Apoio de Tebet a Lula teve PT apressado, embaraço em foto recusada e pista sobre ministério

Ex-rival foi procurada por Janja e, na casa de Marta Suplicy, recebeu conselho do petista, que se surpreendeu com negociação rápida

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São Paulo

A então senadora Simone Tebet disputou a Presidência da República em 2022 consciente de que perderia. Assumiu a missão para evitar que seu partido de toda a vida, o MDB, rachasse no primeiro turno entre as alas pró-Lula (PT) e pró-Jair Bolsonaro (PL). Ela sempre soube de qual dos dois lados estaria.

Em 2 de outubro, Tebet saiu da eleição mais polarizada da história brasileira em terceiro lugar, com 4,9 milhões de votos, ou 4,1% dos válidos. A campanha de Lula martelava a mensagem de que ele tinha chegado em primeiro, com 48,4%, mas também estava perplexa com os 43,2% obtidos por Bolsonaro.

Emissários do petista nem esperaram a segunda-feira, dia 3, para darem início a uma operação para somar todos os esforços possíveis diante de um segundo turno mais duro do que se previa. A primeira tarefa era tão previsível quanto o seu desfecho: conseguir o apoio da terceira colocada.

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Simone Tebet (MDB) reforça campanha de Lula no segundo turno em ato em Juiz de Fora (MG); emedebista incentivou o uso de branco nos comícios - Marlene Bergamo - 21.out.22/Folhapress

Na noite de domingo, o empresário Márcio Toledo, casado com a ex-prefeita e ex-senadora Marta Suplicy e interlocutor de líderes do MDB, foi procurado por petistas como o deputado federal Rui Falcão (SP) e o advogado Marco Aurélio de Carvalho. Era um pedido para o casal ajudar na aproximação com Tebet.

Toledo foi receptivo e sugeriu um almoço no apartamento do casal, nos Jardins, área nobre da capital paulista.

Tebet, ainda no domingo, fez um pronunciamento em que deu 48 horas para seu partido e os outros da coligação (PSDB, Cidadania e Podemos) se posicionarem. Sua decisão pessoal já estava tomada e era sabida pelo presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, mas só seria anunciada depois desse prazo.

"Não esperem de mim omissão", avisou. "Eu tenho lado e vou me pronunciar no momento certo."

Assombrada pelo desempenho além do esperado de Bolsonaro e pela onda favorável a ele que se criava, Tebet passou a madrugada seguinte escrevendo o que discursaria para seus eleitores e o país.

Outra piscadela foi dada na segunda-feira pela hoje primeira-dama Janja da Silva, que telefonou para a emedebista e colocou Lula na linha. A conversa foi amistosa.

Tebet disse ao petista que não se preocupasse, porque ela já estava decidida. Os dois, cuja relação pregressa se resumia a encontros muito antigos e cumprimentos nos bastidores de debates, acertaram de se ver depois do limite dado por ela aos aliados.

Janja ligou novamente após algum tempo e confirmou o almoço para a quarta (5) na casa de Marta, com quem Tebet tinha criado amizade no tempo em que eram senadoras, ambas pelo MDB. No embate entre Lula e Bolsonaro, o partido acabaria liberando o apoio de seus filiados a um ou outro.

No dia marcado, um pequeno desencontro. Tebet podia chegar às 11h, o horário combinado, mas o ainda presidenciável só conseguiria estar lá às 13h. Ela chegou antes e foi acolhida pelos anfitriões, que também tiveram de lidar com um contratempo: a comitiva do petista não parava de crescer.

Auxiliares de Lula informaram que, além dele, de Janja e do então candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), iriam o então candidato a governador de São Paulo Fernando Haddad (PT) e a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, acompanhados de assessores e outros membros da coordenação.

Haddad, que tinha passado ao segundo turno contra Tarcísio de Freitas (Republicanos), também queria a emedebista em seu palanque, mas a expectativa foi frustrada por uma questão partidária. Como o prefeito Ricardo Nunes (MDB) apoiava o bolsonarista, Tebet ficou neutra no pleito estadual.

A então senadora estava com o marqueteiro de sua campanha, Felipe Soutello, e uma assessora. Tebet só degustou uma salada, porque ainda iria passar em outro almoço, no restaurante Parigi, com economistas e empresários que tinham colaborado em sua campanha.

O cardápio do dia na casa de Marta e Toledo teve de entrada cuscuz com molho de camarão e, como prato principal, nhoque com ragu de ossobuco.

Quando finalmente Lula e Tebet ficaram cara a cara, deu-se o que testemunhas definem como um "match", um entendimento imediato, a despeito das diferenças políticas.

