Descrição de chapéu Seminário Coração Fraco

Sobreviventes de infarto contam como convivem com insuficiência cardíaca

Pacientes mudam de rotina, largam o cigarro e controlam o estresse em busca de qualidade de vida

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São Paulo

Aos 49 anos, a professora Iris Galletti, 60, resolveu parar de fumar e jogou fora seu último cigarro. Foi instinto, diz, porque naquele dia teve um infarto

Professora de física no ensino médio de um colégio particular de São Paulo, não tinha pressão ou colesterol altos, nem sentia o coração fraco. Segundo conta, o motivo de ter perdido quase todo o ventrículo esquerdo foi o stress. Com o infarto, Iris ganhou um stent, um desfibrilador, um marca-passo e uma insuficiência cardíaca crônica, com a qual convive até hoje. 

A professora de física Iris Galletti
A professora de física Iris Galletti - Keiny Andrade/Folhapress

No início, o cansaço era imenso, até falar na sala de aula era um sacrifício. Depois de infartar, continuou trabalhando no colégio por mais de um ano, apesar de o ofício ser uma fonte de tensão. Teve de ser internada algumas vezes. 

A gravidade do caso (alguns prognósticos eram de apenas seis meses de sobrevida) fez Iris mudar de rumo. Largou o emprego de professora e passou a se dedicar ao seu hobby. 

No ateliê onde só ia nas horas vagas, começou a ensinar cerâmica. Os alunos foram aparecendo. Hoje, Iris dá aulas da técnica artística de segunda a sábado. “Trabalho muito e sou muito feliz.”

Para não deixar nada estragar o que restou de seu coração, a professora encarou um programa de mudança de hábitos. De sedentária, passou a fazer uma hora de esteira sete dias por semana, a cuidar melhor da alimentação e a tomar os remédios religiosamente. 

Muitas vezes, quando se sentia melhor e a doença crônica parecia estar curada, pensava em relaxar o tratamento, mas resistia. “Não pode, é para o resto da vida.” 

Iris persiste com suas 20 doses diárias de remédios, passa por baterias de exames a cada seis meses, come pouco e corre seis quilômetros todo dia. 

O mais importante, diz, foi aprender a controlar o stress, com a ajuda do hobby que virou trabalho. “Com isso, não me entrego à doença. Cultivo a vida, não o problema.”

Diferentemente de Iris, a maioria não entende a insuficiência cardíaca como uma doença crônica, diz Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, organização voltada à disseminação de informações sobre a saúde para o público leigo. 

A doença é prevalente e subdiagnosticada, segundo a cardiologista Ariane Macedo, diretora da Rebric (Rede Brasileira de Insuficiência Cardíaca), e gasta-se muito tempo do surgimento dos sintomas até o diagnóstico e o tratamento. 

A demora em identificar um quadro de insuficiência cardíaca tem a ver com a falta de informações sobre a doença e, também, com a pouca importância dada a um dos seus primeiros sinais, o cansaço.

Iris vivia estressada, mas não percebia a fraqueza cada vez maior do músculo cardíaco. Algo semelhante aconteceu com Wilson Pecinho, 70, até seu primeiro infarto, em 1996. Era inimaginável para o mecânico de automóveis, então com 58 anos. “Eu não tinha nenhum sintoma, só era um pouco nervoso”, diz ele. 

Na época, foram implantados dois stents em seu coração. Wilson infartou de novo em 2010. Agora, carrega um marca-passo e seis stents. 

O mecânico Wilson Pecinho com seu neto Henrico
O mecânico Wilson Pecinho com seu neto Henrico - Keiny Andrade/Folhapress

Vive à base de muitos remédios e pouco esforço físico. Teve de largar o trabalho na oficina, mas diz levar uma vida normal. “Só estou mais quietinho.”

Às vezes, sente tonturas ou dificuldade para respirar. “Mas depois, fica tudo bem.” As condições, porém, fazem com que tenha medo de sair sozinho. E, a cada três meses, mais ou menos, desembocam em algum problema como arritmia ou água no pulmão, causando as sucessivas reinternações. “Tenho até vergonha do hospital, todo mundo me conhece.” 

A família ajuda Wilson a lidar com as consequências da insuficiência cardíaca. 

Por causa do medo de sair sozinho, ele conta que está sempre acompanhado da mulher, Magali, ou das filhas. 

Em casa, Magali se empenha em garantir uma alimentação saudável, mais ou menos do mesmo jeito que sempre foi, segundo ela. Os vários remédios, tomados em diferentes doses e horários, estão todos anotados em um papel. “Ele pega a lista e toma tudo direitinho”, afirma Magali.

Pacientes com o mesmo grau de comprometimento cardíaco podem ter respostas diferentes, explica Marcelo Sampaio, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese e chefe do pronto-atendimento do hospital BP Mirante. 

Isso depende do grau de adesão ao tratamento e da qualidade da informação assimilada pelo paciente. “Além de colocar as cartas na mesa, o médico precisa ensinar a pessoa a se autoavaliar.” 

Dar poder e funções ao paciente faz com que ele se envolva no tratamento. A família e os cuidadores precisam ser engajados. Garantir o uso dos remédios, que não são poucos, reduzir a ingestão de sal e líquidos, seguir um programa controlado de atividades físicas e manter a regularidade de visitas e exames médicos fica mais fácil com uma estrutura de apoio em casa. 

