Habitar o centro e reduzir pressão sobre zona oeste desafiam candidatos no Rio

Licenciamentos indicam aquecimento da região central, mas preços e modelo de negócio são limites para novos moradores

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Rio de Janeiro

Leandro Martins, 27, acorda às 4h30 de segunda a sexta-feira. Embarca no trem às 5h35 em Bangu, na zona oeste, e viaja em pé para chegar ao centro do Rio de Janeiro. Na Central do Brasil, pega o metrô até a Cinelândia, no centro, onde trabalha e precisa chegar antes das 7h.

Martins é assistente de faturamento em um laboratório de análises clínicas. Formado, também atua como arquiteto e urbanista autônomo. Na volta para casa, no fim da tarde, são mais duas horas de deslocamento.

Leandro Martins, que deixa sua casa às 5h35 da manhã na zona oeste do Rio, para trabalhar no centro da cidade - Eduardo Anizelli/Folhapress

Quando chega a sexta-feira, o cansaço da semana impede o lazer. Caso resolva esticar em outro compromisso depois do expediente, só consegue embarcar no trem parador —com tempo de viagem maior— e chega em casa por volta das 21h.

"A rotina pesa no lazer, pesa na saúde. Sinto dificuldade para fazer academia, me exercitar, ou fazer algum curso depois do trabalho."

Morador de Bangu desde que nasceu, Martins se queixa da falta de bons empregos na zona oeste.

"Já trabalhei em Campo Grande [zona oeste] e de casa até o serviço gastava 40 minutos. Se tivesse mais oportunidade de trabalho para quem mora na zona oeste, seria bem mais confortável. Hoje uma massa de pessoas sai daqui para trabalhar na zona sul."

Martins é um dos muitos moradores da zona oeste que gastam quatro horas ou mais todos os dias para ir e voltar do trabalho no centro. Além do tempo, a distância consome parte da renda: o deslocamento tem custo de R$ 340 por mês.

Em 2022, quando começou a trabalhar na Cinelândia, Martins pesquisou apartamentos na região e na zona sul para ficar mais próximo do trabalho e de mais espaços de lazer. Desistiu por considerar o preço do aluguel caro demais.

"Ainda é um desejo que tenho para os próximos anos, por conta do sofrimento que é morar na zona oeste. O transporte demora a passar e tem atrasos. É um caos. A gente sempre tem que sair muito cedo de casa e planejar não voltar tão tarde, por conta do perigo da rua", afirma.

O preço e o perfil dos novos imóveis na região central é um dos limites apontados por especialistas à recente tentativa da prefeitura de estimular a reocupação do centro.

"Esse movimento do Reviver Centro [um dos projetos de incentivo à reocupação do centro] procura expandir a sua ocupação para famílias de classe média", afirma Taisa Sanches, professora do Ippur (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional), da UFRJ. Ela ressalta, porém que são edifícios com imóveis, principalmente, em formato de estúdio, que não comporta famílias maiores.

Desde 2010 a prefeitura vem tentando estimular a construção de prédios residenciais no centro. Antes do Reviver Centro, a gestão Eduardo Paes (PSD) lançou o projeto de revitalização da zona portuária.

O objetivo é tornar a região central atrativa para construção de moradias, a fim de reduzir a pressão da especulação imobiliária na zona oeste nos últimos anos.

O Censo 2022 mostrou que os bairros da área passaram a concentrar 47% da população da cidade, contra 38% de 22 anos atrás. A alta se concentrou principalmente no entorno de Guaratiba e nas Vargens, região considerada ambientalmente frágil.

A reorientação ao centro é defendida por especialistas e tem sido feita em todo o mundo para reduzir a necessidade de novos investimentos em infraestrutura em áreas recém-ocupadas.

Dados do licenciamento para a construção de imóveis residenciais indicam que o mercado vem respondendo aos incentivos. A participação de novos empreendimentos na região central subiu de 0,1% em 2010 para 22% em 2024 (até maio).

Taisa aponta, porém, que o perfil das construções não é o melhor para a reocupação. Ela critica a falta de habitação de interesse social na região, o que, a seu ver, acaba por fazer com que famílias mais pobres não consigam moradia pelo mercado oficial e dependam de ocupações irregulares, muitas vezes controladas por milicianos da zona oeste.

"Os anúncios dos imóveis que estão sendo vendidos ali [no centro], é muito voltado para investimento. Alguns anúncios são feitos com uma perspectiva já muito voltada à ocupação para o turismo, Airbnb, por exemplo."

