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Nova presidente do PSOL afasta identitarismo e quer ousadia para eleger Boulos

Paula Coradi, eleita em congresso com caso de agressão, vê partido como 'esquerda renovada' e defende protagonismo de mulheres

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São Paulo

A historiadora capixaba Paula Coradi, 38, teve uma semana de demonstrações do que a espera na presidência de um dos principais partidos da esquerda brasileira, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade).

O congresso interno que a elegeu para o cargo virou notícia por causa de uma briga entre militantes. O pré-candidato da legenda à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, virou alvo de rivais porque correligionários organizaram uma greve contra privatizações. Uma das parlamentares de relevo da sigla, a deputada federal Sâmia Bomfim (SP), teve o irmão assassinado no Rio de Janeiro.

A historiadora Paula Coradi, que foi eleita presidente do PSOL para o período de 2023 a 2026 - PSOL/Divulgação

Paula, que fala devagar e é descrita como conciliadora, também vê uma conjuntura externa desafiadora, como afirma em entrevista à Folha. Acredita na necessidade de combater a extrema direita no país, simbolizada em Jair Bolsonaro (PL), e de contribuir para que o governo Lula (PT) dê certo.

"O PSOL é o partido de uma esquerda renovada e que conseguiu entender as principais lutas do nosso tempo", diz, enaltecendo a legenda como abrigo de mulheres, negros, cidadãos LGBTQIA+ e indígenas, grupos também representados em suas bancadas.

Indagada sobre o rótulo que tais bandeiras carregam hoje, a presidente responde: "Para nós, elas não são identitárias. A classe trabalhadora no Brasil tem cor, gênero e formas de amar. O PSOL incorporou essas lutas e também prega o combate à desigualdade, que atravessa cada cidadão de formas diferentes. Não são lutas opostas, elas se complementam".

A visão dela não exclui o conceito de luta de classes, mas o atualiza ao considerar que as políticas da esquerda devem espelhar a sociedade, e ela é diversa.

A dirigente usa a mesma régua para defender a indicação de uma ministra negra ao STF (Supremo Tribunal Federal). Feminista, ela não titubeia ao mencionar a prioridade de sua gestão, que vai até 2026: ampliar o espaço para mulheres na legenda e nos cargos eletivos.

Filiada desde 2009 à sigla fundada por dissidentes do PT, ela sucede o também historiador Juliano Medeiros, que chefiou o PSOL nos últimos seis anos. "Um partido que defende que as mulheres assumam protagonismo tem que dar exemplo. Seria muito ruim um homem na presidência do partido novamente", diz ele.

Paula era secretária de organização na administração de Medeiros, que pegou o partido com 147 mil filiados em 2017 e o entregou com 291 mil. Com a troca de guarda, três partidos de esquerda passam a ter comandos femininos. O PT é presidido por Gleisi Hoffmann, o PC do B tem Luciana Santos à frente.

A psolista, que toma posse em novembro, afirma que sua gestão será de continuidade e de estabilidade. Eleita com o voto de 67% dos 451 delegados, ela diz que a maioria confortável permite "ousar um pouco mais".

Por exemplo: fazer política com "p" maiúsculo para ter capacidade de, no próximo ano, eleger Boulos em São Paulo e reeleger Edmilson Rodrigues, o único prefeito da legenda em uma capital, Belém.

O encontro nacional que ungiu Paula presidente no domingo (1º) também aprovou uma resolução que autoriza os diretórios municipais a se aliarem a partidos de esquerda e centro-esquerda sempre que a conjuntura política local exigir composições para derrotar representantes do bolsonarismo.

"Será um ganho gigantesco para a esquerda no Brasil se Guilherme Boulos for prefeito de São Paulo", diz a dirigente. Começar a corrida na liderança das pesquisas de intenção de voto, para ela, sinaliza boas chances. "E isso muda muito o jeito de fazer campanha, porque nós vamos poder dar o tom."

Paula foi uma das coordenadoras da candidatura de Boulos na cidade em 2020, quando ele chegou ao segundo turno. Após entrar para a executiva nacional do PSOL, ela aportou na capital paulista para atuar, em 2018, na campanha à Presidência da República do hoje deputado federal.

Movimentando-se na disputa municipal com um discurso antibolsonarista para se contrapor a Ricardo Nunes (MDB), que pleiteia a reeleição e o apoio do ex-presidente, Boulos entrou na mira do prefeito nos últimos dias pela greve dos transportes, convocada por sindicalistas ligados ao PSOL.

"Para nós, o Ricardo Nunes é, sim, uma expressão da extrema direita, porque ele faz todos os gestos para ganhar o apoio do Bolsonaro", diz a presidente da sigla, que chama a atenção para a vitória apertada de Lula em 2022, considera o enfrentamento ao bolsonarismo fundamental para a esquerda e prevê a eleição de 2024 ainda muito polarizada.

Clima acirrado foi o que se viu também no congresso do PSOL. Foram levadas para discussão seis teses (conjunto de propostas e diretrizes) apresentadas pelas cerca de 20 tendências. Essas correntes internas alimentam os bastidores partidários com divergências e disputas de poder.

Paula e Medeiros são da Primavera Socialista, corrente que, com a Revolução Solidária, de Boulos, forma o campo PSOL Popular, maioria na legenda. A ala venceu, defendendo que o partido seja base do governo Lula, com margem para críticas, e que não se isole das demais siglas progressistas.

A chapa derrotada foi a do MES (Movimento Esquerda Socialista), segmento liderado por Sâmia que queria a posição de independência do PSOL.

Pessoas sentadas e reunidas em centro de convenção, com telão ao fundo.
Congresso do PSOL no domingo (1º), em Brasília; militantes se envolveram em briga com socos e empurrões - Reprodução/YouTube

No evento, em Brasília, militantes de grupos adversários se envolveram em agressões. Em imagens que correram as redes sociais, um homem apareceu desferindo um soco. Outros participantes subiram ao palco, com provocações e empurrões, mas a confusão foi logo dissipada.

Paula diz que foi um episódio "extremamente lamentável" e atípico. "Não faz parte da nossa cultura política. Nós sempre divergimos, mas com muito respeito." Segundo ela, o caso terá punição. Os envolvidos foram identificados e responderão ao conselho de ética da sigla, que abriu um procedimento.

Para Monica Seixas, deputada estadual paulista que pertence ao MES, a primeira missão da nova presidente deve ser buscar uma resposta exemplar ao caso de violência. "Espero que o primeiro ato da Paula seja tratar dessa situação, para que não se repita", diz, pregando unidade interna.

Tendências à parte, Monica afirma que o processo de votação das teses foi democrático, afasta revanchismos e se diz feliz com a chegada de Paula à liderança do partido. "Ter uma presidente mulher é muito bonito e importante. Boto fé nas lutas das mulheres e nas lutas feministas."

Monica e Paula estavam juntas, por exemplo, na solidariedade a Sâmia após o assassinato do irmão da deputada na madrugada de quinta-feira (5). O partido manifestou indignação e pediu investigação rigorosa da morte do médico Diego Ralf de Souza Bomfim e de outros dois colegas de profissão, com provável autoria de milicianos.

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