“No início, costuma haver um pouco de revolta com a mudança, mas, com o tempo, tudo entra na rotina. Se não for cumprida, tudo pode voltar à estaca zero”, afirma a cardiologista Ariane. 

E às reinternações. Uma das dificuldades para convencer o paciente sobre a importância de seguir as prescrições é que nem sempre os resultados esperados pelos médicos são claros para os leigos.

“Evitar ou espaçar internações é uma vitória para nós, mas, para quem está doente, isso não é tão palpável quanto a cessação de um sintoma”, afirma Marcelo. 

Do lado dos profissionais de saúde, ajuda muito a capacidade de entender as queixas do pacientes e saber adaptar o tratamento de acordo com as necessidades e limitações de cada pessoa.

“Cada um tem que fazer a sua parte, porque vamos entrar em um relacionamento sério e duradouro”, diz Ariane. 

“Casei com os médicos”, brinca o empresário Ricardo Castanheri, 63. A brincadeira é séria: na noite de Natal de 2007, em sua casa em Ribeirão Preto, ­teve um infarto. Com apenas 51 anos, perdeu 50% do músculo cardíaco. 

O empresário Ricardo Castanheri
O empresário Ricardo Castanheri - Keiny Andrade/Folhapress

Foi informado da perda no mesmo dia em que o pai morreu. Em estado de choque e com apenas meio coração no peito, seguiu em frente. “Cansado, cansado. Até chegar ao ponto em que eu não conseguia dar 20 passos sem bufar.”

Ele largou o trabalho na agência de publicidade da qual era sócio e foi para a fila de transplante. Durante a espera, diz ter visto pelo menos 12 pessoas morrerem antes de receberem doação de órgãos. 

O novo coração chegou e, depois da recuperação do transplante, feito em 2016, sente ter melhorado 95%. Apesar de não ter começado um programa de atividades físicas, o cansaço para realizar atividades diárias diminuiu. Antes do transplante, até tomar uma ducha era um sacrifício: “Precisava descansar uma hora depois de tomar banho”. 

A vida nova com o coração doado é melhor, mas cheia de regras. “Tem que seguir, senão o trem passa por cima”, diz ele. 

A alimentação é controlada. Ricardo não pode engordar, mas precisa balancear as refeições para não ficar anêmico. Chegou a cortar o sal e tomar só 500 ml de água por dia. Hoje, equilibra dieta com pouco sal, uso de diuréticos e controle da função renal. Engole 13 cápsulas de remédios por dia —no início, eram pelo menos 18 doses diárias. 

O casamento com os médicos continua, num calendário de consultas e internações. Pelas previsões de Ricardo, será longo. “Vou passar o Niemeyer”, diz, referindo-se ao arquiteto morto em 2012, dias antes de completar 105 anos.

Entenda o que é insuficiência cardíaca

Coração saudável

Erika Onodera/Folhapress

- O coração funciona como uma bomba hidráulica: os músculos relaxam para encher de sangue e, depois, contraem para ejetá-lo

- O sangue que vem do corpo, rico em gás carbônico, passa pelo lado direito do coração e é mandado para os pulmões

- No pulmão, o gás carbônico é substituído por oxigênio e mandado para o lado esquerdo do coração

- O sangue rico em oxigênio é bombeado para nutrir todos os tecidos do corpo

Coração com insuficiência sistólica

Erika Onodera/Folhapress

- As cavidades ficam finas e esticadas

- O órgão dilata e pode até dobrar de tamanho

- O sangue entra, mas o coração não tem força para bombeá-lo

- Causas possíveis: doenças coronarianas (como o infarto do miocárdio), doença de Chagas, miocardites (inflamações do músculo cardíaco), doenças das válvulas cardíacas e hipertensão

Coração com insuficiência diastólica

Erika Onodera/Folhapress

- As cavidades ficam espessas e rígidas

- O órgão perde a capacidade de relaxamento

- Como não consegue se encher de sangue, o coração bombeia um volume pequeno para o corpo

- Causas possíveis: doenças restritivas (que deixam o coração mais rígido, como endomiocardiofibrose) e fatores que podem estar combinados –obesidade, diabetes, hipertensão, idade avançada (acima de 65 anos) e gênero (por questões hormonais, mulheres estão mais propensas a ter esse tipo de insuficiência)

Consequências

Nos dois casos, o coração não consegue bombear o sangue para nutrir os tecidos de forma adequada

 Principais sintomas

- Falta de ar progressiva

O sangue que não é bombeado para o corpo fica acumulado nos pulmões. A pessoa começa a ter dificuldade para fazer atividades que exigem esforço, como subir uma ladeira, e, depois de algum tempo, sente falta de ar para realizar tarefas simples, como escovar os dentes

- Inchaço nas pernas

O sangue fica acumulado nos membros inferiores. Em alguns casos, também há aumento do volume abdominal

- Fadiga

Com os órgãos e músculos mal nutridos, o indivíduo fica cansado e sem energia

Fonte: Félix Ramires, cardiologista e coordenador do programa de insuficiência cardíaca do Hcor (Hospital do Coração)

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