Descrição de chapéu O Futuro da Esquerda

Esquerda mantém apego a teses do século passado que fomentam gasto público

PT e aliados deixam de renovar ideário econômico, após programa de reformas liberais de 2003

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São Paulo

O mais amplo e convicto programa de reformas liberais já apresentado por um governo brasileiro veio a público em abril de 2003 —quando a esquerda acabara de assumir o poder no país.

"Política Econômica e Reformas Estruturais", documento editado pelo Ministério da Fazenda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), propunha ajuste definitivo das contas do Orçamento, reformas previdenciária e tributária, autonomia do Banco Central e abertura comercial.

Também tratava de política social, com a defesa de um programa focado nos estratos mais carentes da população, o que não constava dos estatutos do partido. Ali estava o embrião do Bolsa Família.

Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, e Lula em evento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no segundo mandato do petista - Sérgio Lima - 6.jun.2008/Folhapress

O primeiro governo Lula viria de fato a seguir grande parte das diretrizes estabelecidas no calhamaço de 95 páginas.

Aprofundou-se o aperto fiscal para a contenção da dívida pública. Aprovou-se uma reforma da Previdência dos servidores públicos. Parlamentares dissidentes foram expulsos do PT e fundaram o PSOL.

A reforma tributária foi tentada, mas parou em impasses políticos e regionais. A autonomia formal do BC não avançou, mas foi retirado da Constituição o artigo que limitava os juros a 12% ao ano acima da inflação.

De todo modo, a surpreendente persistência na disciplina fiscal e monetária teve sucesso em restabelecer a confiança de empresários e investidores. As cotações do dólar e a inflação caíram, enquanto os petistas engoliam a permanência de juros muito altos.

Até o fim do segundo mandato de Lula, a economia teve o melhor desempenho desde a redemocratização. De 2003 a 2010, o Produto Interno Bruto cresceu a uma média de 4% ao ano.

Duas décadas depois, porém, o PT e seus aliados discursam e teorizam como se "Política Econômica e Reformas Estruturais" nunca tivesse existido —e o ideário econômico das principais forças à esquerda permanece intocado pelas transformações do período.

O ensaio mais importante de renovação se deu com as candidaturas presidenciais de Marina Silva (Rede), uma ex-petista que buscou conciliar pautas sociais e ambientais com a aceitação dos pressupostos da economia de mercado

Tal alternativa se esvaziou, no entanto, com o acirramento da polarização política no país.

Hoje, Lula ataca a autonomia do BC e os juros, de 13,75% ao ano no início de seu terceiro mandato, embora no primeiro as taxas tenham ficado bem acima desse patamar.

Aposta-se em uma expansão contínua das despesas do Estado como caminho para o progresso econômico e social —uma crença que nunca foi abandonada.

Nos primeiros governos petistas, a agenda liberal foi sendo gradativamente deixada de lado à medida que o país colhia os benefícios de um cenário internacional excepcionalmente favorável às exportações de produtos agrícolas e minerais.

O salto da arrecadação de impostos tornava menos necessária a contenção de gastos. Ainda assim, o Brasil teve mais comedimento que os vizinhos e aliados ideológicos Venezuela e Argentina, hoje em crise profunda.

Os desembolsos do Tesouro Nacional saltaram de 15,1% do PIB, em 2003, para 19,4% em 2015, último ano completo do segundo mandato inconcluso de Dilma Rousseff, quando foi necessário explicitar nos balanços despesas antes camufladas pelas pedaladas fiscais.

Foi sob Dilma que ganharam proeminência ideias arraigadas na esquerda brasileira desde o século passado.

O PT foi fundado em 1980, quando se aproximavam do colapso tanto a ditadura militar quanto o modelo econômico dito desenvolvimentista —que a partir dos anos 1930 ampliara sua influência no país.

Outros partidos tradicionais, como o PDT (do qual Dilma é oriunda), o PSB e o PC do B, têm origens anteriores ao regime autoritário, quando a esquerda nacional abraçara o desenvolvimentismo.

Tal pensamento, em termos simplificados, postula que o Estado deve fomentar o progresso econômico, sobretudo por meio da industrialização, com proteção comercial, crédito favorecido, incentivos fiscais ou mesmo empresas públicas.

Essa agenda não surgiu na esquerda —ainda hoje tem defensores nos meios industrial e militar. A ela os esquerdistas acrescentaram objetivos da social-democracia, como o fortalecimento dos sindicatos e o combate à desigualdade.

No mundo desenvolvido e no Brasil, a tendência à maior intervenção estatal na economia chegou a um esgotamento entre os anos 1970 e 1980. Para tanto contribuíram as vantagens do livre comércio global e os efeitos do gasto excessivo sobre a dívida pública, a inflação e os juros.

O PT surgiu como um partido socialista que pregava o calote da dívida externa e a estatização do sistema financeiro. Moderou consideravelmente sua plataforma, mas sem abandonar a repulsa ao livre mercado.

Esteve perto de se associar ao PSDB na primeira metade dos anos 1990, mas o protagonismo obtido pelos tucanos com o Plano Real o manteve no discurso radicalizado.

Recusou, assim, a revisão teórica do programa esquerdista encabeçada pelos trabalhistas britânicos naquela década, que ficou conhecida como a Terceira Via.

O desenvolvimentismo de Dilma terminou em déficit público, recessão, inflação elevada e impeachment da petista. Com isso se gerou um novo documento de inspiração liberal, chamado "Uma Ponte para o Futuro", lançado em 2015 pelo MDB e rechaçado por PT e aliados.

A esquerda se beneficia da aprovação do eleitorado nacional ao gasto social e da rejeição majoritária às privatizações. Ainda precisa demonstrar a viabilidade de seu ideário, porém, sem a ajuda de um panorama global favorável.

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