Boulos diz repudiar ação em Israel após fala ambígua que o fez perder aliado

Em discurso no plenário da Câmara, deputado critica 'fake news eleitoreiras' e diz repudiar assassinatos de civis pelo Hamas

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São Paulo

Guilherme Boulos (PSOL) pediu a palavra na Câmara dos Deputados na tarde desta terça-feira (10) para um discurso em que citou o grupo terrorista Hamas após perder um aliado na pré-campanha da candidatura à Prefeitura de São Paulo em 2024. Ele também acusou rivais de espalharem fake news a seu respeito.

"Diante da situação trágica que nós estamos acompanhando no Oriente Médio, eu queria aqui me solidarizar com todos os familiares das vítimas dos ataques propagados pelo Hamas. Nada justifica o assassinato de civis inocentes", iniciou Boulos, que em posicionamento anterior não citou o grupo extremista, que assumiu a autoria dos ataques contra Israel responsáveis por detonar a atual crise.

"E é importante lembrar que o Hamas não representa o conjunto do povo palestino", acrescentou, para em seguida condenar também o lado israelense, com o uso da força contra palestinos.

Guilherme Boulos durante entrevista em SP - Marlene Bergamo-28.ago.23/Folhapress

"Quero aqui me solidarizar também com todas as vítimas dos ataques feitos pelo governo de extrema direita de Binyamin Netanyahu, que, com a sua atitude de violência contra os palestinos nos últimos anos e descumprimento dos acordos internacionais, só agravou o conflito."

Após o primeiro pronunciamento sobre o conflito, no domingo (8), Boulos sofreu desgaste com a decisão do ex-secretário estadual de Saúde Jean Gorinchteyn, da gestão João Doria (ex-PSDB), de sair do comando das discussões sobre a área de saúde no futuro plano de governo do psolista.

Gorinchteyn, que é judeu e apoia Israel, resolveu abandonar a atividade "diante da postura pró-Palestina que não menciona ou condena o grupo extremista islâmico armado Hamas pelos atentados terroristas em Israel", como justificou em nota. A repercussão foi prejudicial.

Na equipe de Boulos, houve o diagnóstico de que seria positivo fazer um novo pronunciamento para desfazer ambiguidades pela ausência de menção ao Hamas. Também Lula, em sua manifestação inicial sobre os ataques terroristas, deixou de fazer referência ao grupo e sofreu contestações.

O episódio abriu margem a fraturas na base que o psolista, conhecido pela atuação no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), tenta angariar para a eleição. Ele vem se apresentando como alguém afeito ao diálogo na tentativa de desconstruir o rótulo de invasor de propriedades e radical.

A proposta de assessores para a campanha é que o político se mantenha fiel a seus princípios ideológicos, usando sua história como militante em movimentos sociais para combater estereótipos.

Boulos também usou o tempo de fala no plenário da Câmara para rebater distorções que, segundo ele, vêm sendo replicadas virtualmente por forças de extrema direita, do campo bolsonarista.

Como a Folha mostrou, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se engajam em campanhas negativas contra o pré-candidato apoiado na capital paulista pelo presidente Lula (PT). Bolsonaro está próximo do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tentará a reeleição e almeja o apoio do ex-mandatário.

Na declaração desta terça, Boulos disse lamentar "que, em um momento trágico como esse, dramático, setores de extrema-direita aqui no Brasil inventem fake news e trabalhem com mentiras, com finalidades eleitoreiras, querendo fazer associações absurdas, espúrias, entre a nossa atuação aqui e o Hamas".

Por fim, ele pediu seriedade e responsabilidade e cobrou foco na solidariedade às vítimas e suas famílias. Disse também ser preciso "garantir uma posição do governo brasileiro que seja adequada".

O parlamentar encerrou a fala na Câmara sem fazer referência direta às razões do conflito. No domingo, ele disse em uma rede social que sua defesa dos direitos do povo palestino "é pública", afirmou condenar "sem meias palavras ataques violentos a civis" e defender "uma solução pacífica e duradoura, que passe pelo cumprimento do direito internacional e das resoluções de paz".

Falou também de uma visita que fez à Cisjordânia em 2018, usada por adversários para insinuar relação dele e de seu partido com o Hamas.

Na rede social X (antigo Twitter), o pré-candidato atribuiu à dupla Bolsonaro-Nunes os ataques orquestrados. "É vergonhoso que haja gente que se utilize de uma situação dramática para inventar mentiras com finalidade eleitoral. Eis a máquina de Fake News BolsoNunes!", escreveu.

A mensagem foi acompanhada de link para uma checagem feita pela Agência Lupa dizendo ser falsa a informação de que Boulos posou para foto ao lado de membros do Hamas.

A imagem que voltou a ser difundida nas redes mostra o pré-candidato acompanhado de Juliano Medeiros, presidente do PSOL, e Fred Henrique, da secretaria de relações internacionais do partido.

Em alguns casos, a foto foi editada para encobrir o rosto de Medeiros e de Henrique, de modo a sugerir que eles eram, na verdade, integrantes do Hamas. O trio aparece ao lado de uma pedra com a inscrição "PSOL com a Palestina" em inglês. O conteúdo foi compartilhado por bolsonaristas como Eduardo Bolsonaro (SP), Nikolas Ferreira (MG) e Carlos Jordy (RJ), todos deputados do PL.

Um monitoramento da empresa de tecnologia Palver mostrou a circulação de um grande volume nas últimas horas de mensagens em aplicativos com o intuito de associar Lula, Boulos e a esquerda brasileira ao grupo Hamas, como publicou a coluna Mônica Bergamo.

Apesar do flerte de Bolsonaro com Nunes, a parceria não está sacramentada, o que animou o deputado federal Ricardo Salles (PL) a voltar a se movimentar para emplacar sua candidatura. Ele deseja agregar o eleitorado à direita saudoso do ex-presidente e reticente sobre as credenciais do atual prefeito.

Boulos é apoiado pelo PT, que ficará sem candidato próprio na cidade pela primeira vez desde a redemocratização, e lidera a pesquisa Datafolha com 32% das intenções de voto. Na sequência vem Nunes, com 24%.

O candidato da esquerda também foi alvo de críticas do campo rival na semana passada em função da greve do transporte sobre trilhos na capital e da Sabesp. Os trabalhadores protestaram contra a privatização das empresas, pauta que o pré-candidato do PSOL abraça.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que sinaliza apoio à reeleição de Nunes, falou em motivação política no movimento, citando as eleições do ano que vem, e mirou o partido de Boulos, ao qual é filiada a presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Camila Lisboa.

O postulante à reeleição usou o episódio para fustigar seu principal concorrente. Chamou o PSOL de "o partido do caos" e foi a uma rede social afirmar que a "São Paulo de gente trabalhadora jamais será terra de baderna e quebradeira", com dois termos que busca colar em Boulos e seus aliados.

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