha publicadas em maio de 2022. O jornal revelou que a empreiteira havia obtido a vice-liderança em licitações da estatal apesar dos indícios de crimes contra o seu suposto dono de fato, o empresário Eduardo José Costa Barros —também conhecido como Eduardo Imperador ou Eduardo DP. Ele chegou a ser preso nas primeiras fases da investigação, mas foi solto posteriormente.

Antes disso, a PF já investigava suspeitas de um esquema de Eduardo DP com verbas do Ministério da Educação, mas com base nas reportagens da Folha deflagrou, em julho do ano passado, a primeira fase da operação Odoacro, com foco na Codevasf.

Presidente Lula (PT) com Juscelino Filho, miistro das Comunicaçoes e alvo de investigação da PF
Presidente Lula (PT) com Juscelino Filho, miistro das Comunicaçoes e alvo de investigação da PF - Ricardo Stuckert / Divulgaçao

O pedido de busca contra o ministro de Lula —negado por Barroso— foi feito com base em suspeita de que Juscelino teria se beneficiado de um esquema de desvio de verba de emendas parlamentares.

A PF afirma que Eduardo DP realizou pagamento a uma empresa de fachada de Juscelino Filho.

O recurso, cujo valor não é detalhado em decisão judicial, foi repassado para a empresa Arco Construções e Incorporações, que não tem o ministro entre os sócios formais, mas "faticamente pertence a Juscelino Filho", segundo a PF.

Segundo a apuração, os recursos indicados por Juscelino foram usados em contratos com a Construservice para obras em Vitorino Freire. A empresa teria sido contratada em editais fraudados.

"Em contrapartida, Juscelino Filho obtém vantagens indevidas não somente por meio de obras de pavimentação asfáltica que beneficiam as suas propriedades, mas também através de transferências bancárias realizadas diretamente para intermediários e para a sua empresa de fachada", afirma a investigação.

Para indeferir o pedido da PF, Barroso citou possível dano irreversível caso o "comportamento delituoso" atribuído a Juscelino não venha a ser confirmado.

"Indefiro por ora a apreensão de aparelhos celulares e notebooks, ponderando, de um lado, os indícios até aqui existentes e de outro o impacto institucional de tal medida, cujo dano poderá ser irreversível, caso ao final não seja apurado o comportamento delituoso", decidiu Barroso.

A Codevasf, entregue pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a partidos do centrão em troca de apoio político e mantida dessa forma agora pelo governo Lula, cresceu em contratos no governo anterior e expandiu seu foco e sua área de atuação.

Ao mesmo tempo, a estatal se transformou num dos principais instrumentos para escoar a verba recorde das emendas, distribuídas a deputados e senadores com base em critérios políticos e que dão sustentação ao governo no Congresso —tanto sob Bolsonaro como sob Lula.

A operação desta sexta, segundo a PF, visa "desarticular organização criminosa estruturada para promover fraudes licitatórias, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro", envolvendo verbas federais da Codevasf.

Foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão nos municípios de São Luís, Vitorino Freire e Bacabal, todos no Maranhão. A investigação, iniciada em 2021, teve a sua primeira fase deflagrada em julho de 2022 e a segunda em outubro do mesmo ano.

A fase atual, segundo a PF, "alcança o núcleo público da organização criminosa, após se rastrear a indicação e o desvio de emendas parlamentares destinadas à pavimentação asfáltica de um município maranhense".

Se confirmadas as suspeitas, segue a nota da Polícia Federal, "os investigados poderão responder por fraude a licitação, lavagem de capitais, organização criminosa, peculato, corrupção ativa e corrupção passiva".

A PF afirma também que propriedades rurais de Juscelino foram diretamente beneficiadas pelos trechos escolhidos para obras realizadas por meio de emendas do ministro. As obras próximas das fazendas foram reveladas pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Como mostrou a Folha, ao menos R$ 42 milhões indicados por Juscelino irrigaram contratos com empreiteiras que estão no centro de suspeitas de irregularidades em obras da Codevasf.

Desse total, R$ 19,3 milhões empenhados a partir de verbas direcionadas por Juscelino para obras em diversos municípios do Maranhão foram para contratos com a Construservice.

A construtora, como revelou a Folha, chegou a aparecer como a vice-líder em licitações da estatal federal Codevasf e utilizou laranjas para participar de concorrências públicas na gestão Bolsonaro.

Com sede em Codó (a 300 km de São Luís), desde 2019 ela já teve empenhados pelo governo federal ao menos R$ 140 milhões. Todos os contratos da empreiteira com a administração federal haviam sido firmados após 2019, ou seja, no governo Bolsonaro.

As duas pessoas registradas oficialmente como donas da empresa são as mesmas que, em 2015, foram ouvidas em uma investigação policial e admitiram que foram chamadas para constar formalmente como sócias na construtora, embora não mantivessem nenhuma ligação pessoal ou empresarial entre elas.

Os convites, dizem os sócios laranjas, partiram de Eduardo DP.

A Polícia Federal suspeita que tem origem na Codevasf um esquema de fraude em licitações com verba federal para beneficiar a Construservice. Os investigadores levantam a hipótese de que as licitações são apenas meios de formalizar o direcionamento da verba à empresa.

Ministro nega irregularidades, e Codevasf diz que colabora com investigações

Em nota, os advogados do ministro negam irregularidades com uso de emendas.

"Toda atuação de Juscelino Filho, como parlamentar e ministro, tem sido pautada pelo interesse público e atendimento da população", diz nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.

"É importante ressaltar que Juscelino Filho não foi alvo de buscas e que o inquérito servirá justamente para esclarecer os fatos e demonstrar que não houve qualquer irregularidade. Emendas parlamentares, vale dizer, são instrumentos legítimos e democráticos do Congresso Nacional e Juscelino Filho segue à disposição, como sempre esteve, para prestar esclarecimentos às autoridades", completa.

A Codevasf, por sua vez, afirmou em nota que colabora com as apurações e demitiu um funcionário suspeito de envolvimento no caso.

A estatal disse que "mantém compromisso com a elucidação dos fatos e com a integridade de suas ações — e continuará a prover suporte integral ao trabalho das autoridades policiais e da Justiça".

"No âmbito de apurações internas relacionadas às operações, a Codevasf demitiu um funcionário no mês de agosto após a conclusão de processo conduzido por sua Corregedoria", completa.

Em nota, os advogados Daniel Leite e Tharick Ferreira, que defendem a Construservice, negaram irregularidades e disseram que a empresa está à disposição das autoridades. Eles também disseram que o inquérito policial "se encontra em fase inicial" e mostra apenas "alegados indícios sobre os quais sequer foi ouvida anteriormente".

Os mesmos advogados defendem Eduardo DP. Eles afirmaram que o empresário, que não foi alvo da operação desta sexta-feira (1), também está à disposição das autoridades.

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