A conversa franca e transparente pavimentou, segundo pessoas próximas, o caminho para a relação de confiança que se mantém ainda hoje, com ela à frente do Ministério do Planejamento. A convivência com Haddad, atual ministro da Fazenda, tornou-se um exemplo do entrosamento.

Naquele papo com Lula, Tebet foi objetiva e nem esperou um pedido formal. Disse que já declararia nele seu voto de qualquer modo, por enxergar que a democracia corria risco sob Bolsonaro.

Mas, para passar de eleitora a apoiadora de fato, pediu ao petista que incorporasse cinco pontos de sua plataforma, como a igualdade salarial entre homens e mulheres —que virou lei sancionada pelo petista em julho.

O atual presidente não impôs resistências. Ela relatou que o apoio teria um alto custo político para ela em seu estado, Mato Grosso do Sul, onde predominava a simpatia por Bolsonaro, e que se aliar ao PT seria como olhar para o abismo.

Lula demonstrou gratidão e tratou de tranquilizá-la, dizendo que ela não retornaria para seu domicílio eleitoral porque tinha se tornado um nome nacional e a partir dali o que ditaria seu destino seria a política, não só sua vontade.

Para descontrair, o petista disse que ele próprio estava preparando sua volta para casa desde 1979, quando se destacou ao liderar greves de metalúrgicos no ABC, mas a vida pública sempre falou mais alto.

Lula só fez um reparo. Quando a emedebista lhe antecipou que diria em seu anúncio que o apoio não envolvia a oferta de cargos no eventual futuro governo, ele a aconselhou a tirar esse trecho. Afirmou que, na política, é muito mais difícil se desdizer, porque a pessoa é cobrada a dar explicações.

A orientação foi lida como uma pista de que ele, se ganhasse, convidaria Tebet para a equipe. Horas depois do almoço, ela não fez menção a cargo na fala pública em que anunciou o apoio a Lula —por reconhecer "seu compromisso com a democracia e a Constituição", o que desconhecia no rival.

Com o avançar das horas, o entorno de Lula entendeu que naturalmente era chegada a hora de uma foto dele com Tebet. O PT tinha pressa em exibir a chegada de forças à campanha. E a nova aliada, com um discurso moderado e ao centro, reforçaria o simbolismo da almejada frente ampla.

Ricardo Stuckert, que é fotógrafo do petista há 20 anos, estava no local e observava o ambiente. Foi quando Soutello interveio e disse que, por uma questão estratégica, Tebet não posaria para a foto naquele momento.

No plano traçado pelo marqueteiro, primeiro a emedebista apareceria sozinha para dar uma satisfação a seu eleitorado e declararia voto em Lula. Depois, com o petista se comprometendo com as propostas dela, Tebet manifestaria apoio formal e embarcaria na campanha.

O embaraço da recusa à foto foi assunto logo superado. Ter a imagem dos dois juntos era questão de horas —e aconteceu dois dias mais tarde, numa sexta (7), em um ato chamado pelo PT.

Anúncio conjunto que marcou a entrada de Simone Tebet na campanha de Lula, em hotel em São Paulo; foto dos dois juntos era aguardada por petistas - Mathilde Missioneiro - 7.out.22/Folhapress

Ainda no almoço, uma brincadeira de Lula quando parte dos convidados tinha ido embora ilustra o clima. Ao dizer que a costura com Tebet tinha sido mais simples do que imaginava, ele riu ao se recordar da longa negociação para receber o apoio de Leonel Brizola na eleição presidencial de 1989.

Contou que a conversa com o histórico líder do PDT se arrastou por dois dias e embutia uma proposta que ele recusava: Brizola queria que o petista abrisse mão da vaga no segundo turno e maquinava uma jogada em que o tucano Mário Covas, quarto colocado, iria para o embate contra Fernando Collor.

Lula deixou o apartamento de Marta aliviado, com um problema a menos para resolver para o segundo turno. Tebet saiu para o almoço seguinte já atrasada, algo que detesta. Chegou para a sobremesa.

Instada a comentar o apoio numa entrevista à Folha em agosto, a ministra disse: "Sei que perdi muito. Tenho consciência, mas política é isso, é feita de escolhas".

Ela não se alongou sobre os efeitos práticos, mas qualificou sua entrada na campanha como fundamental para a vitória, já que o resultado foi apertado —uma diferença de 1,8 ponto percentual, a menor desde a redemocratização.

"Não há derrotas absolutas. A única derrota é a covardia. As vezes em que eu mais ganhei foi quando eu perdi. Ter perdido a eleição e ter imediatamente tomado uma posição, por mais difícil que fosse, fez toda a diferença para mim, para o meu partido e, espero, para o Brasil", afirmou, convicta.

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