Para o projeto “Amor Raro”, Fernanda Takai não teve de treinar a voz, mas afinou os ouvidos e a empatia, instrumentos fundamentais para compreender a vida dos que convivem com casos de distrofia muscular de Duchenne.
A DMD é uma doença rara, caracterizada pela degeneração progressiva dos músculos esqueléticos, respiratórios e do coração. Afeta quase exclusivamente meninos (1 a cada 3.500) e pode provocar a morte do portador antes da idade adulta.
Takai e outras cinco personalidades —Carlinhos Brown (músico), Daiane dos Santos (ginasta), Márcio Canuto (repórter de TV), Mario Sergio Cortella (filósofo) e Mauricio de Sousa (cartunista criador da Turma da Mônica)— aceitaram o convite de passar um dia com pacientes e suas famílias e registrar essa experiência num livro com o muito apropriado título de “Amor Raro”.
Todo o lucro da obra (ed. Construtores de Memórias, R$ 49,90, 96 págs.) será revertido à Aliança Distrofia Brasil (ADB), associação nacional que busca melhores condições para os pacientes.
O patrocínio é do laboratório Sarepta e da Maurício de Sousa Produções, que em 2019 já haviam lançado “Cada Passo Importa”, série educativa em quadrinhos da Turma da Mônica protagonizada pelo personagem Edu, portador de Duchenne.
“A série é bem didática e trata o assunto com carinho e cuidado”, diz Takai, que recorreu às revistas para se informar sobre a DMD, que desconhecia. No livro, ela relata a história de João Eudes.
“Meus pais notaram esses problemas quando eu tinha dois anos, mas os médicos falavam que não era nada”, lembra Júlio Barreto, 33, de Salvador. A família só conseguiu alguma resposta efetiva quando Júlio tinha quatro anos, com um neurologista em São Paulo. A doença continua sem cura, mas, no início dos anos 1990, não existia sequer um protocolo de tratamento.
Aos 11, Júlio passou a usar a cadeira de rodas e aos 13 não conseguia mais andar, mas a fisioterapia permitiu que levasse uma rotina normal até a faculdade. A DMD só foi confirmada em 2009, com teste de DNA. Passou a tomar corticoides e ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar que inclui neurologista, cardiologista, psicólogo e nutricionista.
Os cuidados e o uso de um aparelho para manter a respiração regular durante o sono (Bipap) permitem que Júlio, que faz doutorado em engenharia na Universidade Federal da Bahia, leve uma vida normal. Mas o desconhecimento da doença, mesmo por parte dos médicos, ainda subtrai de muitas famílias a possibilidade de trilhar esse caminho, como conta o pai de outro paciente.
“A forma como ouvimos o diagnóstico do meu filho foi muito pesada. Quando ele tinha cinco anos disseram que morreria antes da fase adulta e que nem o plano de saúde mais caro o trataria”, lembra Lindemberg Moreira, 39, pai de João Eudes.
Todo o tratamento de João é feito pela rede pública de Fortaleza e, aos 9, ele ainda não precisa de cadeira de rodas. Em uma das sessões de hidroterapia do filho na Universidade de Fortaleza (Unifor), o pai foi convidado a participar de um grupo de famílias que conviviam com a DMD. “Foi um alívio descobrir que não estávamos sozinhos”, lembra.
Moreira começou a participar da Associação Cearense de Distrofias Musculares em 2018. Como voluntário, ajuda a conscientizar sobre a importância do diagnóstico precoce das distrofias.
Tássia e Vagner, mãe e padrasto de Rafael Vasconcelos, 16, portador da DMD e cadeirante desde os 9, atuam em associações de pais no Espírito Santo e conseguiram apresentar no início de 2020 uma proposta de lei estadual para que o teste de DNA seja feito nos primeiros meses da criança.
“O intercâmbio das famílias entre si é de afeto, um conforto psicológico e espiritual”, afirma Fernanda Takai.
Alguns exemplos de doenças raras
Acromegalia
Doença crônica que ocasiona o aumento excessivo de tecidos corporais, causada pelo excesso de hormônio do crescimento (GH) e da proteína IGF-1
Sintomas Fraqueza, altura e sudorese excessivas, dor articular, ossos grandes
Atrofia muscular espinhal (AME)
Doença genética neuromuscular causada por deficiência do gene que produz a proteína SMN e mata os neurônios motores
Sintomas Fraqueza muscular e comprometimento da mobilidade de membros do corpo
Epidermólise bolhosa
Grupo de doenças genéticas e hereditárias, com mais de 30 subtipos, caracterizadas por bolhas e lesões na pele, causadas por alteração do colágeno. A fragilidade da pele é comparada à de asas de borboletas
Fibrose cística
Doença genética que atinge pulmões, pâncreas e sistema digestivo, também conhecida como mucoviscidose ou doença do beijo salgado. Um gene defeituoso faz o corpo produzir muco mais espesso, que atrai bactérias infecciosas
Sintomas Tosse crônica, diarreia, suor mais salgado que o normal, dificuldade de ganhar peso e estatura
Hemofilia
Doença genética provocada por deficiência na atividade de proteínas responsáveis pela coagulação do sangue. Estimativas variam entre cerca de 400 mil e 1 milhão de casos no mundo e cerca de 13 mil no Brasil
Sintomas Sangramentos prolongados, dores e inchaço de articulações ou músculos
Lúpus eritematoso sistêmico
Doença autoimune causada pelo desequilíbrio do sistema imunológico, que reage contra células do próprio corpo; atinge órgãos internos e a pele
Sintomas Sensibilidade ao sol, queda de cabelos, dor nas articulações, perda de apetite e peso, dificuldade para respirar, redução motora dos rins, convulsões e tromboses
Neuromielite óptica
Também conhecida como doença de Devic, é uma condição autoimune inflamatória causada pela produção de anticorpos que atacam proteínas no sistema nervoso e podem destruir células na medula espinhal e fibras nervosas no nervo óptico
Sintomas Embaçamento da visão, dificuldades na locomoção e no controle dos esfíncteres
Osteogênese imperfeita
Também chamada de ossos de vidro ou doença de Lobstein, tem origem genética e se caracteriza principalmente pela fragilidade dos ossos. Mutações em genes responsáveis pela síntese de colágeno causam a redução da massa óssea
Sintomas Ossos frágeis, perda da audição, deformidade do crânio e baixa estatura
Raquitismo
Doença que compromete os ossos de crianças em fase de crescimento; pode ser hereditária ou causada por deficiência de vitamina D, cálcio ou fósforo. Os ossos ficam enfraquecidos e suscetíveis a fraturas
Sintomas Dores ósseas, anormalidades dentárias, baixa estatura e deformidades em membros inferiores
Fontes: Ass. Bras. de Esclerose Múltipla e Atlas da EM (3ª ed); Ass. Bras. de Assistência a Mucoviscidose, Grupo Bras. de Estudos de Fibrose Cística e Unidos pela Vida-Inst. Bras. de Atenção à Fibrose Cística; Casa Hunter, Inst. Vidas Raras, Genomika; Ass. Bras. de Pessoas com Hemofilia, Ministério da Saúde e World Federation of Hemophilia; Juntos pela AME, Inst. Nac. da AME; Sociedade Bras. de Neurocirurgia; Aliança Distrofia Brasil; Soc. Bras. de Dermatologia
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