Descrição de chapéu REM-F

Municípios dizem estar subfinanciados, mas incharam funcionalismo

Após Constituição de 1988, quase 1.200 cidades foram criadas, exigindo mais gastos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Dirigentes das principais entidades que representam os municípios afirmam que eles sofrem de subfinanciamento ou distorções na alocação de recursos para tocar áreas como saúde, educação e saneamento —indicadores do Ranking de Eficiência dos Municípios - Folha.

No Brasil, cerca de três quartos das cidades têm no FPM (Fundo do Participação dos Municípios) a sua principal fonte de recursos. Entre 80% e mais de 90% da receita deles vêm deste fundo. Como os impostos e taxas são gerados nos municípios, eles acabam recebendo de volta 24,5% do IR e do IPI arrecadados pela União; e 25% do ICMS e 50% do IPVA obtidos pelos estados.

Segundo Jeconias Júnior, secretário-executivo adjunto da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos, um dos problemas é que, nas últimas duas décadas, cerca de 40 milhões de pessoas passaram a viver nos 30% dos municípios mais subfinanciados, sobretudo pela migração para as periferias das grandes cidades.

Por outro lado, 19 milhões deixaram de morar em cidades pequenas, que recebem mais recursos, proporcionalmente, do FPM. Segundo Júnior, isso é resultado da forma como é pensado o federalismo no Brasil, que vê as cidades menores como pobres e as grandes como ricas. "Isso precisa passar por revisão", afirma.

Paulo Ziulkoski, presidente da CMN (Confederação Nacional dos Municípios), afirma que outro problema é o subfinanciamento para programas gestados em Brasília. "Existem 198 programas do governo federal para os municípios, e muitos deles não têm valores de repasses corrigidos adequadamente para serem tocados ou implementados."

O Brasil tem mais de 6,5 milhões de pessoas trabalhando nas prefeituras. Elas tiveram um vigoroso aumento no funcionalismo a partir da Constituição de 1988, que impôs aos prefeitos uma série de novas atribuições, sobretudo em saúde e educação —áreas intensivas em pessoal.

Mas o país também cometeu a extravagância de criar quase 1.200 municípios a partir da Carta de 1988 (quase um quinto dos atuais), gerando administrações (com mais servidores) dependentes de recursos públicos via transferências da União e dos estados.

O funcionalismo também só parou de crescer de forma insustentável recentemente —média de 5,75% de alta em sete anos. Mas, entre 2004 e 2014, a expansão chegou a 53%.

Dados do REM- F revelam que, quanto maior o aumento do funcionalismo, menos eficiente é o município, pois ele acaba tendo menos dinheiro livre para programas e investimentos.

Mesmo assim, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os municípios tiveram, neste século 21, quase sempre a maior média de crescimento real das despesas com salários e vencimentos entre os três entes federativos —que incluem União e estados. É nos municípios também onde se dá o maior comprometimento (cerca de 40%) da receita primária disponível com salários.

Na educação, o baixo desempenho de muitos municípios —onde ocorrem os anos iniciais de aprendizado— é explicitado pela qualidade da formação dos alunos nos anos seguintes da vida escolar. Aos 10 anos, as crianças brasileiras estão entre as últimas colocadas em provas internacionais de leitura. Quando chegam aos 15 anos, 70% não conseguem alcançar os níveis básicos de proficiência em matemática, ciências e leitura.

Como consequência, na vida adulta, apenas 12% dos brasileiros são plenamente alfabetizados, capazes de elaborar textos complexos e interpretar tabelas e gráficos elaborados, segundo Naercio Menezes, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper e professor associado da FEA-USP.

Em junho de 2023, o governo federal lançou o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, definindo iniciativas e metas em parceria com estados e municípios. "O problema é que a responsabilidade está a cargo de cada uma das mais de 5.500 secretarias municipais das cidades, grande parte com menos de 20 mil habitantes", diz Menezes.

