Descrição de chapéu Folhajus

Delator questiona Moro por interrogatórios envolvendo ministros do STJ

Procurador diz que Tony Garcia 'vendeu fumaça' sobre autoridades e que isso não justificava deslocamento de competência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Curitiba

Interrogatórios nos quais são citadas pessoas com foro especial por prerrogativa de função, como deputados, conselheiros, desembargadores e ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça), estão entre as irregularidades apontadas pelo empresário e ex-deputado estadual Tony Garcia sobre seu acordo de delação homologado em 2004 pelo então juiz Sergio Moro.

Na semana passada, a defesa de Garcia pediu ao ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), que sejam declarados nulos todos os atos assinados por Moro nos processos que envolvem o empresário, alegando "inúmeras ilegalidades" no contexto de sua delação.

Moro nega e chama Garcia de "criminoso condenado" que tenta fabricar um "falso escândalo".

O ex-deputado estadual Tony Garcia
O ex-deputado estadual Tony Garcia - Reprodução

A defesa de Garcia encaminhou 235 páginas ao STF com as transcrições dos seus interrogatórios relacionados ao seu acordo de delação, realizados entre o final de 2004 e início de 2005.

Ao longo dos relatos, antecipados pela GloboNews e obtidos pela Folha, dois nomes de ministros do STJ na época são citados em contextos que poderiam gerar abertura de investigação nas instâncias competentes –em um dos casos, Garcia sustenta que teria entregue dinheiro em troca de decisão liminar favorável a ele.

O objetivo dos interrogatórios, conduzidos por Moro e com a participação de membros do MPF (Ministério Público Federal), era ouvir o que Garcia sabia sobre 30 fatos supostamente ilegais que ele estaria disposto a esmiuçar para obter os benefícios da delação.

O acordo de delação foi homologado em uma época pré-Lava Jato, em que não se tinha ainda uma legislação específica sobre colaborações do tipo.

A maior parte dos 30 fatos envolve nomes da política do Paraná e escândalos já conhecidos no estado, especialmente ligados ao grupo do ex-governador Jaime Lerner (morto em 2021, aos 83 anos), cujo mandato no Palácio Iguaçu terminou em 2003.

Na lista também há o relato de Garcia sobre supostos crimes praticados pelo advogado Roberto Bertholdo, ligado ao MDB e lembrado pela atuação na época como lobista em Brasília, com acesso a autoridades da política e do Judiciário.

Moro tinha interesse especial no nome de Bertholdo porque o advogado teria grampeado o telefone do então juiz –o episódio acabou incluído na delação.

Durante os interrogatórios conduzidos por Moro, Garcia era questionado sobre detalhes da atuação de Bertholdo, o que respingava em pessoas com foro especial, fora do âmbito do primeiro grau da Justiça Federal.

Em um dos casos, Garcia afirma que, em 2002, Bertholdo conseguiria uma decisão no STJ junto ao então ministro Vicente Leal para trancar um processo envolvendo Garcia e o Consórcio Garibaldi. Garcia tinha pretensões eleitorais e temia os desdobramentos do caso.

O delator afirma que depositou R$ 600 mil em uma empresa de Bertholdo e que o dinheiro seria supostamente destinado a Leal para obter uma liminar. "O senhor sabe, depois do depósito desse dinheiro, como ele [Roberto Bertholdo] fez para passar esse dinheiro para o ministro?", questiona Moro a Garcia, durante o interrogatório. "Não, senhor, não", responde o delator.

A liminar favorável foi obtida e, segundo Garcia, mais R$ 300 mil ainda seriam transferidos ao ministro do STJ quando o mérito do caso fosse analisado. O delator acrescenta que Leal foi afastado na esteira de um processo disciplinar, e o segundo pagamento não chegou a ser realizado.

Depois do afastamento do ministro Vicente Leal, Garcia afirma que Bertholdo teria pedido mais R$ 115 mil. "Bertholdo falou que o dinheiro seria para algum ministro do STJ nessa ocasião?", pergunta Moro, para quem Garcia diz que o dinheiro serviria para suspender o processo.

Depois, Moro insiste no ponto, para saber o destino do valor, e comenta que o ministro do STJ Paulo Gallotti, à frente do caso como relator, teria tido "um comportamento bastante desfavorável ao seu caso", o que Garcia concordou.

"Mas então, foi pago esse dinheiro para ele [Gallotti] ou não?", questiona Moro. "Eu, eu acho que, com certeza não", afirma Garcia, sugerindo que Bertholdo teria mentido sobre o pagamento a Gallotti.

Durante os interrogatórios, Moro também insistiu para que Garcia explicasse qual era a influência de Bertholdo no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), onde atuam os juízes de segunda instância.

A reportagem procurou a assessoria do ex-juiz e senador, mas a manifestação de Moro ocorreu apenas via rede social.

"As investigações conduzidas pelo MPF e executadas pela PF foram sobre tráfico de influência e escuta ilegal e resultaram em condenações de advogado por esses crimes e que foram proferidas por outro juiz. Nenhum juiz ou magistrado do TRF4, STJ ou de qualquer outra corte, foi investigado com minha autorização", escreveu.

Na petição levada pelos advogados de Tony Garcia ao STF, a defesa do delator afirma que a amplitude do acordo firmado com o Ministério Público Federal era "absolutamente ilegal" e que Moro seria "absolutamente incompetente para homologar o acordo".

A Folha não conseguiu contato com os ministros aposentados do STJ Vicente Leal e Paulo Gallotti.

PROCURADOR DIZ QUE DELATOR 'VENDEU FUMAÇA'

O procurador Januário Paludo, que participou dos interrogatórios como representante do MPF, diz que a lista dos 30 fatos narrados por Tony Garcia era "fantasiosa", sem o mínimo de provas, e que o conteúdo não justificava deslocamento de competência –do Ministério Público Federal do Paraná para a PGR (Procuradoria-Geral da República).

"Ele vendeu fumaça", diz Paludo. "O acordo de delação foi feito mais por conta do comprometimento dele em pagar a indenização para os lesados no Consórcio Garibaldi. Isso valia a pena", justifica o procurador ao ser questionado sobre as razões da homologação.

Ele afirma que propôs duas denúncias contra Bertholdo, por exploração de prestígio e tráfico de influência. Paludo, que atuou na Lava Jato, hoje trabalha nas áreas cível, tributária e previdenciária na Procuradoria ligada ao TRF-4.

O advogado Roberto Bertholdo afirmou que o delator "sucumbiu a tortura da masmorra da República do Moro, assim como tantos outros". Questionado sobre o grampo que teria feito para ouvir conversas de Moro, Bertholdo nega.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.