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Moraes acumula relatorias no STF 5 anos após o início do inquérito das fake news

Investigação aberta em 2019 justificou condução de casos que não tiveram sorteio e que miram bolsonarismo

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São Paulo

Desde que foi designado relator do inquérito das fake news, há cinco anos, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes acumula uma série de relatorias de casos de relevo na corte envolvendo desinformação e ameaças à democracia, servindo como justificativa inquéritos que já estão sob sua responsabilidade.

As investigações mais citadas para declarar a distribuição por prevenção —quando não há sorteio entre os ministros— são o inquérito das fake news, o das milícias digitais e o inquérito dos atos antidemocráticos de 2021, segundo levantamento da Folha.

O ministro Alexandre de Moraes durante sessão plenária do STF - Pedro Ladeira - 7.dez.22/Folhapress

Dentre esses três inquéritos, nenhum chegou à relatoria do ministro por sorteio. Os próprios inquéritos das milícias digitais e dos atos de 7 de Setembro de 2021, que miram o bolsonarismo, foram distribuídos por prevenção. Já o inquérito das fake news foi aberto de ofício, em 14 de março de 2019, e teve o relator escolhido pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

O levantamento (veja lista completa abaixo) levou em consideração, quando disponíveis, os dados nas certidões de distribuição ou no andamento do processo no tribunal. Nos demais casos, especialmente nos sigilosos, foram consideradas informações em decisões.

Em regra, procedimentos são distribuídos de modo aleatório. O Código de Processo Penal, no entanto, traz algumas exceções. Uma delas é a conexão probatória, quando a prova de uma infração tem influência na prova de um outro delito. Outro caso é quando as infrações são cometidas ao mesmo tempo por vários acusados reunidos ou quando as pessoas contribuíram para determinado crime.

A prevenção, por sua vez, se dá quando um juiz já tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou medida relacionada a ele.

Especialistas em direito penal consultados pela Folha avaliam que uma das principais dificuldades em avaliar se há de fato prevenção nos casos em questão, por causa de conexão entre as provas, por exemplo, é o aspecto sigiloso de vários dos procedimentos.

Com base no inquérito das fake news, Moraes se tornou relator de outras petições e inquéritos, entre eles está o aberto após pedido do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fosse investigado por suposto vazamento de dados sigilosos de uma investigação sobre um ataque hacker contra a corte em 2018.

Também justificou a relatoria do ministro em investigação instaurada após pedido da CPI da Covid contra o então mandatário e nas apurações sobre condutas indevidas na Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Conexão com o inquérito das fake news foi ainda utilizada na distribuição de investigação contra Google e Telegram instaurada em 2023 após medidas destas empresas contra o PL das Fake News em tramitação no Congresso.

Já no inquérito dos atos antidemocráticos aberto em abril de 2020, a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), a definição foi por sorteio. Foi com base nessa apuração que Moraes se tornou também relator do inquérito das milícias digitais.

Em um drible à PGR, ele arquivou a investigação como solicitado pelo órgão, mas abriu em sequência uma nova e usando o caso arquivado para justificar a relatoria.

É a este inquérito que estão vinculadas diferentes frentes de investigação envolvendo o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, como a de adulteração de cartões de vacina e das joias presenteadas pela Arábia Saudita. Também foi por prevenção a ele que Moraes relata petição sobre trama golpista, em que autorizou a Operação Tempus Veritatis.

Moraes é também relator dos diferentes inquéritos instaurados para apurar os ataques golpistas do 8 de janeiro, em que a prevenção foi justificada devido ao inquérito dos atos antidemocráticos do 7 de Setembro de 2021. Foi nele, inclusive, que Moraes expediu as primeiras ordens, horas após o episódio, como a de desocupação dos acampamentos em frente a quartéis e de afastamento de Ibaneis Rocha (MDB) do Governo do Distrito Federal.

Aberto mirando personagens como o cantor Sergio Reis e o caminhoneiro Marco Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, hoje deputado federal pelo PL-SC, a relatoria desta apuração foi para Moraes com base em uma petição sigilosa.

Em voto do ministro André Mendonça sobre a competência do Supremo para julgar o 8 de janeiro, o magistrado diz que tal petição teve a prevenção gerada pelo inquérito das milícias digitais –a Folha questionou o STF a respeito da distribuição da petição, mas não teve resposta.

Em votação sobre o 8 de janeiro, os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques foram os únicos a avaliar que o Supremo não era competente para julgar os casos, mas sim a Justiça Federal.

Renato Vieira, que é advogado e presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), vê como problemática a própria sistemática da figura da prevenção. "Isso faz com que o primeiro juiz se torne tendencialmente o único juiz dos fatos correlatos aquele primeiro."