Sapatos e brinquedos de crianças em creche de Botucatu (SP); cidade segue o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, do governo federal.
Sapatos e brinquedos de crianças em creche de Botucatu (SP); cidade segue o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, do governo federal - Rubens Cavallari/Folhapress

"Na maioria dos casos, elas não têm estrutura para implementar políticas baseadas em evidências. E muitos prefeitos não se dispõem a investir capital político em amplas reformas educacionais, pois os incentivos são baixos, e os retornos políticos, incertos".

Para Menezes, uma saída seria oferecer apoio operacional direcionado aos municípios e incentivos financeiros para os que conseguirem atingir metas de alfabetização. Há estados e municípios, no entanto, que vêm avançando mais.

Segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2023, principal indicador de qualidade da educação, as cem melhores escolas com melhor desempenho nos anos iniciais de ensino são todas do Nordeste —68 são escolas públicas do Ceará, 31 de Alagoas e uma de Pernambuco.

O REM-F revela que o Nordeste tem grande concentração de municípios "eficientes" e com "alguma eficiência" —sobretudo por terem receita per capita menor que as regiões do Sul e Sudeste, o que mostra que conseguem fazer mais (em educação, saúde e saneamento) com menos recursos.

Outro problema na educação são as vagas em creches —um dos indicadores do REM-F. Segundo o Ministério da Educação, o Brasil tem 632 mil crianças fora dessas unidades, e há filas em 44% dos municípios.

Na saúde, uma das principais atribuições dos municípios é a coordenação de equipes da atenção primária por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF). Nos últimos 20 anos, esse trabalho diminuiu quase à metade a mortalidade infantil nos municípios, que caiu de 20,1 óbitos a cada mil nascimentos para 12,6.

Segundo Julia Pereira, analista de Relações Institucionais do Iesp (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), há, no entanto, novas agendas a serem perseguidas para aprimorar a eficiência das administrações municipais.

Entre elas, seria preciso o mapeamento detalhado das estruturas físicas e de pessoal por categoria profissional nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) para planejar ações; aprimorar sistemas digitais para marcação de consultas e redução de faltas; investir em qualificação; e adotar estratégias de comunicação para informar sobre serviços disponíveis e ouvir usuários sobre suas experiências.

Normalmente, no entanto, os investimentos que os prefeitos fazem —por questão de visibilidade— tendem a ser maiores nos níveis secundário (especialidades) e terciário (hospitais complexos) do que no primário (prevenção).

Na infraestrutura, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico vem impulsionado investimentos desde sua aprovação, em 2023. Mas o Brasil está longe de suas principais metas: eliminar lixões até 2024 e oferecer acesso à água potável a 99% da população e esgoto tratado a 90% até 2033.

Estação de tratamento de esgoto da Sabesp em Botucatu, primeira colocada no REM-F.
Estação de tratamento de esgoto da Sabesp em Botucatu, primeira colocada no REM-F - Rubens Cavallari/Folhapress

Segundo Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, existem hoje investimentos já licitados de R$ 71 bilhões para atender 30 milhões de pessoas; e outros R$ 375 bilhões em estruturação envolvendo 66 milhões de habitantes.

Mas, em 579 municípios com 10 milhões de pessoas, ainda não há investimentos no horizonte. "Neles, a ‘dona Maria’ não tem perspectiva à frente. São casos à deriva", diz Pretto.

Menina caminha em passarela sobre área sem saneamento básico no bairro Orlando Amaral, no Marajó.
Menina caminha em passarela sobre área sem saneamento básico no bairro Orlando Amaral, no Marajó - Lalo de Almeida/Folhapress

Ela afirma que os estados do Sul e Sudeste devem chegar primeiro às metas e que algumas regiões do Norte e Nordeste poderão falhar nos objetivos.

Um dos exemplos promissores é o Amapá, onde o saneamento agora está a cargo da empresa privada Equatorial, a mesma que se tornou acionista de referência com a privatização da Sabesp.

No estado, desde que a Equatorial assumiu, em 2021, o fornecimento de água, segundo Pretto, saltou de cerca de 26% para mais de 50% da população.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.