Descrição de chapéu 3º Seminário Economia da Arte

Ação literária na periferia de São Paulo faz 15 anos e amplia público

Saraus, festivais e slams são exemplos de atividades de incentivo à leitura organizadas na zona sul

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São Paulo

A garagem da casa de Suzi Soares e Robinson Padial, o Binho, tornou-se um centro cultural no bairro de Campo Limpo e polo literário da zona sul de São Paulo.

Ali, são realizados saraus poéticos, clube de leitores, conversas com escritores. É também o quartel-general da Felizs (Feira Literária da Zona Sul), realizada há quatro anos pelo Sarau do Binho.

A quarta edição da feira, que aconteceu de 8 a 21 de setembro, reuniu cerca de 10 mil pessoas em dezenas de espaços da região, incluindo escolas da rede pública e biblioteca

Da garagem da casa na rua Padre Antônio Romano, saiu o cortejo de abertura das atividades, a caminhada literária, na segunda, dia 9. Na semana seguinte, no dia 16, garagem, cozinha, sala e a calçada em frente à casa lotaram com o público do bate-papo poético “Conversa Vai, Com Versos Vem”. 

Mães, pais, avós, estudantes, poetas e curiosos se reuniram para ouvir a escritora Cidinha da Silva, autora de “#Parem de Nos Matar”, e o poeta Sérgio Vaz, criador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia).

Nos bate-papos, os participantes leem trechos de suas obras, falam sobre outros autores e livros. Para abrir a conversa, Binho anuncia a intervenção do poeta Akins Kintê. “Dez, 12 minutos de poesia vocês aguentam”, disse ao público. 

Todos os encontros têm alguma intervenção literária, conta Suzi. “É uma oportunidade de incluir novos autores na programação e de eles ganharem algum cachê”, diz ela. 

Suzi, ao lado de seu marido Binho e de mais seis mulheres, é uma das organizadoras da Felizs. A primeira feira aconteceu em 2015, depois de ganharem o edital Rumos, do Itaú Cultural.

“O dinheiro previsto no projeto era para fazer um dia de atividades. Fizemos, com aquele valor, uma semana de programação. No ano seguinte, já foram 12 dias”, diz Suzi. 

Depois da primeira edição, a Felizs conseguiu patrocínios de fomentos e editais, como o Proac, e há três anos tem apoio do Itaú Social. O Sesc Campo Limpo também é parceiro do projeto.

A função de Suzi na feira é a de “pidona”, diz. Ela faz articulações, convida participantes e busca apoios.

A Felizs é uma ampliação do que acontece nos saraus mensais, segundo Diane de Oliveira Padial, irmã de Binho. “Nesses encontros, a pessoa começa a ser cutucada pela literatura. Tem acesso a livros, a autores, fica estimulada a ler e a escrever”, diz ela, que também faz parte da organização.

Nas periferias da cidade, há um calendário literário intenso, segundo Sérgio Vaz. “As grandes livrarias nas áreas centrais estão fechando e ninguém percebe a importância desse movimento que já acontece há mais de 15 anos na periferia”, diz ele.

Com oito livros publicados (o primeiro em 1988), Vaz conta que, no início, foi difícil encontrar quem lesse sua obra. “É esse nosso trabalho: despertar nas pessoas a vontade de ler.”

Segundo ele, isso começa com a oralidade, com os saraus e slams, para chegar ao livro. “Novos leitores surgem seduzidos pela palavra”, diz. É uma sedução tão grande quanto a provocada por autores consagrados. 

No encerramento da Felizs, foram as vozes potentes de poetisas e poetas da região que seguraram o público aglomerado na praça do Campo Limpo, após uma falha técnica interromper a conversa entre o escritor moçambicano Mia Couto e a autora brasileira Ana Maria Gonçalves. 

Quando os microfones ficaram sem som, Binho convocou alguns dos presentes para fazer aquilo que sabem: poesia falada. A plateia vibrou com as apresentações.

O tema da conversa, mediada pela jornalista e atriz Maitê Freitas, era a literatura como instrumento de mudança no mundo. “Não sei se muda o mundo, mas nos desarruma de nossa própria identidade”, diz Couto. 

É também uma vontade de se colocar no mundo. A leitura vem muito pelo desejo de produzir literatura. 

“Eu tinha vontade de me expressar e estava entalada, então quis escrever. Para conseguir fazer isso, tenho que ler”, diz Thais de Sá, 16, que frequenta uma oficina de escrita no centro literário Escrevedeira, na zona oeste, em parceria com o Instituto Acaia. 

Em junho, Thais, seus colegas de oficina e outras pessoas ligadas ao projeto social que atende crianças e adolescentes das comunidades ao redor do Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), também na zona oeste, realizaram na sede do instituto um sarau com o nome “Se o mundo inteiro pudesse me ouvir”. 

Além de querer ler e ser ouvidas, as pessoas também querem ser lidas. Para resolver esse problema, o escritor e ator Paulo Cesar Marciano montou a Editora Gráfica Heliópolis. 

Em 2008, PC, como é chamado, largou o emprego em uma transportadora para viver de literatura e teatro. 
Durante as tentativas para lançar o primeiro livro, conheceu autores de Heliópolis que publicaram de forma independente. “Vi gente que vendeu carro para imprimir mil exemplares e vendeu 200”, diz. 

Na editora, inaugurada em dezembro de 2018 em uma sala da biblioteca do CEU Heliópolis, as mesas são de pallet, e as impressoras, de escritório. Para publicar, o escritor só paga o material. Cada livro custa entre R$ 3,80 e R$ 8 a unidade, e são impressos 50 exemplares por edição. Se vender bem, são feitas reimpressões.

Sua meta, quando abriu a editora, era lançar 50 livros em um ano. Neste mês, terá 56 títulos prontos. Por enquanto, só são publicados livros de moradores de Heliópolis.

A primeira obra lançada foram poemas de cordel feitos por alunos de uma escola da região. O best-seller é um livro infantil da pedagoga Juliana Roschel da Silva. Com várias reimpressões, “Cabelo Enroladinho e Pele Pretinha — Cadê Minha Bonequinha”, já vendeu 600 exemplares.

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