Segundo ele, de modo geral, os tribunais não detalham muito as provas que embasam a conexão probatória, especialmente em investigações complexas.

Quanto a essas investigações tramitando no STF sob a relatoria de Moraes, ele vê o que parece ser uma excessiva ramificação dos inquéritos em petições, o que possibilita, a seu ver, tornar ainda mais difícil haver uma compreensão do todo da apuração pelos investigados. Além disso, vê com dificuldade enxergar conexão em alguns casos, como entre a falsificação de cartão de vacina e o inquérito das milícias digitais.

Marina Coelho Araújo, advogada criminalista e conselheira do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), explica que as exceções à distribuição livre dos processos buscam a eficiência e a economia processual.

Nos casos em questão, ela considera que precisaria de uma maior transparência, porque nem todas as investigações parecem ser conexas, sendo preciso, nessa hipótese, separá-las e distribuí-las livremente. "Se não tem conexão, não tem prevenção."

Um exemplo que ela cita como estranho é o da CPI da Covid e a investigação sobre fake news. "São questões que, em algum momento, elas se interligam porque tiveram fake news relacionadas a Covid, mas os fatos são muito diferentes", diz.

Já Helena Regina Lobo, que é advogada e professora de direito penal da USP, afirma que a falta de transparência de parte dos processos dificulta a análise sobre se há ou não prevenção. Mas pondera que, apesar de o escrutínio público ter este entrave, a validação dos demais ministros para que Moraes continue na relatoria é elemento relevante.

"É possível que essa conexão exista mesmo, mas a gente não tem isso demonstrado de forma pública por conta ainda do sigilo, porque essa investigação ainda está em curso."

Veja alguns dos inquéritos e petições sob relatoria de Moraes

Inquérito 4781: Fake news
Status atual: Sigiloso
Moraes foi designado relator sem sorteio

Inquérito 4878: Vazamento de dados sigilosos da PF
Status atual: Público
Distribuído por prevenção
Justificativa: inquérito das fake news

Inquérito 4888: CPI da Covid
Status atual: Público
Distribuído por prevenção
Justificativa: petição 10007, que tinha sido distribuída para Moraes devido ao inquérito das fake news

Petição 10391: Suspensão perfis do PCO
Status atual: Público
Distribuída por prevenção
Justificativa: em decisão Moraes determinou prevenção pelo inquérito das fake news

Petições 11108, 12155 e 12027: Uso indevido da Abin e FirstMile
Status atual: Sigiloso
Distribuídas por prevenção
Justificativa: em decisões Moraes aponta prevenção pelo inquérito das fake news

Inquérito 4933: Sobre ações contra PL 2630 de Google e Telegram
Status atual: Público
Distribuído por prevenção
Justificativa: inquérito das fake news consta como processo que justifica e o das milícias digitais como relacionado

Inquérito 4828: Atos antidemocráticos de abril de 2020
Status atual: Público
Distribuído por sorteio

Ação penal 1044: Daniel Silveira
Status atual: Público
Distribuída por prevenção
Justificativa: petição 9456, que tinha sido distribuída para Moraes devido ao inquérito dos atos antidemocráticos de abril de 2020

Inquérito 4874: Milícias digitais
Status atual: Público
Distribuído por prevenção
Justificativa: inquérito dos atos antidemocráticos de abril de 2020

Petição 10543: Golpismo em grupo de WhatsApp de empresários
Status atual: Sigiloso
Distribuída por prevenção
Justificativa: em decisão Moraes aponta inquérito das milícias digitais

Petição 12100: Trama golpista sob gestão Bolsonaro
Status atual: Sigiloso
Distribuída por prevenção
Justificativa: em decisão Moraes aponta inquérito das milícias digitais

Petições 10405, 11645: Cartões de vacina e joias da Arábia Saudita
Status atual: Sigiloso
Distribuídas por prevenção
Justificativa: não há menção explícita sobre a prevenção em decisões analisadas, os casos estão conectados ao inquérito das milícias digitais

Inquérito 4879: inquérito dos atos antidemocráticos de 7.set.2021
Status atual: Sigiloso
Distribuído por prevenção
Justificativa: petição 9855 (sigilosa), que, segundo voto de André Mendonça, tinha sido distribuída por prevenção para Moraes devido ao inquérito da milícias digitais

Inquérito 4920: Financiadores do 8/1
Status atual: Segredo de Justiça
Distribuído por prevenção
Justificativa: inquérito dos atos antidemocráticos de 7.set.2021

Inquéritos 4921, 4922 e 4923: Ataques do 8/1
Apuram respectivamente partícipes por instigação; executores e autores intelectuais; e autoridades omissas
Status atual: Públicos
Distribuídos por prevenção
Justificativa: inquérito dos atos antidemocráticos de 7.set.2021

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