Tarcísio ignora orgulho conservador, diz aliado nº 1 de Bolsonaro na Alesp

Membro do núcleo próximo do ex-presidente, Gil Diniz critica acenos do governador de SP a grupos identitários e de esquerda

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São Paulo

Tarcísio de Freitas (Republicanos) esticou os polegares e os indicadores, encolheu os outros dedos das mãos, engatilhou as "arminhas" e se aproximou dos deputados para posar para fotografias. Ele então sorriu e pediu: "Essa é para publicar nas redes".

A cena aconteceu na sexta-feira (24), no Palácio dos Bandeirantes, após uma sucessão de gestos do governador que foram entendidos pelos bolsonaristas como acenos à esquerda.

Um elogio ao ministro Fernando Haddad (Fazenda) e a sanção de um projeto de lei do PT para instituir o feriado do Dia da Consciência Negra no estado fizeram com que Jair Bolsonaro (PL) dissesse que "não está tudo certo" na relação com o pupilo.

Tarcísio de Freitas com os deputados Tenente Coimbra, Gil Diniz e Lucas Bove, membros do bloco bolsonarista
Tarcísio de Freitas com os deputados Tenente Coimbra, Gil Diniz e Lucas Bove, membros do bloco bolsonarista - @Carteiroreaca no Instagram

Em entrevista à Folha na quarta (22), o deputado estadual Gil Diniz (PL), membro do núcleo político mais restrito do ex-presidente e braço direito de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), diz que os bolsonaristas não têm tido espaço no Governo de São Paulo, o que dificulta a promoção de quadros vinculados ao grupo para competir nas eleições de 2024 e 2026.

Conhecido também como "Carteiro Reaça", o parlamentar afirma que não vê risco de ruptura com Tarcísio e que a bancada bolsonarista é a mais leal, mas cobra reciprocidade e orgulho conservador.

Ele compartilhou a foto com Tarcísio nas redes sociais, assim como os colegas do recém-criado bloco bolsonarista da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Bolsonaro disse que Tarcísio dá escorregadas e completou que jamais faria certas coisas que ele tem feito com a esquerda. O senhor concorda?
Concordo. O presidente [Bolsonaro] é nossa maior liderança política. E só por isso a opinião dele já deveria ser respeitada. Segundo, o [ex-]presidente sempre elogia o Tarcísio.

A crítica pontual que ele faz é por esses acenos do Tarcísio à esquerda, pela defesa intransigente da Reforma Tributária. O governador tem ido a Brasília fazer o convencimento das bancadas de que a reforma é necessária. Bolsonaro tem outra visão da mesma reforma, politicamente, na qual eu confio.

A que o senhor acha que Bolsonaro estava se referindo ao falar das escorregadas, além da Reforma Tributária?
Àquela foto emblemática do Tarcísio com o [Fernando] Haddad. Ao Tarcísio dizendo que no Ministério da Fazenda há bons quadros [em entrevista à revista Veja]. São gestos significativos. O [ex-]presidente disse que não faria. E eu pergunto sobre o inverso também. Você consegue imaginar o Haddad na Assembleia dizendo à bancada do PT que é necessário privatizar a Sabesp? Jamais.

Nós, bolsonaristas, temos sido muito parceiros do governador. Agora, a gente não pode ser podado de dar a nossa opinião, e isso é para o bem do governador, para que essa parceria continue. Os bolsonaristas não criam dificuldade para vender facilidade.

O deputado estadual Gil Diniz (PL) discursa na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo
O deputado estadual Gil Diniz (PL) discursa na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo - Divulgação - 24.out.19/Assembleia Legislativa de São Paulo

Tarcísio também tem feito acenos a grupos LGBTQIA+ e aos movimentos negros dos quais a base bolsonarista tem se queixado. Doou um terreno para a Universidade Zumbi dos Palmares, recebeu Graça Machel [ativista pela igualdade de gênero e viúva de Nelson Mandela], sancionou o projeto de lei que instituiu o Dia da Consciência Negra em São Paulo.
Ele também abriu o parque da Água Branca para a feira do MST, coisa que o João Doria tinha proibido. Eu entendo que ele governa para 100% da população, mas quem quer agradar todo mundo acaba não agradando ninguém.

O PT tem voto consolidado. A gente precisa buscar o cidadão que ainda está em cima do muro ou ainda não tem aquela opinião formada. Mas o Tarcísio por si só é moderado. Com a postura dele, já consegue alcançar esse público. Ele não precisa ir a evento militante de esquerda para provar o que ele é.

Eu, particularmente, não iria, acho que é um erro. Entendo a posição dele de governador, mas não é a que a gente esperava nesse momento.

Desses gestos, algum é particularmente crítico para vocês?
Quando ele fala que cota racial é positivo, quando ele sanciona o feriado da Consciência Negra. Já existia na capital, mas ele estende para o estado todo, em um mês que já é carregado de feriados. Era algo inimaginável, foi surpresa para a direita, centro e esquerda. Foi surpresa para o próprio dono do projeto, Teonílio Barba (PT).

Recebeu a viúva do Mandela, um militante de extrema esquerda que muitos aqui consideramos terrorista. Disse que vai doar terreno para a Faculdade Zumbi dos Palmares, que tem um viés ideológico muito forte à esquerda. São sinalizações que a gente não consegue entender e com isso ele não vai conquistar nenhum apoio.

O que o senhor acha que ele deveria fazer agora?
Continuar com a pauta econômica propositiva, chamar os deputados que realmente estão com ele para mais perto dele. Vários deputados aqui o defendem desde que ele era ministro, apostaram na candidatura dele e venceram com ele.

Acho que ele deveria, pelo menos, levar em consideração a opinião daqueles que querem o bem dele e que o governo dê certo. Os aliados de primeiro momento deveriam ter prioridade no governo.

