Descrição de chapéu Congresso Nacional

João Paulo Cunha, ex-mensalão, vê relação rasa entre STF e Congresso

Hoje fora da política, personagem de escândalo que atingiu o PT diz que ambiente entre Poderes piorou em 20 anos

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São Paulo

Há 18 anos, o petista João Paulo Cunha, 65, foi abatido pelo escândalo do mensalão quando sua carreira política subia como um foguete.

Recém-saído da presidência da Câmara dos Deputados, era cotado para comandar a articulação política no primeiro governo Lula (PT) e ensaiava disputar o Governo de São Paulo em 2006.

O ex-deputado federal João Paulo Cunha em seu escritório em Brasília - Gabriela Biló /Folhapress

Condenado a 6 anos e 4 meses por corrupção passiva e peculato, passou um ano preso na Papuda em Brasília de 2014 a 2015, até ter sua pena indultada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.

Ainda na prisão começou a estudar direito no IDP (Instituto de Brasileiro de Direito Público). Sua banca de mestrado teve o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, sócio da instituição, e Paulo Gonet, novo procurador-geral da República.

O tema que escolheu hoje está na pauta política: o poder que partidos pequenos têm de barrar leis aprovadas pelo Congresso Nacional ao ingressarem com ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) no Supremo. Ele concorda com a defesa feita pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de criar limites para esse tipo de prática.

Cunha hoje se dedica à advocacia, com escritórios em Brasília e São Paulo. Afastou-se dos mandatos, mas não da política. Segue filiado ao PT e entrosado no partido e no governo.

Com a experiência de ter atuado no Legislativo e agora no Judiciário, ele diz que a relação entre os dois Poderes piorou muito desde que ele comandou a Câmara, no biênio 2003-04. "Ficou mais tensa e mais rasa", afirma, em uma rara entrevista desde que deixou a prisão.

Sobre o mensalão, diz que foi um processo cruel e injusto, mas que ficou no passado. "Já superei."

Por que o interesse nas ADIs?
Na apresentação da minha dissertação eu digo que é uma experiência empírica de quem viveu 20 anos no Congresso e pôde acompanhar os dois lados. Na fase em que um partido é oposição, utiliza mais do que quando é situação. É visível. E talvez não seja tão democrático permitir que partido com representação de apenas um parlamentar possa questionar matéria votada por 500 deputados ou 70 senadores, que passou por comissões, com direito de apresentar emenda, substitutivo, parecer contrário, sustentação oral.

Arthur Lira quer restringir essa possibilidade. Qual a sua avaliação?
O presidente Lira tem razão, só que a razão dele vai só até uma altura. O partido político com um assento no Congresso, que participa de todo o rito, apresentar uma ação, talvez não seja democrático. Por outro lado, as entidades de caráter nacional que não participaram do processo legislativo devem ter garantido direito, inclusive é preciso alargar isso. A dignidade da legislação tem que ser preservada, porque ali é o ninho, o foco da democracia.

Ações no STF apresentadas por partidos pequenos trouxeram benefícios no caso da pandemia, por exemplo. Restringir não limitaria esse aspecto?
Essa pergunta leva à discussão sobre a PEC aprovada no Senado, que tem uma parte correta e uma errada. A correta é exigir que matérias votadas no Congresso e que cheguem ao Supremo não possam ser decididas por um ministro suspendendo sua eficácia. A errada incide sobre matérias do Executivo, por decreto ou medida provisória. Elas podem e devem ser questionadas, inclusive permitindo decisão monocrática. Se passou pelo Congresso, não teve a urgência que exige para a decisão do Supremo. No caso da pandemia, se deixassem prosperar as medidas do governo Bolsonaro, mais brasileiros teriam morrido.

O sr. foi deputado e agora é advogado, conhece bem Legislativo e Judiciário. Como avalia a relação entre esses Poderes atualmente?
Há muita razão e muito choro. Às vezes um Poder tem avançado um pouco a linha que divisa a harmonia e a independência. Uma parte grande decorre da nossa própria interpretação. Na minha dissertação, eu chamo isso de judicialização maledicente. Um partido chega no Congresso e critica. Só que, vira as costas, apresenta uma ação, ele mesmo judicializa.

Claro que não é razoável que ministros deem declarações demasiadas sobre determinado processo que ainda está em trâmite. Há uma tese de autocontenção que se fala muito para o Judiciário, mas que deveria ser levada também para o Legislativo e o Executivo. Eu era presidente da Câmara e nós conduzimos a emenda constitucional 45 [reforma do Judiciário]. Criou-se o CNJ, súmula vinculante. Ali havia uma harmonia e cada um andou dentro das suas linhas.

Nesses 20 anos, entre a sua presidência da Câmara e agora, o sr. diria que a relação entre Legislativo e Judiciário ficou mais tensa?
Ficou mais tensa. E acho que mais rasa. O momento atual de muita polarização, até calcificando posições e impermeabilizando bolhas, com o advento das redes sociais, trouxe um fenômeno novo, que é a dificuldade de manter a racionalidade. Piorou muito o ambiente. Há um aspecto positivo: aquela aura de que o Supremo é uma casa que só trata de questões técnicas cada vez vai se distanciando. O Supremo tem um comportamento político. Vai ficando cada vez mais evidente.

