Punição pelo 8/1 tem que ser para 'civil ou militar, não importa', diz Alckmin

Vice-presidente avalia, em entrevista à Folha, que Forças Armadas foram induzidas pela política no governo Bolsonaro

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Brasília

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) afirmou à Folha que havia um claro "movimento golpista" em 8 de janeiro de 2023, mas que a democracia saiu fortalecida do episódio.

Alckmin aponta que houve atuação equivocada de membros das Forças Armadas durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Militares, segundo o vice, foram contaminados pela política.

"É inadmissível. As Forças Armadas jamais poderiam ter permitido [manifestantes] chegar[em] perto [dos quartéis]. Houve no governo passado uma visão equivocada, desvirtuada, induzida pela política, mas que também foi rapidamente rechaçada."

O vice-presidente cobra ainda a punição dos invasores e de quem financiou ou incitou os ataques. "Pode ser civil, pode ser militar, servidor público, privado, não importa."

O presidente em exercício Geraldo Alckmin (PSB). - Pedro Ladeira -12.mai.2023/Folhapress

O dia 8 de janeiro

Eu fui à missa, na catedral de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, para a posse do novo bispo. Quando ocorreu a invasão, eu estava dentro da igreja. No final, recebi um bilhetinho do segurança dizendo: olha, parece que houve uma invasão em Brasília. Como eu estava no meio da missa e também achei que era um pouco de exagero do segurança, fiquei até o final. Na hora que saí, aí sim percebi a gravidade da situação e voltei para Brasília, ainda naquela noite.

Movimento golpista

Havia um movimento claramente golpista. Isso já existia, era só verificar o que as pessoas diziam em frente às praças, em frente aos quartéis. Na minha cidade, as pessoas estavam acampadas em frente ao batalhão, em uma área do Exército, defendendo o golpe. É inacreditável. Mas não achava que chegaria a tanto.

Militares

As Forças Armadas jamais poderiam ter permitido chegar perto [dos quartéis]. Houve no governo passado uma visão equivocada, desvirtuada, induzida pela política, mas que também foi rapidamente rechaçada. E a substituição do comandante do Exército [Júlio César de Arruda, em 21 de janeiro de 2023] foi necessária e relevante. Já havia uma postura dele no governo anterior, na transição de governo, inadequada. O que a gente ouvia naquele momento era que não teria sido prudente a sua nomeação.

Os ataques e as urnas eletrônicas

É um atentado à democracia, uma coisa gravíssima. Não é só a depredação de patrimônio público, destruição de prédios, de móveis, é muito mais do que isso. É você atentar contra a Constituição brasileira. O patriota é quem defende a Constituição, a lei, a democracia, o resultado da eleição. Quem fez isso é golpista, é crime. É interessante, porque o [ex-]presidente [Jair] Bolsonaro foi eleito pela urna eletrônica. Um filho foi eleito vereador com a urna eletrônica. O outro filho foi eleito deputado federal com a urna eletrônica. O outro filho foi eleito senador com a urna eletrônica. É inacreditável.

Resposta aos ataques

A reação foi rápida, firme e uniu os três Poderes. O Executivo, o Judiciário, o Legislativo. A resposta foi muito positiva. Eu diria que a democracia sai muito triste, mas ela sai fortalecida.

Punição a invasores

É um capítulo que ainda nem começou. A devida punição é importante porque o processo é grave. Você percebe que muitas pessoas que participaram, um pouco por desconhecimento, foram, às vezes, usadas. Esse é um processo investigatório que precisa ser feito. Ela [a pena] não é excessiva. Está faltando o outro lado. Não é possível punir só quem estava ali dentro. Quem incitou tudo isso? Quem estimulou? Quem distribuiu fake news? Quem financiou? Pode ser civil, pode ser militar, servidor público, privado, não importa. A lógica da República é que a lei é para todos. Aliás, digo mais: quanto maior a responsabilidade, a autoridade, o poder, maior deve ser o cumprimento da lei.

Jair Bolsonaro

Eu não tenho dúvida de que ele não tem nenhum apreço pela democracia. Isso é nítido e claríssimo. Aliás, eu até disse, quando eu disputei em 2018: não sei como quem não acredita na democracia disputa eleição. É uma contradição. Não é possível. Quando eu ganho, vale. Quando eu perco, derruba a eleição.

Força do bolsonarismo

É sempre bom você ter vários polos. Unanimidade não existe no processo democrático. A lógica é que quem ganhou governa. Quem perdeu fiscaliza. O que não deve ter é atitude incivilizatória, ódio. Isso é a contradição, porque a democracia é civilizatória. Agora, no mundo inteiro você vive um quadro político mais radicalizado, não é só no Brasil.

Esquerda e direita

Eu entendo que hoje essa coisa de esquerda, direita, está mais para rosa dos ventos dos marinheiros, porque é difícil você explicitar. Eu acho que essas questões estão minimizadas. Muitas das questões hoje são de senso comum, o que é prova de maturidade política.

Aliança com Lula

É importante ver a origem das coisas. Nós estávamos juntos para redemocratizar o Brasil. Depois, cada um seguiu o seu caminho. O Lula foi criar o PT, e eu acabei sendo a sétima assinatura na fundação do PSDB, em 1988. Fomos colegas de constituinte. Nós apoiamos o presidente Lula na primeira eleição presidencial, no segundo turno. O PT nos apoiou em São Paulo, quando o [Mário] Covas foi candidato a governador. Você teve agora, na última eleição, um momento, e o 8 de janeiro é a prova disso. A democracia brasileira estava em risco. Há necessidade de os democratas enxergarem as questões maiores e trabalharem juntos. Estou muito feliz de poder estar dando a minha contribuição. Eu tentei duas vezes ser candidato a presidente. Então eu estudei muito as questões de política nacional.

Filiação ao PSB

O PSB e o PSDB são muito próximos, é uma visão social-democrata. Acho que o PSB renovou o seu programa e eu me sinto muito bem no partido. Não vejo como antagônico você buscar eficiência econômica, fazer reformas e, de outro lado, ter uma preocupação social que vai ser crescente no mundo.


Raio-X | Geraldo Alckmin, 71

Nascido em Pindamonhangaba (SP) e formado em medicina pela Universidade de Taubaté, foi governador de São Paulo por quatro vezes. Antes, foi deputado estadual, deputado federal e prefeito pelo PSDB. Foi candidato a presidente da República duas vezes, sendo derrotado. Em 2022, filiou-se ao PSB e, desde 2023, é vice-presidente da República e ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comércio.

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