Qual é a avaliação que o senhor faz do governo como um todo nesse primeiro ano?
O governador não perdeu nenhuma votação na Alesp, é uma avaliação positiva. Mas ideologicamente falando, com esses acenos que ele vem fazendo para a esquerda e para a extrema esquerda, o tempo que ele gasta com essas pautas acho que ele deveria gastar com as pautas que o trouxeram até aqui.

Para ganhar a eleição, ele não precisou fazer esses acenos ao outro lado. E o povo o elegeu com votação histórica justamente por ser quem ele é e por quem ele apoiava, o presidente Bolsonaro.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) com Graça Machel, viúva de Nelson Mandela
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) com Graça Machel, viúva de Nelson Mandela - Mônica Andrade - 13.nov.23/Governo do Estado de SP

O senhor considera que ele faz uma gestão bolsonarista nesse primeiro ano?
Muito superficial. Se você olhar o secretariado, temos a Sonaira Fernandes, secretária da Mulher, uma pasta muito recente, que está começando a ganhar tração agora, e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, que não é uma indicação do grupo político, mas uma escolha pessoal do governador.

Em muitos momentos, a gente não vê esses quadros mais alinhados ideologicamente, essa pauta conservadora. Não tem o investimento no orgulho conservador. Eu gostaria de ver uma secretaria de promoção da família, por exemplo.

Há poucos espaços para os bolsonaristas. No Governo de São Paulo, quem está para o governador como ele estava para o presidente? Quem é o Tarcísio do Tarcísio?

Bolsonaro elegeu senadores, governadores. Sempre tentou promover lideranças. A gente precisa ocupar esses lugares, a gente vai enfrentar uma eleição municipal agora, logo mais vem a eleição nacional, e esse movimento bolsonarista e conservador precisa se fortalecer ainda mais. São Paulo é um estado muito importante para isso.

O senhor acha que tem faltado conservadorismo/bolsonarismo na gestão Tarcísio?
O governador tem perfil muito mais moderado do que os deputados e o presidente, nós já sabíamos disso. Mas a gente sente falta desses quadros ligados ao Bolsonaro. Sinto falta de um coronel Mello Araújo [ex-comandante da Rota, ex-presidente da Ceagesp] no Governo de São Paulo, de um [ex-] deputado Frederico D’Ávila no primeiro escalão.

Não digo falta de conservadorismo. Mas acho que ele poderia ser mais enfático. E é isso que o eleitor dele e a maior parte do povo esperava e espera dele. Quanto mais próximo ele ficar desse conservadorismo/bolsonarismo, mais ele vai crescer, mais o grupo bolsonarista e o próprio presidente se fortalecem. Acho que ele precisa enfatizar mais esse lado conservador dele.

No atentado do Hamas contra Israel, senti falta das palavras "Hamas", "terrorismo". Ele presta solidariedade ao povo de Israel, mas ele não diz "condenamos o ataque terrorista do Hamas", o sujeito fica oculto.

Que foi a crítica que Guilherme Boulos (PSOL) e Lula (PT) receberam.
Então, assim, olha, "eu sou solidário com o povo de Israel", mas isso é o mínimo.

O senhor acha que esse tensionamento pode gerar ruptura?
Não, até porque os bolsonaristas são os que mais defendem o governador. Dou um exemplo: a audiência pública da privatização da Sabesp. Nunca aconteceu uma audiência na Assembleia na qual os dois lados realmente disputaram minuto a minuto o tempo de fala.

Nesses momentos, são justamente esses bolsonaristas que estão na linha de frente combatendo o avanço da esquerda, que tenta dominar a narrativa, no caso de uma questão extremamente importante aos olhos do governador. Os bolsonaristas estão defendendo o governador, são os mais intransigentes na defesa do governo e querem minimamente ter uma opinião.

Os bolsonaristas formaram um bloco na Alesp. Ele surge de uma insatisfação com o governo?
A insatisfação aqui é de muitos deputados, só que muitos não têm coragem de se manifestar. Nós jogamos às claras. Não estou pedindo para indicar presidente de tal fundação, cargo X, Y, Z, emenda parlamentar, nada disso. A gente só quer que sejam respeitadas as nossas bandeiras.

Os deputados do PL, principalmente os mais próximos do presidente Bolsonaro, foram eleitos por opiniões que ecoam na sociedade: defesa da família, contra drogas, contra militância dentro das salas de aula. Quem votou em mim, votou sabendo aquilo que eu defendia, não foi enganado.

Esse bloco é formado justamente para isso. A gente tem uma pauta muito importante que são as escolas cívico-militares. Quantas escolas cívico-militares foram criadas no estado de São Paulo? Um ano já, 1/4 do governo. Vai ser ano que vem? Tem uma limitação eleitoral. Vai ser no terceiro ano?

Quem estava com o Tarcísio na eleição éramos nós ali. Assim como ele teve o nosso apoio, a gente quer o apoio dele também. Eu te ajudo quando você precisa e quando eu preciso você me dá um "tudo de bom", um "até a próxima"?

Alunos de escola cívico-militar na região administrativa de Brasília
Alunos de escola cívico-militar na região administrativa de Brasília - Pedro Ladeira - 15.fev.19/Folhapress

Raio-X | Gil Diniz, 37

Nascido em Serra Talhada (PE), Gildevânio Ilso dos Santos Diniz é filho de retirantes e cresceu na zona leste de São Paulo. Trabalhou como segurança de shopping, soldado temporário da PM e professor de história. Como empregado dos Correios, a postura antipetista fez com que ganhasse o apelido Carteiro Reaça e também popularidade nas redes sociais. Em 2015, foi contratado como assessor de gabinete do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Cumpre o segundo mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo.

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