Descrição de chapéu Vida Cultural - 3ª edição

Experiência imersiva pode ajudar teatro e cinema a recuperarem público perdido na pandemia

Especialistas acreditam que filmes com efeitos e peças interativas são caminhos para atrair espectadores

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Rio de Janeiro

Apostar em experiências imersivas, pautadas no contato entre o público e as obras, é uma das alternativas para o cinema e o teatro recuperarem os espectadores que ainda não voltaram em razão da pandemia.

É essa a opinião de profissionais da cultura que participaram da terceira edição do seminário Vida Cultural, promovido pela Folha e pelo Itaú Cultural nesta quinta-feira (15).

Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, faz a mediação da 3ª edição do Seminário Vida Cultural , realizado pela Folha e pelo Itaú Cultural no dia 15 de setembro - -Jardiel Carvalho/Folhapress

Pesquisa realizada pelo Datafolha e Itaú Cultural sobre hábitos culturais mostrou que 62% dos entrevistados reduziram a frequência com que vão ao cinema e ao teatro depois da pandemia. O estudo ouviu 2.240 pessoas de todas as regiões do país, entre junho e julho deste ano.

"Os dados da pesquisa impressionam, mas não surpreendem, porque os filmes vêm perdendo público há muito tempo por causa da tecnologia e do advento do streaming", diz Roberto Gervitz, diretor e roteirista de cinema.

Ele acredita que há espaço para filmes grandiosos, com efeitos especiais tão sofisticados que fazem o espectador se sentir dentro da história.

"A tendência que mais se desenha é que o cinema passe a ser o local para os chamados filmes-evento, cheios de efeitos especiais, voltando à sua origem de ser uma das grandes atrações num parque de diversão. É entretenimento puro e espetacular", diz Gervitz.


Assista ao seminário

No caso do teatro, a interação também é um caminho possível para atrair o púbico. "O teatro é o lugar do encontro e foi isso que a pandemia tirou. A partir do momento em que há uma volta, tem que trazer essa provocação", diz André Acioli, gestor de teatro e curador.

Para estimular esses encontros, ele sugere que os teatros incorporem bate-papos sobre as peças, sessões de fotos ou conversas ao final do espetáculo. Ele cita os musicais como exemplos bem-sucedidos dessa experiência interativa.

"Não é simplesmente o público ir e ouvir a palavra. É o encontro, a foto que você tira, a venda de camiseta, caneca. Virou a Disney", diz ele.

Professor do mestrado em gestão da economia criativa da ESPM-Rio, João Luiz de Figueiredo vê uma demanda por atrações culturais que gerem experiências imersivas. "O evento que vem repleto dessa experiência não é substituído."

Ele diz, porém, que a retomada esbarra em desafios, como a crise econômica e as mudanças de hábito dos consumidores, que estão mais voltados ao mundo digital e com menos tempo para o lazer.

Para ajudar o setor, o especialista diz ser fundamental a criação de políticas públicas. "Quando se abre mão dessas políticas, você está indo contra o direito das pessoas. Não há país com forte produção cultural que não tenha muito dinheiro público envolvido."

Presidente da Fundação Itaú, Eduardo Saron concorda com o pesquisador. "Ter políticas públicas, como a Lei Aldir Blanc, faz com que a gente possa alavancar o setor, trazer mais público e fazer rodar a economia de uma cidade", diz Saron, que mediou a primeira mesa do seminário.

Figueiredo, professor da ESPM, acrescenta que políticas públicas também são importantes para democratizar o acesso a bens culturais e formar novos públicos. "Você não sente falta daquilo que nunca consumiu. Se a pessoa nunca foi ao teatro, ela não vai sentir falta dessa atividade."

A atriz Rosi Campos sabe bem a importância da formação de público. Ela interpretou a bruxa Morgana no programa infantil "Castelo Rá-Tim-Bum", clássico da década de 1990, e diz que a atração formou parte do público que vai assisti-la em peças de teatro.

"São pessoas que levam o filho e que choram. Eu tive a sorte de participar desse programa maravilhoso, mas não é todo mundo que consegue", diz a atriz, que considera que a tecnologia ampliou as possibilidades de lazer.

"Cinema, teatro e museu não são mais as únicas opções. Por isso, a gente tem que saber como recuperar esse público."


Veja texto lido por Roberto Gervitz durante o evento

As dificuldades da volta ao presencial possíveis razões para a mudança de comportamento identificada pelo estudo Datafolha

A epidemia foi um trauma brutal, o maior de nossa história para o qual mal temos coragem de olhar, queremos mais é esquecer. Graças a um governo criminoso que incentivou o contágio, brandindo uma teoria absurda. Suas consequências vão se fazer sentir durante muito tempo.

