Descrição de chapéu Folhajus Congresso Nacional

Juiz questiona Moro sobre contrato com suplente, visto como suspeito por PT e PL

Senador nega irregularidades; escritório de advogado, sem experiência na área eleitoral, foi contratado por R$ 1 milhão pela União Brasil

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Curitiba

Quase todas as perguntas feitas ao senador Sergio Moro (União Brasil-PR) pelo juiz eleitoral Luciano Carrasco Falavinha Souza, no âmbito da ação de investigação sobre suposto abuso nos gastos da pré-campanha do político em 2022, tiveram relação com os pagamentos feitos pela União Brasil ao escritório do advogado Luis Felipe Cunha, amigo do ex-juiz da Lava Jato há mais de 20 anos e hoje seu primeiro suplente no Senado.

O senador Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato - Zanone Fraissat - 4.nov.23/Folhapress

O depoimento foi prestado pessoalmente por Moro, em Curitiba, na sede do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Paraná, na tarde de quinta-feira (7), e durou mais de 30 minutos. Após a audiência, Moro fez um breve pronunciamento à imprensa, negando irregularidades.

A suspeita dos autores da ação de investigação, o PL e a federação formada por PT, PV e PC do B, é a de que o escritório de Cunha não prestou efetivamente os serviços previstos no contrato e o dinheiro abasteceu ilegalmente a pré-campanha de Moro —o que o senador e seu partido rebatem.

O juiz questionou Moro sobre a necessidade do contrato com o escritório de Cunha, que não tinha experiência na área de direito eleitoral, e também o alto valor pago pelos serviços, R$ 1 milhão (em quatro parcelas de R$ 250 mil).

"Há de convir comigo que pareceres a R$ 1 milhão é um valor alto. Acredito que ex-ministros do Supremo, grandes operadores [do direito], cobrem isso", disse o magistrado.

Moro respondeu: "Ele [Cunha] foi contratado já na época do Podemos para prestar serviços jurídicos e para ajudar a estruturar aquela pré-candidatura presidencial. Depois, no União Brasil, eu indiquei o Luis Felipe, juntamente com o Guedes, que fizeram trabalhos em conjunto".

O advogado Gustavo Bonini Guedes é quem hoje faz a defesa de Moro na ação no TRE.

O senador negou irregularidades, mas não detalhou a atuação do escritório de Cunha e, em relação ao valor do pagamento, ponderou que não participou das negociações que geraram o contrato entre a União Brasil e seu suplente.

Moro acrescentou que o contrato abarcava serviços para vários pré-candidatos e o próprio partido, e não somente para ele. Em outro momento, o senador afirmou que era importante ter alguém de sua confiança entre as pessoas que prestavam serviço jurídico à União Brasil.

Para o PT e o PL, Moro fez um "autofinanciamento oculto e antecipado" para sua campanha eleitoral. "Contratou o amigo como suposto advogado e triangulou esses recursos", disse o advogado da federação encabeçada pelo PT, Luiz Eduardo Peccinin, logo após a audiência.

Na visão de Peccinin, Moro confessou irregularidades "sem querer". "Depoimento é bom porque é um instrumento de tirar confissão. Ficou claro que o contrato não correspondia à realidade do que estava escrito ali, que na verdade ele [Cunha] não praticava nenhum ato de advocacia", disse ele.

Em nota sobre o depoimento, os advogados do PL, Bruno Cristaldi e Guilherme Ruiz Neto, também destacam o fato de Moro ter apontado que havia um trabalho conjunto entre Cunha e Guedes. "O instrumento de contratação apresentado nos autos não menciona em momento algum a participação de Guedes. O depoimento complica ainda mais a situação do ex-juiz", afirma o PL.

O primeiro suplente, também alvo da ação de investigação, não compareceu ao TRE. A ausência foi justificada pelo próprio senador, que argumenta que o depoimento de Cunha poderia configurar violação ao estatuto da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). "Ele prestou serviços jurídicos ao União Brasil e ao Podemos e acabamos entendendo que havia uma questão ética profissional", disse Moro.

À Folha o advogado Gustavo Guedes disse que "não há controvérsia na atuação conjunta dos escritórios [de Luis Felipe Cunha e Gustavo Guedes] na pré-campanha do União Brasil". "São mais de 25 documentos (pareceres e petições), no período de 4 meses, assinados em conjunto pelos escritórios, todos devidamente juntados ao processo. Ilações das partes, não provadas, porque inexistentes, serão levadas à Justiça", afirmou ele.

Apesar de ter respondido a todas as perguntas do juiz, Moro se recusou a ouvir as questões dos advogados dos autores da ação de investigação, dizendo que o processo é leviano e que as petições dos partidos são ofensivas. O Ministério Público não fez questionamentos.

Ao fim, Moro ainda tentou fazer um relato sobre a perseguição política que sofreria dos partidos, mas foi interrompido pelo juiz. "Todo processo aqui no TRE é político", disse o juiz, encerrando a etapa de oitivas. Ele deve levar o caso para julgamento no próximo mês.

Durante a audiência, um deslize gramatical em uma fala de Moro repercutiu nas redes sociais, e não foi a primeira vez que isso aconteceu. "Tanto que o valor elevado não corresponde ao que foi gasto especificamente com mim", disse o senador —o correto seria "comigo". Depois, usou "não só mim", quando o certo seria "não só eu".

Os autores da ação de investigação acusam Moro, além de caixa dois, de fazer gastos excessivos no período de pré-campanha eleitoral e pedem a cassação do mandato do senador.

Durante a investigação, os diretórios estaduais e nacionais de Podemos e União Brasil, além das fundações ligadas às duas siglas, foram obrigados a apresentar todos os documentos que comprovam pagamentos relacionados ao período de pré-campanha, como notas fiscais.

Moro se filiou ao Podemos em 2021 de olho na disputa presidencial. Mas, perto do prazo final para trocas partidárias, em 2022, abandonou o Podemos, anunciando filiação à União Brasil. Na nova legenda, ele não conseguiu espaço para manter uma candidatura à Presidência.

Agora, os partidos opositores apontam que os gastos de pré-campanha, voltados inicialmente ao Planalto, se tornaram "desproporcionais" e "suprimiram as chances dos demais concorrentes" ao Senado no Paraná.

Na audiência no TRE, Moro também falou sobre o período da troca partidária. "Eu acho engraçado quando vejo na inicial que a pré-candidatura presidencial teria me dado alguma vantagem competitiva para a candidatura posterior ao Senado do Paraná. Porque foi exatamente o contrário. Foi um peso enorme nas costas, fui severamente atacado", disse o senador.

Moro teve 1,95 milhão de votos na eleição do ano passado, ou 33,5% dos votos válidos. Em função do processo em trâmite no TRE e da possibilidade de cassação do mandato, políticos já se articulam de olho em eventual eleição suplementar, fora de época.

Colaborou o UOL

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