Foi o que despertou o interesse do casal Carlos Eduardo Gonçalves Cavalcanti, 36, e Rômulo Gonçalves Ávila, 43, moradores da Vila da Penha, zona norte do Rio. Em 2021, compraram um estúdio de 34m² na rua Irineu Marinho.

"Representa para nós a possibilidade de uma renda extra que, com passar do tempo, pode nos possibilitar a desacelerar um pouco o estilo de vida corrido que temos enfrentado", afirma Cavalcanti.

Confortável no bairro em que está, o casal não descarta, contudo, morar no apartamento nos próximos anos.

"Apesar da nossa intenção inicial ser utilizá-lo como fonte de renda, a unidade pode ser nosso novo lar, em um futuro um pouco distante ainda", diz Cavalcanti.

O urbanista Washington Fajardo, ex-secretário da gestão Paes, concorda que falta aos empreendimentos do centro atender a todos os perfis familiares, principalmente os de baixa renda.

"Esse é um problema nacional. A política habitacional no Brasil há bastante tempo, infelizmente, é vista como subsídio para a construtora. A gente não está fazendo o que outros países fizeram, que foi dar crédito para as famílias escolherem", disse ele.

Segundo ele, as construtoras têm um plano de negócios já consolidado para a construção em áreas desocupadas.

"O Minha Casa Minha Vida vem sendo um indutor da expansão urbana. Você imagina um terreno em Campo Grande, que não valia nada, e, de repente, vira um condomínio do Minha Casa Minha Vida. O dono do terreno do lado decide construir umas casinhas. O miliciano pensa igual, invade um terreno e faz casas. Esse aquecimento econômico do solo que não está preparado, e está muito distante dos olhos do Estado que cria esses fenômenos."

O ex-secretário afirma que a nova fronteira de reocupação deve ser a zona norte, cuja área seria suficiente para concorrer com novas moradias do oeste da cidade. O novo Plano Diretor, aprovado este ano na Câmara Municipal, deu novos incentivos para a construção por lá.

Fajardo vê o Rio de Janeiro numa fase de "urbanismo concorrente", na qual a ideia de expansão está vencendo. Ele afirma, porém, que a reorientação ao centro está perto do empate e "com o controle da bola". "Nenhuma capital brasileira tem o aumento do estoque habitacional na área central como o Rio."

A professora Ester Alves de Oliveira, 51, mora em Campo Grande e financiou um apartamento na região do Porto Maravilha. As obras estão perto do fim e ela pretende se mudar no primeiro semestre do ano que vem para ficar mais próxima do trabalho.

"Dou aula em dois lugares diferentes do centro e é quase impossível chegar na hora", conta ela. "Tem semanas que meu nível de estresse está no alto e isso é muito por conta do deslocamento. O lado ruim que observo por enquanto é o risco de não me adaptar. Morei a vida toda em casa com quintal e tenho medo dessa mudança para um apartamento pequeno."


PROPOSTAS DOS PRÉ-CANDIDATOS PARA A REOCUPAÇÃO URBANA:

Eduardo Paes (PSD): O pré-candidato, que tenta a reeleição, defende que o centro e a zona portuária sigam como a nova frente de ocupação. Afirma que os projetos Porto Maravilha e Reviver Centro buscam reverter a lógica de expansão para o oeste.

Paes promete construir o Parque do Porto, restaurar a Estação da Leopoldina e ajudar a viabilizar o estádio do Flamengo. Cita o Plano Diretor, que estimula construções na zona norte, e defende criação de parques para contenção do crescimento na zona oeste.

Tarcísio Motta (PSOL): O pré-candidato defende a criação de uma imobiliária pública para construir moradias de qualidade a preço acessível. A meta é produzir 100 mil casas para 300 mil cariocas.

Motta defende que metade dessas habitações sejam disponibilizadas no centro do Rio, através do Projeto Porto Moradia. A outra metade, na região da zona norte. Em relação à zona oeste, ele promete combater a grilagem de terra e investir na proteção socioambiental dos bairros.

Alexandre Ramagem (PL): O pré-candidato promete revitalizar e aumentar a densidade habitacional nas áreas centrais, e também melhorar a atratividade econômica e de serviços no centro e zona norte.

Ramagem afirma que vai promover incentivos tributários, impedir a expansão urbana em áreas de risco, enrijecer as regras de construção e promover a discussão social sobre o aumento desordenado do limite de altura permitida para construção dos prédios.

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