O medo de morrer se espalhou por nossa sociedade, na qual cada indivíduo se viu só, com seu corpo, diante de uma doença terrível. Mas assim como nunca acreditei nas profecias de que a pandemia transformaria o mundo, pois estávamos obrigados a parar (somente as classes mais favorecidas, vale dizer) para repensar os nossos caminhos, eu creio que buscar apenas na pandemia as razões pelas transformações nos hábitos culturais é não olhar para além da superfície de processos que se desenvolvem há muitos anos.

Os dados divulgados pela pesquisa Datafolha sobre o cinema impressionam, mas não surpreendem, por diversos motivos:

  • Os filmes vieram perdendo público a olhos vistos; primeiro, devido a transformações profundas ocorridas no mercado e na tecnologia ao longo dos últimos 40 anos no mercado global

  • O advento das plataformas de streaming que se se seguiu ao surgimento de diversas mídias para se assistir a um filme em casa, como o VHS, depois os DVDs e ainda os Blu-ray (s).

  • Há ainda o surgimento de equipamentos caseiros de grande qualidade de projeção, inclusive em tela grande. Hoje há poucos motivos de ordem técnica que justifiquem que alguém saia de casa para ir ao cinema que por vezes tem qualidade de projeção pior do que a caseira.

  • A tendência que mais se desenha é que o cinema passe a ser um local para os chamados filmes-evento, cheios de efeitos especiais e ação, voltando à sua origem de ser uma das grandes atrações num parque de diversões. Entretenimento puro e espetacular.

  • Há as questões de ordem econômica como o preço dos ingressos, somado ao custo dos deslocamentos e ainda o consumo de alimentos como pipocas e refrigerantes. O programa sai caro. O consumidor de classe média-média para baixo, faz as contas desse custo e vai cada vez menos ao cinema, a não ser justamente para os filmes-evento.

  • Há ainda as questões relativas às transformações urbanas como as horas que as pessoas que trabalham passam no trânsito e no transporte público que, somadas ao tempo de trabalho, são extenuantes, ainda mais nas grandes cidades em que a vida cultural sempre foi mais intensa.

  • Há, porém, uma série de transformações de caráter cultural e social, para mim as mais importantes, que poderiam ser sintetizadas em nosso zeitegeist, o espírito do nosso tempo.

  • Eu cresci em meio à ditadura militar, um mundo fechado e claustrofóbico. O cinema naquele momento era uma janela privilegiada para o mundo, o oxigênio necessário para a alma, um apelo à inventividade, fonte de entendimento de nossos conflitos mais íntimos, um espaço privilegiado em que nos defrontávamos com respostas e questionamentos, no interior do mundo livre do imaginário. Mas tudo isso, mesmo em um mundo sombrio, era movido pela esperança e a crença humanista de um mundo melhor. Havia esperança e a afirmação e a necessidade da arte era a promessa de que o ser humano podia ser melhor, e a arte retroalimentava as nossas eventuais utopias. Eu creio que fica muito difícil existir arte sem uma esperança profunda na humanidade. A necessidade da arte tem a ver com a esperança, mesmo que inconsciente.

Eu não sei quando os frequentadores de museus, cinemas, salas de teatro, concertos —os cidadãos— passaram a ser consumidores de teatro, de cinema, de música e museus. Hoje mais do que nunca, somos coisas que consomem coisas, em um tecido social esgarçado e um sentimento de pertencimento que não mais existe.

Hoje, somos indivíduos em guerra constante para vencer, isolados. Ver um filme, uma peça, um concerto, é um ato coletivo, mas hoje o sentimento é que o outro atrapalha e ameaça. A arte virou consumo, só vale quando "agrega valor". Qual a função da arte nos nossos dias? É só manter a nossa "saúde mental"? O que é exatamente saúde mental, o que entendemos por isso?

Os filmes que nos formavam e nos faziam mergulhar em outros mundos, vivê-los e fazer da nossa vida uma experiência mais rica, hoje, são casos raros, fracassos de bilheteria. Hoje quem sabe nos ajudem a esquecer o que é estar vivo nesse duro momento histórico.

O tempo virou algo que nos agonia porque nunca o alcançamos, vivemos em constante impaciência. Não somos mais capazes de nos entregar a um filme por duas horas, talvez por isso, a moçada hoje assista a um filme com a velocidade alterada para o dobro. Não há mais paciência, parecemos estar esgotados. Do quê?

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