No Congresso, reclama-se muito do ativismo judicial. Concorda?
Há um ativismo judicial e ele vai descendo, dos tribunais superiores até embaixo. Em alguns casos, exageradamente. O ativismo judicial a gente precisa sempre avaliar cada caso, mas que efetivamente tem é visível.

Como compara o poder que hoje tem o Legislativo com o de quando o sr. era presidente?
O Legislativo é característico de cada circunstância. Tivemos o Ulysses Guimarães, presidente num momento muito peculiar. Depois o Ibsen Pinheiro comandou o impeachment do Collor. Há alguns momentos de realce. Há, de fato, um empoderamento maior do Legislativo, em particular em relação às emendas. Isso vai levar a um problema a médio prazo. Você não pode empoderar um partido sem ter nenhum ônus.

Agora tem uma discussão sobre o calendário das emendas a serem pagas. Mas se a arrecadação for insuficiente para as obrigações do Executivo, ele deixa de cumprir para pagar as emendas? Não pode. Esse é um ônus que o Legislativo tem que tomar também. À medida que dispersa muita verba, com 584 congressistas administrando R$ 50 bilhões, vários projetos estruturantes vão ser secundarizados. A emenda é muito importante, chega na base, mas tinha que estar dentro de um contexto maior.

Na sua época não tinha centrão. Como vê o poder que esse bloco exerce?
O centrão não tinha esse nome, mas sempre existiu. E tem a extrema direita, que é forte hoje e não havia. O centrão hoje até cumpre o papel de reduzir o peso que essa extrema direita tem. Tem muita gente boa no centrão. Botar tudo num balaio só e bater está errado. Tem um setor civilizado, dentro da institucionalidade, que admite e preza muito o rito.

Como avalia a coordenação política do governo?
Tudo que ela se comprometeu neste ano a entregar ao presidente e à sociedade conseguiu. Há um problema que a gente precisaria estudar de forma mais vertical. Eu não consigo compreender que, passados 11 meses do governo, tendo apresentado à sociedade e efetivado uma série de programas que tinham sido encerrados, a avaliação não tenha melhorado muito. Isso me intriga.

O que pode ter acontecido?
Tem muito reflexo da polarização, e isso leva a uma estagnação, um bloco de um lado, outro bloco do outro. A culpa não é do Lula, não é da articulação política, acho que tem alguma razão mais profunda. Faltou entender o momento em que a gente estava ascendendo nesse terceiro mandato. Quando o presidente Lula ganhou em 2003, junto com ele veio uma mobilização grande da sociedade, com muitas ideias que foram, ao longo dos oito anos de mandato, implementadas. Nesse terceiro mandato, não temos isso. Não tem mobilização e não tem ideias novas, tanto que ficamos esse ano repassando ideias dos governos anteriores.

No PT, o sr. sempre foi um dos coordenadores de estratégias eleitorais. Qual a perspectiva sobre o desempenho que o partido terá em 2024?
Eu tenho orgulho de ter sido o primeiro coordenador do grupo de trabalho eleitoral do PT, em 2000. Para 2024 nós vamos melhor do que 2020, mas qualquer coisa em relação a 2020 vai ser melhor. Mas não sou tão otimista de achar que vai ser uma coisa espetacular. Tenho muita preocupação.

O PT tem dito que vê 2024 como a antessala para 2026.
Também não é isso. Não há relação direta. Em 2000 nós ganhamos a Prefeitura de São Paulo sem estar no governo federal. Em 2004, estando no governo, perdemos São Paulo. Para 2026 é o governo do presidente Lula dar certo, atender às expectativas, fazer a economia voltar a crescer, melhorar as condições de vida do povo, nível de emprego.

O sr. continua filiado ao PT?
Continuo, mas não tenho mais atuação.

Não tem vontade de voltar para a vida eleitoral?
Não. Estou muito feliz com esse novo ofício de advocacia. Eu tive 30 anos de mandato. Fui líder na minha cidade, na Assembleia, na Câmara, presidi a Câmara, fui presidente do PT no estado de São Paulo. Cumpri um roteiro interessante.

Que foi interrompido pelo mensalão...
O mensalão foi uma coisa muito cruel, mas já passei dessa fase de ficar olhando para ele. Já superei. Foi injusto. Não é por isso que eu não tenho mais vontade de voltar. Acho que posso ajudar muito o Brasil nesse novo ofício que estou desempenhando.

Ainda machuca quando te chamam de mensaleiro?
É muito raro, né? Aliás, há muitos anos. Mesmo durante o período mais difícil, eu nunca fui hostilizado. Não me preocupo muito mais com isso. Quero agora olhar para a frente e desempenhar os desafios que são apresentados e tudo o que chega para mim.

Mas faria hoje alguma coisa diferente do que fez naquele momento? Acha que errou em algum ponto?
Durante 30 anos de mandato e 65 de vida, diferentemente de muita gente que fala que não mudaria nada, é claro que eu mudaria muita coisa. Mas não acho que eu fiz erro capital, como o mensalão impôs.


Raio-X | João Paulo Cunha, 65

Nascido em Caraguatatuba (SP), é metalúrgico e advogado, formado e com mestrado pelo IDP. Filiado ao PT, foi vereador em Osasco (SP), deputado estadual e, por cinco mandatos, deputado federal; foi presidente da Câmara (2003-04)

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