Otimismo com energia limpa esbarra em problemas na matriz brasileira, dizem especialistas

Em debate realizado pela Folha, convidados citam necessidade de coordenar políticas públicas e investir em ciência

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São Paulo

O discurso de otimismo com a geração de energia limpa no Brasil esbarra em questões que precisam ser resolvidas para o país desenvolver seu potencial na transição energética, afirmam especialistas.

Entre os pontos em que é preciso evoluir estão a falta de coordenação em políticas públicas e na questão tributária, a necessidade de investir mais em ciência e um trabalho para melhorar a imagem do país no exterior.

As observações foram feitas no primeiro painel do seminário Energia limpa: a transição energética no Brasil, realizado pela Folha nesta segunda-feira (19) com apoio da montadora BYD. O evento faz parte das comemorações do aniversário de 103 anos do jornal. A mesa foi mediada pela repórter especial Adriana Fernandes.

Imagem aérea de usina solar
Usina fotovoltaica financiada pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais na cidade de Manga, no norte do estado - Divulgação/João Dias

"O Brasil tem um papel muito interessante. É condição única. Tem uma matriz super renovável, um produto que é sucesso, o etanol. A gente está na hora certa, no país certo, com as condições certas para ajudar o restante do mundo. É quase um fardo que a gente tem agora de ajudar o mundo", disse Ricardo Mussa, CEO da Raízen, empresa de bioenergia e principal fabricante de etanol de cana-de-açúcar no país.

Também é preciso se posicionar internacionalmente para abocanhar um quinhão dos investimentos mundiais no setor. Relatório da PwC aponta que o US$ 1,1 trilhão (R$ 5,45 trilhões pela cotação atual) disponibilizado para transição energética foi concentrado em duas áreas: transporte elétrico e energias renováveis.

"Quando vamos para a linha de [veículos] pesados, há uma oportunidade enorme para o Brasil neste ano. Ônibus, por exemplo. Essa modelagem do transporte público precisa ser feita. A gente sente que há possibilidade de se colocar [neste mercado] fabricando ônibus elétricos aqui. E é uma oportunidade de recuperar na América Latina o mercado que perdemos para a China", afirmou Ricardo Bastos, presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico).

Sobre a questão dos preços cobrados, considerados altos, ele garantiu que em 2024 haverá oferta de carros elétricos por cerca de R$ 100 mil.

"O Brasil já cumpriu grande parte dos seus compromissos, principalmente comparado com a Europa, na questão da energia renovável. Temos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo", disse o deputado federal Aliel Machado (PV-PR), relator do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono.

"O país está em uma situação curiosa. Temos uma matriz energética limpa, com 84% de eletricidade de fontes renováveis. É uma vantagem que nunca tivemos desde os tempos coloniais, essa vantagem comparativa", completou Gesner de Oliveira, economista e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Ele é um dos autores do livro "Nem Negacionismo Nem Apocalipse", que apresenta práticas e princípios ambientais com base na experiência brasileira.

O otimismo contrasta com os problemas apresentados pelos debatedores. As queixas vão desde a necessidade de investir mais em ciência, à falta de coordenação econômica (mesmo internacional) e erros, na visão deles, na tributação.

"A questão tributária não está sendo bem coordenada pelo governo. Quando você vai no detalhe, não conseguimos mover essa burocracia de Brasília", disse Bastos.

"A tributação privilegia os carros a combustão. O governo colocou critério de potência, o que não faz sentido para carros elétricos. A eficiência energética é completamente diferente. Isso pode limitar a tecnologia e, se for assim, não adiantam os investimentos que estão vindo para o Brasil."

Isso faz, segundo ele, com que um veículo a diesel e poluente possa custar menos para o consumidor do que um elétrico.

Para Machado, a diminuição do desmatamento e o avanço em pesquisas científicas podem desatar um nó capaz de liberar a cadeia produtiva e tirar pressão sobre o Brasil.

"Se resolvermos o problema do desmatamento, só com isso cumpriremos nossa meta do Acordo de Paris. Isso tiraria pressão do nosso setor produtivo e nos possibilitaria ser a vanguarda do mundo em todas as frentes que temos, etanol e energias renováveis que não são usadas em sua amplitude."

"Mas não podemos deixar de colocar um olhar brasileiro para o que de fato dá resultado no mundo inteiro, que é foco em ciência e tecnologia. Temos muita condição de avançar. Estamos muito aquém do nosso potencial", acrescentou o deputado.

Ao lembrar que o Brasil tem excesso de energia renovável que não consegue exportar, Mussa citou a dificuldade dos empresários do setor em divulgar os méritos do país no mercado internacional.

"Na minha interação com investidores, não tenho problema em falar sobre o potencial verde do Brasil. Eu tenho dificuldade em explicar o Brasil. Tenho dificuldade em falar sobre insegurança jurídica, respeito às regras. A gente faz um marketing muito ruim do Brasil. É impressionante a barreira que existe. A gente tem uma imagem muito ruim."

"A gente tem muito mais a oferecer em crédito de carbono do que outras nações. Mas a gente se vende mal", finalizou.

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