Ex-comandante do Exército liga Bolsonaro a minuta golpista encontrada na casa de Torres

General Freire Gomes prestou depoimento de 7 horas à PF; ex-presidente e ex-ministro não comentam

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Brasília

O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes disse à Polícia Federal que a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres é a mesma versão que foi apresentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos chefes das Forças Armadas em reunião em dezembro de 2022.

No depoimento, obtido pela Folha, o general afirmou que o documento foi apresentado por Bolsonaro em uma segunda reunião entre os chefes militares e o então presidente da República.

"Que confirma que o conteúdo da minuta de decreto apresentada foi exposto ao declarante nas referidas reuniões. Que ressalta que deixou evidenciado a Bolsonaro e ao ministro da Defesa [general Paulo Sérgio Nogueira] que o Exército não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional", disse o general, segundo o termo de depoimento.

Procurada, a defesa de Torres preferiu não comentar o teor do depoimento. A defesa de Bolsonaro e de Garnier não se manifestaram.

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Jair Bolsonaro e o general Freire Gomes, último comandante do Exército no governo do ex-presidente - Gabriela Biló/Folhapress

Freire Gomes afirmou à PF não se recordar da data exata da reunião com Bolsonaro.

Ela teria ocorrido após um primeiro encontro, em 7 de dezembro de 2022, no qual o ex-presidente teria apresentado aos chefes militares um documento que listava uma série de supostas interferências do Judiciário no governo —os "considerandos" relatados pelo tenente-coronel Mauro Cid que embasariam a ação golpista.

O mesmo documento foi levado a uma reunião entre os chefes militares e o ministro da Defesa, em 14 de dezembro.

Freire Gomes diz que em todos os momentos, ele e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, mostraram-se contrários aos planos golpistas. O chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, teria se colocado à disposição do ex-presidente.

"Que ele e Baptista afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto. Que não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude. Que acredita, pelo que se recorda, que o almirante Garnier teria se colocado à disposição do presidente da República", contou Freire Gomes, segundo a PF.

Esta é a primeira vez que a minuta encontrada na casa de Anderson Torres em janeiro de 2023 —com proposta de decreto para instaurar estado de defesa e reverter o resultado da eleição presidencial— é ligada à trama golpista no fim do governo Bolsonaro.

O ex-ministro negou reiteradas vezes que tivesse levado o texto ao ex-presidente e afirmou à PF que o documento era "totalmente descartável".

No depoimento, o ex-chefe do Exército disse que Anderson Torres participou de reuniões em que o golpe de Estado foi tramado. De acordo com ele, o ex-ministro explicava o "suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas".

Os defensores das medidas golpistas, segundo Freire Gomes, usavam "interpretações do jurista Ives Gandra da utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no artigo 142".

O depoimento de Freire Gomes à Polícia Federal ocorreu em 1º de março e durou cerca de 7 horas. Ele falou aos investigadores como testemunha.

O general estava na Espanha, visitando a família, quando recebeu contatos de que seria intimado a prestar o depoimento. Segundo oficiais ouvidos pela Folha, Freire Gomes antecipou a volta ao Brasil para falar à PF.

Segundo o ex-comandante, as minutas apresentadas por Bolsonaro passaram por edições até se chegar ao texto que decretava estado de defesa e criava uma comissão de regularidade eleitoral para apurar a "conformidade e legalidade do processo eleitoral".

Na primeira reunião convocada por Bolsonaro, em 7 de dezembro, Freire Gomes conta que não sabia previamente qual seria a pauta do encontro.

Segundo a versão apresentada pelo general, o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, leu os "considerandos e fundamentos jurídicos da minuta". Depois da leitura, Bolsonaro informou que o "documento estava em estudo" e que "reportaria a evolução aos comandantes".

Na segunda reunião no Palácio da Alvorada, o ex-chefe do Exército contou que a versão do documento já era diferente: tinha uma fundamentação resumida e com a "decretação do estado de defesa e a criação da comissão eleitoral".

O relato descrito no termo do depoimento mostra que o delegado que conduz as investigações leu a minuta de decreto encontrada na casa de Anderson Torres e perguntou se era o mesmo texto apresentado por Bolsonaro no segundo encontro. Freire Gomes confirmou se tratar do mesmo documento.

O texto apreendido com Torres, revelado pela Folha, possuía três páginas e tinha como objetivo reverter o resultado da eleição presidencial vencida por Lula (PT).

A minuta decretava estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, com o "objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022".

A sede e demais unidades do TSE ficariam fechadas para preservação de documentos. Uma comissão iria avaliar a "conformidade e legalidade" do processo eleitoral (leia a íntegra do documento).

A Comissão de Regularidade Eleitoral seria composta por 17 membros: do Ministério da Defesa (oito pessoas), do Ministério Públicos Federal (dois), da Polícia Federal (dois), do Senado Federal (um), da Câmara dos Deputados (um), do Tribunal de Contas da União (um), da Advocacia-Geral da União (um) e da Controladoria-Geral da União (um).

O relatório final da comissão conteria, segundo o documento, o material probatório analisado e a relação nominal de eventuais envolvidos em desvios de conduta ou atos criminosos, de forma individualizada.

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